Exorcismo Sagrado – Ainda se pode inovar em filmes de possessão?

Aviso: esse texto contém severos spoilers do filme. Mas eu acho que você nem vai se importar!

Um padre para em frente a uma casa. Ele usa sua batina e segura uma mala preta na mão esquerda. Estático, iluminado pela lâmpada de um poste, olha para uma janela da residência, no primeiro andar. Ele entra e vai até o quarto, onde encontra uma jovem deitada em sua cama, amarrada. A mãe pede socorro: “— Padre, salve minha filha!” Ao começar a sessão de exorcismo, a jovem se contorce. Seu rosto, desfigurado, nos apresenta uma forma monstruosa, com olhos esbranquiçados e que fala com voz distorcida. Ela parece suja. Despeja heresias, ofensas. A cama salta!

Provavelmente você acha que sabe de que filme eu estou falando. Na verdade, eu poderia mesmo estar citando o famoso O Exorcista (The Exorcist, 1973) do diretor William Friedkin. Mas, não. O assunto aqui é Exorcismo Sagrado (The Exorcism of God, 2021), segundo filme de Alejandro Hidalgo, com referências tão fortes ao filme de 1973, que estou até agora tentando perceber onde fica o limite que separa a homenagem do plágio.

Exorcismo Sagrado tenta, mas passa longe de ser um título inovador. Alejandro usa abusivamente todos os clichês possíveis de filmes de possessão. Estão de volta o vômito verde, as jovens endemoniadas – o diabo de Hollywood parece adorar moças de pouca idade – e até aquela corrida estranha, com a pessoa em forma de “ponte”, lembra? Em sua defesa, eu imagino o quanto pode ser difícil achar criatividade para trabalhar um subgênero que já foi, de fato, explorado até a exaustão. Mas que nunca conseguiu superar seu pioneiro.

Ao que parece, tudo que se podia fazer para retratar “religiosos que tentam expurgar espíritos malignos do corpo das pessoas” já foi feito. E no primeiro filme. Segue o fio!

Obviamente, a história não é a mesma. O roteiro do longa de 2021 faz as vezes de ser o mais profano possível. Aqui, o padre Peter Williams, interpretado por Will Beinbrink – que você deve conhecer por It – Capítulo 2 (It Chapter 2, 2019) –, é bem-sucedido na tentativa de livrar Magali (Irán Castillo) do “capiroto”. Porém, não antes de ser, ele mesmo, possuído pelo “coisa-ruim” e abusar sexualmente da garota que deveria salvar. Assim, mesmo tendo uma vida voltada a ajudar crianças carentes e a lutar pela população pobre de uma cidade no México, padre Peter passa os 18 anos seguintes assombrado pela culpa da violência que cometeu, ainda que frequentemente alertado pelo seu amigo mais próximo sobre não ter responsabilidade pelo ocorrido, pois estava possuído.

E é nesse cenário que a história caminha. Enquanto tenta uma aproximação maior com a igreja para angariar fundos que usaria na compra de remédios para as crianças, que estão morrendo de uma doença misteriosa, Peter é novamente requisitado para um exorcismo. Dessa vez, de (mais) uma garota que está em situação de privação de liberdade. Relutante, o padre só resolve ajudar Esperanza (María Gabriela de Faría) após um reencontro com Magali, que traz uma importante informação sobre a nova “possuída” – você já deve saber o que é!

O filme segue tentando provocar uma tensão que o expectador, involuntariamente, já sabe bem onde vai chegar e que, portanto, acaba não fazendo efeito algum. Mesma coisa pode ser dita dos excessivos jumpscares, tão frequentes que perdem sua eficácia na metade do segundo ato. Junte isso às fracas atuações do elenco de apoio e à mistura do espanhol com o inglês que lembra demais Caminho das Índias (aquele cenário em que as pessoas falam inglês com sotaque latino, mesmo que a história se passe no México). Não obstante, temos uma dose de humor que, embora bem empregado na interpretação do padre Michael Lewis, pelo ator Joseph Marcell – o hilário Geoffrey Butler de Um Maluco no Pedaço (The Fresh Prince of Bel-Air – 1990-1996) -, destoa de toda a atmosfera sombria e da paleta escura e cinza, que dá o clima do filme. Você nem se assusta, nem ri.

Para não dizer que não falei de flores, Exorcismo Sagrado tem alguns méritos. Na tentativa de trazer aspectos novos, somos apresentados a um “Jesus demoníaco”, que age como a personificação da culpa de Peter – sendo a melhor cena do longa, provavelmente, a primeira vez que esse Jesus aparece. Porém, a figura assustadora perde todo seu ar de graça quando, com efeitos paupérrimos, corre contorcido pelas paredes.

A outra “novidade” poderia até ser uma surpresa, não estivesse explícita no título original do filme: há uma cena em que o demônio tenta expulsar Deus do corpo do padre, uma espécie de exorcismo ao contrário. Uma passagem que mais parece uma disputa sobre quem exorciza quem primeiro. Herege, sim. Mas, engraçado também.

Por fim, na maior das boas intenções, o subtexto do diretor tenta alfinetar a igreja católica expondo sua corrupção e a ocupação dos servidores de Satã, infiltrados nos altos cargos do clérigo. E se perde completamente ao dar destaque a uma fala onde o padre compara homossexuais a bandidos e estupradores. Muito embora a fala tenha saído da boca de uma espécie de antagonista, é extremamente problemático ver as pessoas aplaudindo o discurso do padre.

Então, se, por acaso, tiver sobrado em você alguma curiosidade, Exorcismo Sagrado chega aos cinemas em 10 de fevereiro. Teve um orçamento enxuto de US$ 1.300.00,00 e, a despeito de tudo que eu possa ter escrito, possui 2 indicações de prêmios. Você vai tomar alguns sustos, mas, se não for religioso, dificilmente vai ficar impressionado. Quase 50 anos depois, O Exorcista, de Friedkin, ainda reina absoluto.


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