Em 1996 foi encerrada a animação conhecida como X-Men: A Série Animada (X-Men: The Animated Series, 1992 – 1997), focada nos mutantes conhecidos da Marvel Comics e adaptando histórias da equipe e seus múltiplos vilões e inimigos. Ao final da animação, Charles Xavier é atacado por Henry Peter Gyrich e fatalmente ferido, a única forma do “pai” do time não morrer é ir ao planeta Shi’ar para ser curado, assim deixando a Terra. O final é bem executado a nível narrativo, serve para encerrar a quinta temporada da animação, com uma animação bem ruim considerando os cortes na temporada. Mas bem, é um final, final esse sem deixar muitas pontas soltas mas assim deixando em aberto o fato de o time ainda ter suas missões para tornar o mundo melhor para mutantes. Em 2019 a Disney e a Marvel anunciaram um revival do seriado, mostrando o time de mutantes lidando com um mundo após a suposta partida de Charles Xavier. Como a animação original foi até o ano de ‘96, essa nova obra seria intitulada X-Men ‘97 (2024 -) e teria como roteirista chefe e showrunner Beau DeMayo.
Prévio ao lançamento oficial da animação, não gostava tanto da ideia de um seriado voltando para a década de 90 quando os mutantes nos quadrinhos haviam feito tantos avanços. Além de tudo, as duas outras séries animadas dos X-Men teriam bem mais a explorar e desenvolver baseado em chances não permitidas de continuar, com a quinta temporada de X-Men: Evolution (2000 – 2003) sendo engavetada mesmo com designs feitos e planejamentos e Wolverine e os X-Men (Wolverine and the X-Men, 2008 – 2009) tendo sua segunda temporada cancelada, mesmo com oito roteiros prontos (e disponibilizados na web pelos roteiristas). Além de tudo, nos quadrinhos os mutantes tinham uma ilha, linguagem, rituais, religião e cultura própria e então voltar para o mundo humano para lutar contra o preconceito, algo realizado em toda obra mutante até então, não parecia tão interessante. Bem, mesmo não sendo muito a favor de continuar retornando para a nostalgia dos anos 90 quando se trata dos mutantes (algo feito desde a introdução deles no próprio MCU, não por coincidência), pude me surpreender com os episódios e a temporada de X-Men ‘97.
Lançando a série com dois episódios de uma vez, a aventura começa de uma forma bem nostálgica, mesmo com os X-Men lidando com um problema de Sentinelas e tentando lutar por seu espaço no mundo. Só algo importante: os X-Men não têm mais Charles Xavier e a “morte” do fundador da equipe fez com que o mundo tivesse mais empatia para com os mutantes. Após anos e anos de adaptações horríveis, em um episódio X-Men ‘97 me lembrou, assim como a grande parte do público, a razão de Ciclope/Scott Summers, ser o líder da equipe. É uma base bem simples para adaptar Scott na verdade, só não fazer ele o marido ciumento, em vez disso a série o mostrou como líder dos X-Men buscando manter o time na direção certa e por vez tomando para si a responsabilidade de segurar o mundo. O primeiro episódio da temporada é dele, a forma como o personagem lidera, usa seus poderes e lida com seu conflito principal de estar esperando um filho com sua esposa enquanto o mundo ainda odeia os mutantes.
Fundamentando o retorno com uma luta importante contra robôs gigantes, X-Men ‘97 faz uma referência direta aos primeiros episódios da animação original – ‘Noite das Sentinelas’. Dessa vez não são duas partes da mesma história, pois ao final do primeiro episódio somos apresentados a uma nova reviravolta na equipe tal como os finais de Avenida Brasil. Magneto, antigo amigo de Xavier e atual inimigo do time dos mutantes, um mutante radical, herdou tudo que era de Charles Xavier. Quando falo sobre os finais desses episódios parecerem demais com os finais de Avenida Brasil não brinco, apesar de beber demais de aventuras dos quadrinhos o seriado aproveita muito bem os dramas dos mutantes, semelhantes aqueles de novelas. O herdeiro da fortuna de Xavier é apenas o começo, seguido por várias reviravoltas, irmãs gêmeas, homens com respostas misteriosas em bares, cenas bem mais dramáticas para a trama. A equipe de escrita dessa animação conseguiu muito bem capturar a essência da equipe e embora a história se passe na década de 90, a forma como o enredo evolui é extremamente fluido com narrativas seriadas atuais.
O lançamento semanal foi extremamente benéfico para o marketing da série, deixando todas as semanas as redes sociais borbulhando com teorias questionando referências, consequências e o arco central da temporada. A primeira vista, o arco central da temporada começa de verdade a partir do episódio sete (Bright Eyes), com marcas de um grande evento do episódio cinco (Remember It) capaz de deixar muita gente de olhos marejados. Mas após o lançamento de todos os episódios, é possível notar toda a construção e a presença de peças no quebra cabeça desde o primeiro episódio do seriado. Após o episódio cinco fica bem evidente o quanto a série não ser uma animação infantil permitiu que a equipe de criação pudesse tocar em enredos e arcos tão pesados dos quadrinhos. Me recordo de estar na internet antes do lançamento do episódio cinco e rir de suposições sobre a adaptação do arco E de Extinção, pois não iriam fazer algo tão pesado numa animação. Bem, errei e feio. X-Men ‘97 foi uma bela surpresa quanto a trazer os mutantes para os tempos atuais, após tanto tempo sem um seriado focado na equipe ou sequer um filme.
Agora importante pontuar como essa animação apagou e muito os personagens negros dentro de sua narrativa. Primeiramente o Bishop, presente na abertura dos primeiros episódios, dando um adeus e voltando apenas quando o enredo requer ele sem qualquer maior desenvolvimento da sua história ou personalidade. Inclusive ignorando a interessante história entre ele e Cable, tornada ainda mais interessante com as mudanças feitas no seriado. O personagem Roberto, Mancha Solar, cuja coloração da animação não seja o problema em si mas como seu arco ignora totalmente sua origem como homem negro latino. Sim, ótimo ouvir um dublador brasileiro, mas pela terceira vez ao menos a negritude desse personagem brasileiro cuja descoberta de seus poderes acontecerem durante um ataque racista contra ele foi ignorada. Fora os poderes, Roberto Da Costa de X-Men ‘97 não tem absolutamente nenhuma semelhança ao personagem original. Primeiro X-Men: Dias de Um Futuro Esquecido (X-Men: Days of Future Past, 2014), depois Os Novos Mutantes (The New Mutants, 2020) e agora X-Men ‘97, em pleno 2024 ainda tivemos poucas adaptações do Mancha Solar onde ele é um personagem negro latino e retinto.
Depois temos o arco da Tempestade, quebrado de forma anticlimática entre dois episódios em vez de ser um episódio próprio para uma das mais famosas e poderosas mutantes da Marvel. A personagem ainda teve um tratamento muito melhor daquele lhe dado nas franquias do cinema ou nas animações citadas anteriormente. Ela é uma mutante poderosa, tendo seu próprio arco não resumido ao vilão Rei das Sombras dessa vez, contando inclusive com uma transformação de garota mágica. Ainda assim, a forma como a personagem foi tratada no geral durante a temporada deixa muito a desejar, só não é justo ignorar o quão melhor ainda foi de obras passadas. A narrativa da temporada em si tenta colocar Magneto em um lugar tão importante de protagonismo que terminou por reduzir as habilidades das duas mutantes nível ômega na batalha final da temporada, Tempestade e Jean. Agora é aguardar para a próxima temporada para ver se a equipe criativa será capaz de fazer melhor uso de toda a equipe, especialmente os membros que não receberam o foco ao longo dos últimos 20, 30 anos.
Mesmo sendo muito bom ver uma obra dos mutantes sem foco no Wolverine, algo praticamente inexistente desde a série original de 90, ainda faltou um melhor desenvolvimento de alguns personagens. Mesmo assim, a primeira temporada de X-Men ‘97 é uma das obras mais memoráveis lançadas no ano de 2024, buscando trazer histórias antigas dos quadrinhos com uma visão mais visceral para o público moderno. Às vezes alguns sacrifícios são necessários, reduzindo enredos a um episódio, fazendo modificações, mas X-Men ‘97 é um acerto em cheio, provando mais ainda o quanto adaptações em quadrinhos no formato de animação trazem mais possibilidades e criatividade.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.