Se o clichê sempre está presente, o que faz valer a pena? Volta e meia, seja com a animação, terror, suspense, ao chegarmos no final da obra, surge a sensação de estarmos vendo mais uma vez a premissa de outra, e se o espectador consome mais de um gênero, a percepção da mesmice é ainda mais fácil de ser notada: satura-se logo. Mas claro, apesar da reiteração, há uns que fazem melhor que o anterior. Tem mais carisma, mais núcleos interessantes. Aquele detalhe que salva, o fator diferencial. Talvez por esse último elemento, A Vastidão da Noite (The Vast of Night, 2019) tem gerado um efeito positivo: para onde ele vai e sobre o que é você já sabe, mas como foi conduzido, é a descoberta.
É 1958, apenas uma noite comum em Cayuga, Novo México. Um jogo de basquete reúne os moradores na quadra da escola, casais apaixonados acolá, os fiéis ouvintes do radialista Everett (Jake Horowitz), e Fay (Sierra McCormick) em mais outro turno como operadora switchboard (central telefônica). Até que ambos descobrem uma frequência um tanto incomum na rádio que poderá mudar drasticamente a história do local onde vivem.
Lançado em diversos festivais de cinema mundo afora no ano passado, The Vast of Night tem por trás de sua produção o estreante diretor Anderson Petterson, e também os desconhecidos Craig W. Sanger e James Montague como roteiristas. O que surpreende aqui é como a equipe soube muito bem a forma de inovar sobre um tema bastante revisitado na Sétima Arte, nesta mistura intrigante e ousada de suspense e ficção científica.
Para quem aprecia o gênero sci-fi, a produção dá um pontapé adentrando à sua premissa como se fosse um estranho e metafórico episódio televisivo da década dourada, e ainda melhor, detém uma atmosfera voltada aos antigos filmes de ficção científica, e principalmente, a um visual dos anos 50. De início, é notável como o longa dirigido por Petterson é peculiar em sua forma: acompanhamos a introdução dos protagonistas no decorrer de ininterruptos quinze minutos. A câmera minuciosa, enquadrando cômodos e corredores em que Fay e Everett passam, enquanto exalam a amizade que nutrem. Nisso, na façanha de encetar de maneira enfadonha e diálogos que se atropelam, poderia de certo afastar o interesse da audiência, mas de alguma forma, na química afoita, nas conversas sobre inovações tecnológicas nos próximos vinte anos, A Vastidão da Noite conseguia prender.
O que poderia se resumir em um exercício à fórmula de jovens amigos desvendando um mistério que ninguém dá a mínima, se configura em um filme que usa da figura de seus protagonistas para impulsionar o estilo ímpar para a narrativa: o apoio estritamente aos diálogos. De fato, Everett e Fay querem descobrir de onde vem a frequência estranha que ouviram, mas enquanto o cenário se passa na corrida espacial entre EUA e URSS, onde ocorreu o embate sobre a exploração de tecnologia espacial, a dupla de amigos também faziam uma corrida, incentivada pela busca e o furo imperdível de se conectar ao desconhecido.
Na trajetória, a direção demonstra sua ambiciosa execução. Um filtro chuviscado da fotografia, planos corriqueiros sem cortes trilham os cantos da cidade desavisada de um evento a romper. E pensar que diante do início abrupto não estaríamos fisgados com a narrativa engolindo naturalmente a atenção para os relatos transmitidos em diálogos cada vez mais longos, tensos pelas informações a medida que a câmera de Petterson não se preocupa em focar nos personagens, mas fazer do texto de W. Sanger e Montague a peça fundamental que tira a produção de um lugar comum, instigando acerca da “incógnita” que é centrada e nos deixando no terror da própria imaginação.
Atendendo ao baixo orçamento que se tem, A Vastidão da Noite se despe das expectativas de exemplos visuais para enriquecer sua premissa, enquanto prefere recorrer com exatidão a narrativa para compor os traços de veracidade, tornando assim, junto aos personagens, a experiência de investigar um misterioso som. Longe de querer impressionar, a direção empenha com simplicidade e carisma o estilo de contar uma história. Talvez, o que precisamos é uma pequena faísca para perseguir. No caso de Fay e Everett, o barulho estranho de uma frequência foi o suficiente para invadir a rotina do radialista e da telefonista, como um incentivo à própria corrida.
Ama ouvir músicas, e especialmente, não cansa de ouvir Unkle Bob. Por mais que critique, é sempre atraído por filmes de terror massacrados. Sua capacidade de assistir a tanto conteúdo aleatório surpreende a ele mesmo, e ainda que tenha a procrastinação sempre por perto, talvez escrevendo seja o seu momento que mais se arrisca.