Uma das variantes do terror que nunca sai de moda é aquela voltada para as convenções e dogmas católicos, seja o terror de possessão ou o que envolve padres, freiras (principalmente) e igrejas ou conventos assombrados. Imaculada (Immaculate, 2024) se insere nesse quase subgênero ao trazer o que, a princípio, parece ser uma história de lugar assombrado/amaldiçoado, ao mostrar uma noviça, Cecilia (Sidney Sweeney), que chega a um convento na Itália para fazer seus votos e se tornar freira de fato, e se depara com um ambiente imerso em mistério e um suspeito acolhimento excessivo por parte de seus superiores. Conforme o tempo passa, ela se vê enredada em uma trama que mistura ciência e misticismo e percebe ser um joguete nas mãos daqueles que dizem fazer tudo em nome da fé. É uma história clássica que presta uma grande homenagem a O Bebê de Rosemary (Rosemary’s Baby, 1968), mostrando a luta de uma mulher que perde a agência sobre a própria vida e destino, ecoando o tratamento que a igreja católica deu às mulheres no decorrer dos séculos, sempre tratando o corpo feminino apenas como um instrumento para um fim (seja esse fim considerado maligno ou não).
Imaculada parte de uma ideia inicialmente bizarra – a gravidez “milagrosa” de uma mulher virgem – e peca quando busca dar uma base científica que convença o espectador da possibilidade dessa ideia, numa tentativa de dar seriedade à história, e que soa um tanto ridícula em vez de fortalecer o vínculo do espectador com o filme. A obra se sai muito melhor quando investe na iconografia dos ritos e ambientes católicos e, principalmente, quando entrega a cena para que Sidney Sweeney a domine. No primeiro caso, o diretor utiliza bem a dinâmica e a arquitetura de um convento (claramente antigo), um ambiente já propício ao terror, seja ele sobrenatural ou real, já que é um lugar opressivo e sombrio em sua essência. Se apropriar desse imaginário que o público já traz consigo de um convento como um lugar assustador pode parecer uma escolha óbvia, mas funciona bem devido ao cuidado na composição das imagens, num trabalho que lembra o cinema de terror dos anos 1970. No entanto, o principal pilar que permite que o filme funcione é Sweeney, uma atriz que vem se mostrando cada vez mais interessante em suas escolhas e mais firme nas demonstrações de seu talento, ela sustenta Imaculada de uma forma que poucas atrizes de sua geração conseguiriam. Com uma atuação que equilibra bem uma diversidade de sentimentos sem nenhum exagero, são dela os méritos maiores do filme e até mesmo a responsabilidade dele existir, já que foi ela quem assumiu a tarefa de tirá-lo do papel como produtora.
Assim como a Rosemary de Mia Farrow no citado O Bebê de Rosemary, a Cecilia de Sidney Sweeney é dominada por figuras masculinas – e mulheres a serviço desses homens – que a usam como instrumento para seus objetivos; no caso de Imaculada, esses objetivos são, supostamente, em prol de um bem maior. E, assim como a personagem que lhe serve de referência, ela também se vê em meio a uma luta pela própria vida que culmina em uma escolha polêmica. A principal diferença de qualidade entre os filmes se dá, principalmente, na direção: por mais que Michael Mohan mostre habilidade na construção da tensão (apesar de, infelizmente, ainda recorrer a jump scares) e de imagens que brinquem com todo um repertório imagético católico, falta-lhe o talento de Roman Polanski (para quem não sabe, o diretor de Rosemary) para sugerir mais que mostrar (exceto pela cena final, impactante exatamente pelo que não vemos), e entender que o subtexto não precisa virar texto para ser compreendido.
De toda forma, ainda que não alcance todo o potencial que demonstra ter, o resultado final é um filme de terror acima da média, que se preocupa em, ao menos, dar ao público desconforto e reflexão (independente de ser totalmente bem-sucedido ou não nisso). Isso é louvável, ainda mais se considerarmos que os últimos exemplares mais conhecidos dessa vertente do terror eclesiástico – A Freira 2 (The Nun II, 2023) e O Exorcista do Papa (The Pope’s Exorcist, 2023) – são duas bobagens que não saem do lugar-comum e só existem para arrecadar dinheiro, só replicando o que outros fizeram muito melhor. Imaculada, por mais que também se apoie em uma história que já foi contada de forma melhor antes, ao menos busca uma identidade própria e centra sua força na atuação de uma atriz que vale a pena continuarmos acompanhando atentamente. Não é um trabalho inovador nem inesquecível, mas consegue se destacar em um momento no qual o terror está em alta na sua busca por reinvenção e reafirmação como um dos gêneros fundamentais do cinema.
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Cineasta e roteirista, formado em Letras e graduando em Cinema, respira literatura, filmes e séries desde que se entende por gente. É viciado em sci-fi e terror, e ama Stephen King, Spielberg e Wes Craven. Tem mais livros em casa, e séries e filmes no computador de que seria humanamente possível ler e assistir, mas não vai desistir de tentar. Não consegue lembrar o que comeu ontem, mas sabe decorado os vencedores do Oscar de melhor atriz do últimos trinta anos (entre outras informações culturais inúteis).