Esse texto é direcionado para um tipo muito específico de fãs de Harry Potter, os levianos. Harry Potter é uma série mundialmente reconhecida e subestimada quase que na mesma medida, ao mesmo tempo que é taxada por muitos como boba e infantil, por muitos outros é considerada uma história de mensagens muito poderosas àqueles que estiverem atentos. Ora, na verdade nem precisa estar tão atento assim, basta querer (muito mais do que saber) refletir sobre aquilo que se está recebendo. Há dois tipos de ignorância, no primeiro tipo há as pessoas que, infelizmente, ainda não tiveram muitas oportunidades e não tem tanto acesso à informação, a este tipo devemos sempre prestar nossa solidariedade e compreensão. Mas, no outro tipo estão aqueles que, mesmo tendo acesso fácil à informação (às vezes até mais do que deveria), escolhem descartar o que recebem o mais rápido possível e, ainda por cima, o fazem com total segurança de que podem emitir julgamentos embasados e resolutos sobre o que leram, assistiram, ouviram, etc. Mesmo que não tenham absorvido nada. O indivíduo consome, engole sem mastigar e não consegue digerir nada. Inadmissível, para não dizer inacreditável. Tudo é e pode servir de aprendizado, vai depender de a pessoa sair do seu lugar passivo de receptor para ir além das imagens superficiais das mensagens.
“São nossas escolhas, muito mais do que nossas qualidades, que revelam quem somos”. Não é a família na qual você nasceu, o quão puro é o sangue que corre em suas veias, a casa à qual você pertence. Hermione Granger, filha de trouxas, é uma bruxa brilhante e talentosa, “ainda não inventaram um feitiço que ela não soubesse fazer”. Hagrid, meio-gigante, expulso de Hogwarts e não há personagem que tenha um coração melhor que o dele em toda a série, amável e extremamente leal. Firenze, o centauro. Justo, sábio e mais civilizado do que boa parte dos sangue-puros da comunidade bruxa conservadora. Salazar Sonserina achava que só um tipo de bruxo merecia estudar em Hogwarts, esse pensamento já não cabia quando a escola foi fundada e cabe menos ainda nos dias de hoje.
2. Defenda as liberdades individuais.
Quando o Ministério da Magia modifica leis para ter mais controle sobre a Escola de Magia e Bruxaria de Hogwarts, Dolores Umbridge, antes professora de Defesa Contra as Artes das Trevas agora Alta Inquisidora de Hogwarts, adota uma série de medidas (intituladas Decretos da Educação) que ferem as liberdades individuais: proibir a aproximação entre garotos e garotas, que se toque música em horas de estudo, banir literatura não-bruxa, dissolver organizações estudantis e exigir que qualquer atividade extracurricular tenha que passar por autorização. Ações autoritárias e provindas de paranoia que tinha como objetivos limitar o ensino da magia e impedir qualquer levante que fosse contrário a qualquer ideia do Ministério da Magia com a desculpa de estar restaurando um certo padrão de educação da escola. Em resposta à essa postura de Umbridge, os alunos se articulam e criam a Armada de Dumbledore.
Tanto Cornélio Fugde quanto Rufo Scrimgeour são representados como figuras que não inspiram confiança. Fudge pela negação em lidar com a iminente ascensão de Voldemort que acabou resultando num medo paranoico de perder o poder, e é justamente o medo que fomenta o tipo de medidas que já foram descritas nessa lista. Por causa de sua falta de ação e inabilidade, Cornelius Fudge foi forçado a pedir demissão e seu lugar foi ocupado por Rufus Scrimgeour, que embora pareça muito mais competente que Fudge, o ministro Scrimgeour segue a tradição dos ministros anteriores e dos funcionários do ministério, colocando as aparências acima da verdade. Um de seus feitos foi capturar e aprisionar três pessoas, incluindo o jovem Stanislau Shunpike, condutor do Nôitibus Andante, em Azkaban, alegando que eram comensais da morte em plena atividade só para dar a impressão de que o ministério estava de fato fazendo alguma coisa a respeito. Ele também tentou mudar a relação do Ministério com Harry completamente, mas não para reparar erros do passado, e sim para levantar a moral da comunidade bruxa. Harry, agora chamado de O Eleito, foi convidado para dar um suporte público para o ministério. Sua imagem, colocada ao lado do ministro , serviria para que o público acreditasse que seus representantes estariam tomando atitudes importantes e sérias contra Voldemort. Mas, Harry continua a manter seus princípios e a ser como ele mesmo declara por inteiro um homem de Dumbledore.
Muito se fala sobre o heroísmo de Severo Snape dentro da série, mas pouco destaque é dado para personagens que tomaram atitudes decisivas na vitória, coincidentemente os dois exemplos que trago também pertenceram à Sonserina em Hogwarts. Régulo Arturo Black (R.A.B) foi o irmão mais novo de Sirius, padrinho de Harry. Na família, Régulo era sempre usado como exemplo a ser seguido, enquanto Sirius ia contra os ideais conservadores que pregava a família Black, que eram os mesmos de Voldemort, em sua teoria de “Sangue Puro”. Por esse motivo, tornou-se um Comensal da Morte, mas se assustou com as coisas que era mandado fazer, se arrependeu e acabou sendo morto. Régulo, vendo que não havia mais como escapar, roubou uma das Horcruxes criadas por Voldemort, e colocou uma falsa no lugar, entregando a verdadeira para o elfo doméstico da família, Monstro, que posteriormente deveria destruí-lo. As ações de Régulo podem parecer ter sido em vão, mas o que realmente importa aqui é a representação do que ele fez. Nunca é tarde para assumir um posicionamento e qualquer indivíduo pode sim fazer a diferença dentro de um sistema que aparentemente está fadado à barbárie. Sobre Narcisa, foi o amor de mãe que salvou Harry quando era um bebê e foi, novamente, o amor de mãe que o salvou quando se entregou à Voldemort dezessete anos depois. Se Narcisa não tivesse pensado primeiramente na segurança de seu filho, Draco, ela não teria mentido sobre o estado de Harry e não seria possível derrotá-lo de uma vez por todas. É um gesto pequeno, mas de risco altíssimo, que ela optou por correr para proteger sua prole. Mais uma vez, Narcisa, sozinha, fez uma diferença gigante, em meio a um verdadeiro exército mais do que pronto para lhe abater se ela fosse descoberta traindo a causa. Eu poderia falar sobre Neville Longbottom, humilhado durante toda a série, mas que foi amadurecendo de maneira maravilhosa ao longo dos anos. Ninguém define o conceito de você pode fazer a diferença mais do que Neville ou o próprio Snape. Mas, escolhi Régulo e Narcisa pelo pouco destaque que geralmente é dado a eles mesmo. Deixo Neville para outro ponto ou outro texto, ele merece.
Tanto a Ordem quanto a Armada criaram uma série de medidas preventivas para não serem descobertos, códigos, senhas, passagens secretas, perguntas que só a pessoa poderia responder, todas são dicas importantes quando se está tentando sobreviver clandestinamente. Confiar uns nos outros também é essencial, não permita que ao seu lado estejam pessoas com as quais você não sabe muito ou não tem muita intimidade.
Até Duda Dursley entendeu a gravidade da situação quando foi necessário. No sétimo livro, quando os Dursley precisaram viajar para serem protegidos pela Ordem da Fênix, Duda ficou incomodado com o fato de que Harry não iria com eles, algo que surpreendeu a todos, inclusive o próprio Harry. Ele se mostrou agradecido pelo primo ter salvo sua vida anos atrás e despediu-se do outro de igual para igual. Harry fez o mesmo. Quando o perigo é real é necessário deixar diferenças de lado e enxergar o que nós temos em comum, mesmo que sejam pessoas com quem você sempre teve inimizades. Quanto mais dividimos ficamos, mais forte o adversário se torna.
Diante de todos os exemplos podemos retomar para a questão macro da franquia. Não importa se você é o garoto que sobreviveu ou um mero elfo doméstico decidido a proteger seus amigos, todos tem o dever de se posicionar contra o fascismo quando ele dá as caras, seja na forma do supremacista bruxo Grindelwald ou do lorde das trevas, Voldemort. Mesmo que seja em menor proporção, como os irmãos Carol dentro de Hogwarts, mas ser passivo nessa situação nunca é uma opção, seja você da casa que for, o amor, à liberdade, à vida das pessoas, à igualdade de direitos, precisa ser maior que o fascismo. O verdadeiro encanto em Harry Potter, e de muitas outras obras da ficção, é justamente poder aprender todas essas lições sem precisar passar por isso. Não pague pra ver, outros poderão pagar o preço, sim, mas nada garante que em breve você mesmo não seja cobrado.
Roteirista e podcaster bacharel em Cinema e Audiovisual. Ex-potterhead. Escuta música triste pra ficar feliz e se empolga quando fala de The Last of Us ou Adventure Time. É viciado em convencer as pessoas a assistirem One Piece, apreciador dos bons clássicos da Sessão da Tarde e do Cinema em Casa e, acima de tudo, um Goonie genuíno.