O quanto os acontecimentos da sua infância e adolescência interferiram, para o bem e para o mal, na sua vida adulta? O quanto seus pais contribuíram – ou interferiram – na pessoa que você se tornou? O quão complexo e perturbador, mas também engrandecedor e gratificante, é moldar e construir o caráter de um ser humano? Ou de três de uma só vez?
Poderiam ser facilmente questionamentos feitos em uma sessão de terapia, mas são algumas das muitas reflexões causadas por This is Us, série norte-americana, criada por Dan Folgeman e transmitida nos Estados Unidos pela emissora NBC e no Brasil pela FOX, desde setembro de 2016.
A obra, já em seu episódio piloto, apresenta ao público um casal apaixonado, Rebecca Pearson (Mandy Moore) e Jack Pearson (Milo Ventimiglia), às vésperas do nascimento dos seus trigêmeos, Kate (Chrissy Metz), Randall (Sterling K. Brown) e Kevin Pearson (Justin Hartley), os quais também nos são introduzidos já nas suas vidas adultas pós-30 anos, por meio de constantes e, algumas vezes confusos, flashbacks.
Neste primeiro momento, o telespectador é desafiado a identificar o que é presente e passado, por meio de imagens com um sépia discreto e dos figurinos que remetem aos anos 70, para contar a história dos pais de primeira viagem, bem como por meio de um cenário mais contemporâneo para mostrar a vida adulta dos irmãos. Ainda, o desenrolar das respectivas tramas já é bem delineado, trazendo à tona um ambiente dramático, de profundos traumas pessoais e familiares, além de um cenário de perturbação destes personagens para com as demandas da fase adulta – e quem não se identifica com isso? – tudo de uma forma singela e sem exageros.
De imediato, conhecemos Kate, uma mulher obesa e infeliz com o seu corpo, cumprindo dietas restritivas e tendo a balança como um verdadeiro temor. Com o decorrer dos episódios, todas as compulsões causadas pela desordem alimentar são problematizadas, o que nos leva a crer, à primeira vista, que é um tema um tanto quanto óbvio para uma série que promete inovar, mas que mostra em seu decorrer a complexidade das origens dos transtornos, além dos imensuráveis danos causados pelas pressões sociais e familiares sofridas desde a infância.
Em simultâneo, Kevin aparece como o gêmeo em condições opostas à Kate, vez que é um galã, protagonista de uma famosa série de comédia, aparentando, assim, ter uma vida bem sucedida, o que logo é desconstruído ao mostrar a sua insatisfação em fazer um personagem extremamente caricato e que tem como principal foco a sua beleza, não oportunizando, em qualquer momento, deixar o seu talento às vistas do público.
Em terceiro, Randall, o gêmeo adotivo que destoa da família por ser negro – cuja origem é explicada no fim do piloto – e que aparenta ser o mais estável em todos os aspectos: psicológico, financeiro, profissional e familiar. Contudo, o personagem não quebra a regra de trazer à tona todos os seus assuntos mal resolvidos da infância, em especial a busca pelo seus pais biológicos, mas também as consequências da sua imensa auto cobrança e da dedicação irrestrita à sua vida profissional.
Por fim, os pais, Rebecca e Jack, são constantemente apresentados como os melhores pais que qualquer criança possa ter, construindo, assim, uma família perfeita. Aliás, minto. O papel de perfeição está muito bem disposto ao pai, provedor, parceiro, divertido, presente e sempre otimista, que abriu mão dos seus sonhos para gerir uma numerosa família, poupando-lhes de qualquer dificuldade ou ausência. Por sua vez, Rebecca é a mãe, dona de casa, que é tão familiar à maioria dos espectadores (afinal, mãe só muda de endereço, não é?), responsável pela educação e, portanto, a que priva, disciplina e cobra. Vale citar, também, coadjuvantes incríveis, como William (Ron Cephas Jones), com suas sempre sábias palavras, e Beth (Susan Kelechi Watson), com sua praticidade e inteligência emocional de dar inveja, além de destacar as crianças maravilhosas (Mackenzie Hancsicsak, como Kate; Parker Bates, como Kevin e Lonnie Chavis, como Randall) que interpretam os trigêmeos na infância.
Para além dos personagens extremamente apaixonantes, a série também é conhecida por arrancar lágrimas de todos os que a acompanham. E, nesse ponto, exalto a singeleza e beleza com que assuntos tão delicados e subjetivos são tratados, uma vez que não é só mais um “dramão”, com sequências frequentes de acontecimentos trágicos “a la Greys Anatomy” (sou fã de GA, tenho lugar de fala!) que te desidratam, mas sim situações muito cotidianas e próximas, que exaltam o amor e o companheirismo entre irmãos; que te remetem a um evento saudoso ou mesmo traumático da sua infância; que te fazem sentir saudades dos momentos cotidianos com os seus pais e até refletir sobre todas as coisas que eles abriram mão – ou não – para você se tornar o que se tornou.
E, nesse contexto, é que se desenvolvem, em duas temporadas finalizadas, situações tão palpáveis, familiares, diárias e presentes na vida de muitos, principalmente daqueles que são bombardeados por todas as demandas da fase adulta, sem qualquer aviso ou preparo, bem como deixam expostas as imperfeições, medos, vícios e dificuldades que permeiam a história até mesmo das melhores famílias.
Confesso que, após o término da primeira temporada, senti uma breve insegurança acerca da capacidade de desenvolvimento da trama, a qual foi totalmente sanada com uma segunda temporada ainda melhor, focada em destrinchar um trágico acontecimento, o qual é o mote para a maioria dos traumas pessoais anteriormente expostos. E, com um final impactante, é que a série deixou seus fãs com grandes expectativas para a 3ª temporada, programada para estrear no dia 25 de setembro de 2018, na TV norte-americana (ainda sem data no Brasil).
Formada em direito pela UFC e em medicina pelo Grey’s Anatomy, Larissa é canceriana e dona de um gato maluvido chamado Jimmy. Adora Beatles, Amy Winehouse, viajar e acha o Artpop uma obra de arte. Nunca recusa um bom café e uma boa conversa sobre cinema, contanto que não tenha spoiler.