Por Natanael Silva
Um dos tropos muito comum que existe no cinema Queer, principalmente quando se olha para os anos 90 e início dos anos 2000 e que se sustenta até hoje, é a mulher trans e/ou NB (Não Binarie) que se torna o arquétipo da mentora, da mãe, da figura de liderança e guia, porém contudo entretanto, esse arquétipo renega uma vida, um corpo, e Tigrezza (2025) traz algumas questões que eu acho que são muito bem-vindas a uma discussão já existente, mas que põe na imagem algo que muito me agrada!
Ainda se sustentando na ideia de chosen family, de uma figura de inspiração e guia, muito me agrada que Tigrezza é uma personagem e um ser antes de uma ideia e um mecanismo, existe uma questão que muito tange grupos menos reconhecidos na sigla. As questões de objetificação e invisibilização transpassam corpos divergentes e principalmente racializados. A busca por afetos e conexões românticas transpassam todas as vidas Queer, mas de forma muito mais complexa pessoas trans. A questão de se sentir amada para além das relações fraternais é um fator que traz questões sobre pertencimento e autenticidade. É muito fácil dizer para alguém ser autêntico, é muito simples olhar de fora e falar “aceite suas verdades”, mas é algo que constantemente é desafiado. Seja por uma questão pessoal, uma questão externa e principalmente do ambiente em que se vive e cresce.
Acho muito bonita a relação da Tigrezza de Paulilo com Darnley de Vittor Adel. As questões de identidade e autenticidade que percorre a relação de amizade que aos poucos se aproxima de uma questão mais romântica e não o romantismo idealizado, o romantismo de reconhecer no outro as características que compõe o belo de cada um. Para além das questões que não tangem o indivíduo de forma prática, o corpo é admirado, a performance do indivíduo perante o todo – aqui existe essa relação de performance na vida e nos palcos – e acho muito incrível como o filme se apropria de uma estética mais burlesca quando precisa retratar a noite. Os espaços são iluminados de forma artificial, o barzinho é um espaço que toda pessoa LGBT já pisou uma vez na vida, e as performances que gritam por autenticidade e também uma auto-afirmação da vida.
Aqui ressalto o trabalho da montagem que co-relaciona performances no palco com um momento mais intimista, a dança de uma apresentação prévia que se revela um momento de intimidade mais forte. O corpo e a identidade renegada encontra seu valor e seu afeto no outro que estava do seu lado, mas foi preciso uma reconexão com o seu eu próprio, ou o super eu, para que isso ficasse mais evidente. Acho muito linda a cena em que o pai está vendo uma notícia sobre o Brasil ser um dos países que mais mata LGBT e reconhece no filho a orientação sexual que ele tanto escondia nos gestos e falta palavras, mas ao invés do clichê trágico, temos a reafirmação de si mesmo. É mais fácil encarar os males do mundo quando sua base moral e de valores (a família) te fortalece. Entre as performances da noite, a performance da vida e a busca por afetos, Tigrezza me causou um misto de sentimentos, eu ri, eu me emocionei, eu me senti parte da vida dela e quanto mais ela falava Darling, mais eu me sentia querido.
Este texto faz parte da cobertura do 19º For Rainbow – Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual e de Gênero, realizada pelo Só Mais Uma Coisa.
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