O lado espacial da Marvel foi introduzido ao universo cinematográfico do estúdio em Thor (2011). Desde então, tem sido um tema recorrente, mas ainda não tão explorado. Mesmo em Thor: O Mundo Sombrio (Thor: The Dark World, 2013), temos apenas um vislumbre desse universo espacial, bem mais espacial e menos místico do que no primeiro filme do herói, aliás. Apenas aqui, em Guardiões da Galáxia (2014), dirigido por James Gunn, que o MCU mergulhou pela primeira vez em uma ópera espacial que consegue equilibrar humor, ação e uma ótima trilha sonora. É uma nova porta sendo aberta, diferente da fórmula de filmes de herói trazidas pela Marvel Studios até então, com um elenco menos balanceado e organizado ou histórias pré estabelecidas.
Nossos protagonistas, os Guardiões da Galáxia, não são heróis, mas sim um bando de criminosos que atravessam o caminho do fanático antagonista Ronan (Lee Pace), da raça alienígena Kree, que deseja restabelecer a grandiosidade do seu povo. O item buscado por Ronan é apreendido pela Nova Corps, uma forma de polícia espacial, responsável pela captura dos membros da equipe titular do filme.
Considerando que se trata do primeiro filme fora da Terra, Guardiões da Galáxia tem o trabalho de introduzir conceitos desconhecidos. Além disso, diferente dos Vingadores, os membros da equipe não são personagens pré estabelecidos em filmes anteriores para o público. Mesmo assim, Gunn consegue apresentar os seus protagonistas e o seu universo sem fazer o filme se tornar muito introdutório, o que é bem difícil. A forma com que as coisas vão acontecendo e vamos conhecendo os personagens é bem fluído, além de bem humorado. O filme, apesar de ter um tom bem divertido, não abre mão de momentos importantes e dramáticos, especialmente considerando as motivações e histórias de alguns de seus personagens.
Enquanto parte da equipe é motivada por ganância, temos as história de Drax (Dave Bautista) e Gamora (Zoe Saldana). Ele quer vingar sua esposa e filha que foram mortas pelo antagonista Ronan e isso o define por todo o filme, inclusive fazendo-o tomar algumas decisões bem estúpidas. Embora tenha uma origem bem sombria, o personagem serve também como um alívio cômico, graças a uma característica da sua espécie: em seu planeta os habitantes não conhecem sarcasmo ou ironia, fazendo com que Drax leve tudo ao pé da letra. Bautista, lutador de MMA, encarna bem o personagem que, felizmente, não se torna um bobão caricato como muitas vezes acontece em casos semelhantes.
A Gamora interpretada por Zoe Saldana, também tem motivações interessantes. Além de Saldana ser a primeira mulher negra a fazer um papel de extrema importância para um filme do MCU – sem contar na sua relação com Thanos (Josh Brolin) que se estenderá para além do filme dos Guardiões no futuro – a personagem traz a missão mais heroica do filme. As pretensões de Gamora para estar contra seu pai são colocadas em paralelo com as de sua irmã Nebulosa (Karen Gillian) que se alia a Ronan contra Thanos. Gamora quer proteger o universo de Thanos, enquanto Nebulosa apenas quer se vingar de Thanos e Gamora.
Dentre os demais membros da equipe temos Peter Quill (Chris Pratt), que é basicamente um mercenário buscando uma vida melhor para si e trapaceando quando necessário até que sua moral fale mais alto. A história do personagem é muito relacionada à perda precoce de sua mãe para o câncer logo antes de ser capturado por Yondu (Michael Rooker), crescer e se tornar o ‘Senhor das Estrelas’. A atuação de Pratt consegue balancear bem a ação e o tom cômico do filme, seu personagem não se torna cansativo de se assistir apesar de que não haja nada de realmente único nele quando se trata de personalidade.
Rocket (Bradley Cooper) e Groot (Vin Diesel) completam a equipe, como uma dupla de alívio cômico mas também peso dramático, cuja razão por estar ajudando os demais é o dinheiro até que se torna apenas não querer que o Universo acabe. Groot consegue capturar todo o público com pouquíssimas palavras, criando um laço único estabelecido neste filme que continuaria nas sequências. É necessário ressaltar a necessidade de cada um dos membros para que o exército de Ronan seja derrotado, além de todos terem sido devidamente aproveitados.
Um dos pontos mais fracos do filme acaba sendo o vilão, um erro já considerável regra em filmes da Marvel de tão recorrente que é. Ronan tem muita voz, muitos gritos, muito drama, mas não tem uma narrativa adequada para um vilão principal num filme. Talvez ele pudesse ter brilhado mais sem a presença real de Thanos, que o vê como uma criança – inclusive o personagem de Josh Brolin faz questão de falar isso. A verdadeira antagonista que se destaca nesse filme é a personagem de Karen Gillian, Nebulosa, fazendo com que o público deseje mais dela. Até a forma com que os Guardiões da Galáxia derrotam Ronan não dá ao vilão uma posição de poder, mesmo que seja inclusive essa a jóia do infinito em sua posse.
O filme busca não só apresentar o lado espacial da Marvel, mas também apresentar um grupo de personagens por quem o público possa torcer, arrancando boas risadas pelo caminho. Foi uma das maiores apostas da Marvel por se tratar de um filme de equipe usando personagens desconhecidos, mas o filme agradou em todos os sentidos, muito provavelmente porque não havia muita expectativa em torno deles. Destaque à trilha sonora, Awesome Mix Vol. I, trazendo grandes clássicos da música em momentos do filme, criando uma atmosfera única para o filme. Sem as músicas que compõem a trilha com certeza o filme não seria tão agradável e marcante de se assistir.
Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.