Lisa (Regina Hall) é a gerente do Double Whammies, um daqueles bares não tão raros em cidades do sul dos EUA, claramente focados em um público masculino, exibindo garçonetes com roupas minúsculas e transmitindo jogos de futebol americano ou lutas de MMA, mas que, ainda assim, se colocam como ambientes familiares. Support the Girls (2018), novo filme de Andrew Bujalski, acompanha Lisa em uma quebra de sua rotina comum durante um dia inteiro gerenciando o estabelecimento, passando por vários perrengues diferentes, entre organizar uma campanha de arrecadação para ajudar uma das empregadas, resolver uma tentativa de invasão e aguentar as injúrias do dono do lugar, o maior pé no saco da história.
Este enredo tinha tudo para parecer mais uma comédia comum se não soubéssemos quem é e que tipo de filme faz seu diretor. Bujalski é conhecido por ser um dos “pais fundadores” do movimento indie americano típico dos anos 2000 que ficou conhecido como Mumblecore, onde cineastas realizam filmes geralmente com câmeras digitais e pouquíssimos recursos quase sempre sobre jovens entrando na vida adulta. No entanto, apesar de ficar clara uma influência neste subgênero que ajudou a estabelecer, seu novo filme sai um pouco deste formato e se arrisca tanto em sua temática quanto em sua estética, mais formal e tecnicamente mais bem estabelecido (algo que o gênero vem adotando recentemente, vide Lady Bird), ainda que mantenha o tom ágil com que as personagens se relacionam, tanto nos diálogos quanto em ações, que criam uma narrativa às vezes difícil de acompanhar se não houver uma atenção maior à aparente trivialidade do que está contanto, características do mumblecore.
Aqui somos praticamente jogados de cara na rotina diária de Lisa e do estabelecimento que gerencia, quase como se fôssemos uma das meninas que estão se candidatando a uma das vagas de garçonete. Somos levados (quase obrigados) a acompanhar atentamente, por alguns minutos, os diálogos entre Lisa e suas empregadas para que somente aos poucos consigamos entender que acontecimentos anteriores as estão levando a agir como estão agindo ao mesmo tempo que, de uma forma incrivelmente fluida e nada didática, nos são estabelecidas as relações entre a gerente e suas meninas, especialmente a sempre animada Maci (Haley Lu Richardson) e Danyelle (Shayna McHayle), super responsável e mãe do jovem McKray (Jermichael Grey).
Esta relação, que logo percebemos ser o real objetivo do filme, vai muito além de patrão e funcionários, mesmo que tenha sim um pouco disso, mas se mostra como uma cumplicidade, uma incrível correlação de proteção entre elas, onde percebemos que todas estão dispostas a se ajudar em qualquer situação que possa surgir. E isto nos é apresentado em ações e diálogos durante todo o filme de forma clara, mas bem fora do convencional. Não se trata de uma amizade romântica de filmes de adolescente (sem desmerecer este tipo que também adoro), mas uma amizade quase necessária para sobreviverem naquele ambiente hostil, especialmente para elas como mulheres, com brutamontes se aproveitando e as ofendendo a todo momento, no caso das garçonetes, ou com Lisa como gerente que, mesmo sendo de uma paciência ímpar e um profissionalismo quase surreal para lidar com os afazeres do estabelecimento, além de seus problemas pessoais, é a todo momento distratada pelo dono do local, o detestável Cubby (James Le Gros).
É inevitável dizer que boa parte do espírito do filme está na interpretação de Regina Hall como Lisa, que consegue passar toda a serenidade que a personagem precisa demonstrar com sua “família”, enquanto por outro lado guarda todo um desgaste das responsabilidades que sua função e sua vida pessoal lhes traz. Nunca sabemos ao certo se Lisa realmente gosta de trabalhar ali ou se só o faz por sentir que tem o dever de cuidar daquelas moças, o que não faz com que demonstre toda sua autoridade com as mesmas quando necessário.
Support the Girls é, como o próprio título já indica (algo como “apoie as garotas”), claramente sobre este forte laço entre Lisa e as meninas. Quase uma aliança, um contrato de amizade inquebrável, deixado bastante óbvio no excelente último terço do filme, assim como em sua bonita conclusão.
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.