Desde muito cedo, quis ser médica. As pessoas sempre perguntavam o porquê, e eu nunca sabia responder. Só queria e pronto. Mais tarde, no ensino médio, comecei a questionar essa vontade e me convenci de que não havia razões concretas para tal. Me dissuadi a fazer outra coisa da vida. Nessa época, já estava apaixonada por séries policiais e por
Dr. House (House M.D., 2004-2012). Mas nunca gostei de
Grey’s Anatomy (2005-). Isso ficou rodando meus pensamentos: por que eu gostava tanto de uma série médica, mas não gostava da outra? Depois de muito pensar – e assistir!-, descobri: Grey’s Anatomy focava muito mais nas relações pessoais dos personagens do que na medicina em si – o hospital era só o ambiente da trama. Enquanto isso, House tinha o mistério interminável de tentar descobrir o diagnóstico, tinha o sarcasmo e a genialidade do personagem e tinha, mais do que suas relações num ambiente de hospital, médicos, que obviamente têm suas vidas pessoais, mas estão ali primeiro no papel de médicos.
Hoje, já descobri a dura verdade de que aquele mundo utópico de House não existe nem nos Estados Unidos, quanto mais no Brasil. Já descobri que não é tão lindo e heroico, como parece ali, praticar a medicina, que não são os próprios médicos que fazem os exames, que eles não viram a noite e deixam de viver para estar ali tentando descobrir o diagnóstico e que, na grande maioria das vezes, não existe tanto mistério durante todo esse processo.
Voltando ao assunto das séries, consegui encontrar a razão de House e séries policiais serem meu tipo de série favorita: todas elas envolvem mistério. A medicina é tão rica em observação e dedução quanto uma investigação policial. Definitivamente não tenho tamanho nem capacidade para manusear uma arma nem tenho paixão por adrenalina, então nunca cogitei ser detetive. Mas descobri outra forma de fazer a mesma coisa: sendo médica.
O livro Todo Paciente Tem Uma História Para Contar: Mistérios médicos e a arte do diagnóstico – coincidentemente escrito por Lisa Sanders, uma das consultoras de House – traz a perfeita exemplificação disso. Ela, como médica, relata várias vivências a respeito da arte de diagnosticar e da profissão e faz alusão a detalhes sobre os quais eu mesma nunca havia parado para pensar, mas que, inconscientemente, consistem nos motivos pelos quais escolhi fazer medicina.
“Eu estava no terceiro ou quarto ano da faculdade de medicina quando comecei de súbito a ver pessoas com anormalidades por toda parte. Era como de repente se eu houvesse sido transportada para um mundo repleto de pessoas doentes, feridas, aberrantes. Claro que elas sempre tinham estado por aí – mas por que eu não as via? O conhecimento sem dúvida tem seu papel nessa questão. […] Mas não é só isso. Somos treinados, desde muito cedo, a desviar os olhos das anomalias. As crianças ficam fascinadas com pessoas cuja aparência difere daquela que aprenderam a esperar. E nós as ensinamos a ignorar esse interesse. Minha filha Tarpley perguntou uma vez a uma caixa de supermercado se ela era homem ou mulher. Meu marido ficou vermelho de vergonha pelo desconforto que isso causou àquela mulher humilde, com pelos no rosto. […] A faculdade de medicina nos força a desfazer esse condicionamento. Não devemos desviar os olhos das anormalidades. Precisamos procurá-las. Precisamos desvendá-las. E esse modo de agir não desaparece no momento em que deixamos o consultório. Eu muitas vezes mostro (discretamente, espero) a meu marido patologias que vejo na rua – o modo de andar característico de uma pessoa com uma prótese acima do joelho, o estranho tom acinzentado na pele de um homem com uma síndrome de sobrecarga de ferro chamada hemocromatose, a inquietude nos lábios e boca de uma mulher esquizofrênica – efeito colateral de longo prazo de muitos antipsicóticos. Eu vivo agora num mundo cheio de anomalias. É fascinante.”
Então, finalmente descobri o porquê! A medicina toda requer as mesmas habilidades que um detetive precisa ter; algumas especialidades focam mais na história do que aconteceu, nos suspeitos e nos motivos do crime, como a Clínica Médica; outras focam mais nas evidências do crime, que desmentem qualquer história inventada, como a Dermatologia e a Cirurgia. E essa possibilidade ampla de poder atuar em quaisquer pontos da investigação que mais me agradem torna a profissão ainda mais deliciosa!
Futura doutora CSI, Larissa ainda é estudante de medicina, mas já é profissional em viajar e devorar livros de suspense. Ama séries de investigação, adora escrever e é viciada em La Casa de las Flores. As suspeitas de que seria secretamente uma serial killer não foram confirmadas até o momento.