RESENHA | Fahrenheit 451, de Ray Bradbury

Não sei bem quando exatamente começou, mas romances distópicos sempre despertaram em mim algum tipo de interesse. Já li inúmeros – dos quais eu conto prós e contras em cada um ou na forma como abordaram o tema – e tenho minhas preferências bem pautadas. Sendo assim, lembro-me bem de quando comecei a ler Fahrenheit 451. Comprei uma versão mais simples do livro, não sabia muito da história – acredito inclusive que foi o vendedor quem me recomendou – e fui ler assim, na inocência. Qual não foi minha surpresa ao perceber que a história, de uma premissa simples mas extremamente perspicaz, acabou se tornando uma das minhas favoritas?

O romance conta a história de Guy Montag, um bombeiro cujo trabalho não é apagar o fogo, mas botar fogo. A distopia aqui se baseia num plot muito simples: como seria uma sociedade em que não houvessem livros? Em que ler, na realidade, fosse… Proibido? A temperatura ideal para incinerar os livros seria de 451 ºF (o que, para os curiosos, dá aproximadamente 233 ºC), diminuindo-os a pó, cinzas. Puft, não existe mais livro. Papel é obsoleto. Conhecimento, então, perigoso. O dia-a-dia das pessoas se baseia em assistir grandes programações de entretenimento nas telas que ocupam paredes das casas, confortáveis em sua ignorância, felizes com a programação tendenciosa e selecionada para que não hajam questionamentos.

A história do livro é especial porque se utiliza de um meio de conhecimento dos mais antigos para dizimar o senso de questionamento de uma sociedade inteira. A tv, a mídia e a propaganda sendo os meios de controle mais eficazes para fazer lavagem cerebral numa sociedade há muito doente. Pessoalmente, sei bem como sociedades distópicas são repletas de críticas sociais, mas sinto que Fahrenheit 451 é um prato cheio para quem se interessa por teorias da comunicação ou mesmo comunicação social em geral. O entretenimento é responsável por dominar e, principalmente, moldar as mentes imersas numa programação alienante, para que as pessoas não façam perguntas, não se exaltem, apenas… Aceitem. É a violência simbólica no seu melhor. Daí, quando essa não funciona?

Temos a parte braçal, a agressividade: o robô gigantesco que destrói famílias e casas que possuem livros. Ou seja, à espreita, ali, existe um olho que tudo vê. O cão de caça mecânico é um robô de oito patas construído com o único objetivo de caçar e matar aqueles que vão de encontro com o pregado e têm um pensamento de vida “livre”.

A partir disso, Montag se vê numa verdadeira pindaíba quando Clarisse, sua nova vizinha, o faz questionar como o sistema funciona, apenas com seu jeito atípico e espontâneo de ser. Ela é completamente diferente, por exemplo, da esposa de Montag, Mildred, uma vítima da sociedade do entretenimento. Viciada em remédios para dormir e completamente absorta na programação das grandes telas das casas, Mildred aceita tudo como lhe é mostrado. Ambos têm um casamento confortável, acomodado. Mas daí, quando Clarisse entra em cena e começa a conversar com Montag, ele se vê tentado a questionar a queima de livros. Apesar de jovem, a vizinha tem ideias vanguardistas e realmente troca conhecimento com Montag, um pouco não usual para a sociedade hedonista e sádica por diversão.

Dessa forma, quando Clarisse, um belo dia, desaparece, Guy fica mais e mais desconfiado, passando a roubar um livro a cada incêndio que sua profissão o obriga a gerar. Bem, a partir daí… Coisas acontecem e o nosso protagonista descobre a fundo quão perigoso é o conhecimento.

 

Quando Ray Bradbury escreveu o livro (em meados da Guerra Fria), ele foi questionado sobre o teor de censura da narrativa. Afinal, com certeza deveria ser uma crítica à censura patrocinada pelo estado vigente naquele momento histórico. Ele, no entanto, defendeu que a obra não se tratava disso, mas sim, de como a televisão destrói o interesse pela leitura. Pessoalmente, acredito na força de uma obra literária de criar vida depois de “solta no mundo” e, portanto, acho que essa em específico acaba sendo uma mistura de todos esses aspectos. Quando a li, encontrei inúmeras referências a Escola de Frankfurt e até mesmo uma pitada de Foucault. Pensar que quem obtém o poder é sempre quem está acima da violência – e portanto pode fazer o que bem entender com uma sociedade – cabe muito bem na teoria do francês e também em todo a narrativa do livro. Ou seja, se a intenção era apenas atentar para o hábito da leitura e compreensão de conhecimentos, que bom que a narrativa teve mais força para além disso!
Por fim, apesar do desfecho otimista – com a possibilidade de uma nova sociedade se formando a partir de livros memorizados e passados a frente pela oralidade -, o livro ainda é um pouco mais sombrio pois traz elementos como o cão de caça e também a morte de Clarisse. Lembro que fiquei na expectativa até o fim de que a menina voltasse, mas, infelizmente, não é o caso aqui. Isso não diminui o fato, porém, de que o livro é curto e poderoso. Tem poucas páginas (menos de 200) e passa uma mensagem muito forte. O final certamente nos deixa com uma sensação triste de esperança – um sentimento no mínimo confuso. Mas, o importante é que ele afeta.