— Esse texto contém spoilers —
Antes de assistir este novo Papillon (2017), dirigido pelo dinamarquês Michael Noer, estava em dúvida se esta seria uma nova visão do livro escrito por Henri Charrièri (o próprio Papillon), lançado nos anos 60, que conta as agruras de seu cárcere na Guiana Francesa, e sua posterior fuga da infernal prisão, ou se teria como base o filme de 1973, dirigido por Franklin J. Schaffner, com roteiro de Dalton Trumbo e Lorenzo Semple Jr., estrelado brilhantemente por Steve McQueen e Dustin Hoffman. Após ver o filme, posso afirmar que ele é ambas as coisas.
Assim, como nunca tive oportunidade (ainda que tenha vontade) de ler o bestseller publicado em 1969, vou usar como base comparativa o filme lançado apenas quatro anos depois, o qual só assisti recentemente, exatamente para ter um referencial para esta nova obra.
Logo de cara posso dizer que este é um bom remake desnecessário. E aqui posso resumir rapidamente em dois pontos o que seria um remake necessário, tentando trazer alguns exemplos para fim de ilustração.
Ponto 1: Quando o filme original em questão se torna “inassistível” para uma nova geração de expectadores que não está habituada a uma forma fílmica mais clássica e muitas vezes obsoleta, com ritmo e estilo narrativo muito diferentes do que se vê hoje, e aqui não cabe a ninguém comparar qualitativamente as duas obras, já que são versões com contextos e motivações totalmente diferentes de uma mesma história (mesmo que você, velho cinéfilo, esbraveje que o original é muito melhor blá blá blá blá). Exemplo:
It: Uma Obra Prima do Medo (It, 1990) e
It: A Coisa (It, 2017); ou
O Estranho Que Nós Amamos (The Beguilledd, 1971) e
O Estranho Que Nós Amamos (The Begulled, 2017) – (aqui, os exemplos que dei tem como base obras literárias, mas fica evidente que seus respectivos
remakes são inspirados mais nos filmes anteriores do que nos livros);
Ponto 2: Quando ambos os filmes são versões e visões diferentes de uma mesma obra original, seja um livro, como
Bravura Indômita (True Grit, 1969) e
Bravura Indômita (True Grit, 2010); ou
O Grande Gatsby (The Great Gatsby, 1974) e
O Grande Gatsby (The Great Gatsby, 2013) ,ou um quadrinho, como em
O Juiz (Judge Dredd, 1995) e
Dredd (2012) ou
Quarteto Fantástico (Fantastic Four, 2005) e
Quarteto Fantástico (Fantastic Four, 2015), quando muitas vezes pode ser considerado um
reboot de uma franquia (mas isso é assunto pra outra conversa);
e dois pontos para o que seriam remakes desnecessários, e seus respectivos exemplos.
Ponto 1: Quando o filme não passa de uma cópia (por mais fiel que seja) do anterior, sem tentar dar uma visão diferente e mais moderna à história, como em
Carrie, a Estranha (Carrie, 1976) e
Carrie, a Estranha (Carrie, 2013); ou
Psicose (Psycho, 1960) e
Psicose (Psycho, 1998);
Ponto 2: o pior tipo de
remake, aquele que só existe porque americano tem preguiça de ler legenda e se dá o trabalho de fazer uma versão Hollywood de belos filmes originários de outros países, como no sul coreano
Oldboy (Oudeuboi, 2003) e
Oldboy: Dias de Vingança (Oldboy, 2013); o argentino
O Segredo dos Seus Olhos (El Secreto de Sus Ojos, 2009) e
Olhos da Justiça (Secret in Theis Eyes, 2015); ou no sueco
Deixa Ela Entrar (Låt den rätte komma in, 2008) e
Deixe-me Entrar (Let me In, 2010), com apenas dois anos de diferença de um filme para o outro.
Dito isto, voltemos à Papillon. Ambos os filmes nos trazem a mesma história: nos anos 30 um homem julgado por um crime que diz não ter cometido é enviado para a prisão-colônia na Guiana Francesa onde deve passar o resto de seus dias. No entanto, Papillon, assim conhecido por conta de sua tatuagem de borboleta no tórax (papillon significa borboleta em francês), inicia assim que chega na prisão seus planos de fuga, mas para isso percebe que precisa de algo que não possui, dinheiro. A solução se mostra logo no início quando Papillon conhece Louis Dega, um famoso falsificador endinheirado que tem certeza que sua pena será revogada em breve, mas enquanto isso precisa da proteção do primeiro. Firma-se, assim, uma parceria que logo se transforma numa amizade improvável, nascida em condições extremas. Papillon é sobre uma fuga, sim, mas é principalmente sobre esta leal amizade entre estes dois homens.
O novo filme faz, logo no começo, uma decisão que é ao mesmo tempo arriscada e preguiçosa, apresentando as ações que levaram Papillon a ser condenado injustamente, vítima de uma vingança, mostrando também uma ligação romântica do personagem, em uma fraca tentativa de se criar empatia por parte do espectador, enquanto o filme anterior inicia já com os prisioneiros marchando em direção ao navio que os levaria ao cárcere (uma bela e silenciosa sequência onde ouvimos apenas o barulho dos passos das dezenas de prisioneiros), deixando a cargo do espectador julgar se Papillon falava a verdade ao se dizer inocente. Esta mesma decisão de acrescentar informações que se mostram ineficientes é tomada novamente ao fim do filme, estragando completamente o impacto do desfecho do filme anterior.
O tempo que Papillon passa na solitária, é também muito mais impressionante no primeiro filme, muito por conta da forte atuação de McQueen e da espantosa maquiagem de Charles H. Schram, enquanto nesta nova versão temos Charlie Hunnam, um ator sem muita expressividade que parece ter sido escolhido apenas pela sua aura de malandrão (algo que também fazia parte da persona de McQueen), surgida muito por conta de seu papel na série
Sons of Anarchy (2008 – 2014), e pelo seu porte físico. Ainda falando do elenco, temos o ótimo Rami Malek, que aqui infelizmente não se esforça muito para criar seu próprio Louis Dega, apenas repetindo o que Hoffman já havia feito em 73.
O momento da fuga, que deve ser o ponto alto da trama, é muito mais interessante e angustiante no filme de 1973, o que é de se admirar, já que hoje temos recursos tecnológicos suficientes para criar uma sequência bem mais eletrizante e dinâmica, mas a direção certeira do talentoso Schaffner torna a ação extremamente aflitiva, algo que não foi alcançado por Noer. Mas por outro lado, toda a ação que vem após a fuga, que é exageradamente esticada no primeiro filme, com longas e inexpressivas sequências de Papillon na praia dos leprosos, na aldeia de nativos e depois, após ser novamente capturado, na ilha onde reencontra Dega, no remake esta “gordura” é corrigida, deixando o final mais ágil e menos maçante, tornando, assim, o fechamento mais efetivo (e que, infelizmente, acaba sendo desperdiçado pelo epílogo que já mencionei antes).
Portanto, podemos dizer que o novo Papillon é um bom remake desnecessário porque ao mesmo tempo em que não traz muitas novidades no que diz respeito o filme de 1973, muitas vezes deslizando na concepção de algumas sequências que foram efetivas na antiga versão, ele se mostra um filme muito mais célere, algumas vezes juntando vários acontecimentos do filme anterior em uma única sequência ou mesmo cortando ações que serviram apenas para alongar a narrativa (que conta com suas boas 2h30min de filme, algo bastante comum para esta época, mas raro nos dias de hoje – falando de cinema mais comercial, claro).
Vamos finalizar dizendo que os velhos fiquem com o clássico de 1973 e deixem este remake para a nova geração.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.