Explode São Paulo, Gil! – O auge de um artista vem da contemplação de si mesmo!

Por Natanael Silva

Quando um filme tende a acompanhar uma visão, uma perspectiva e um espectro social, é muito importante que o ponto de vista da protagonista se destaque perante uma lente em que o único foco é essa personagem em específico. Os melhores registros íntimos conseguem superar uma limitação técnica por meio de uma presença tão colossal e até mesmo mística. Gil é esse tipo de personagem que não temos uma dimensão geral do mundo, mas a sua persona é tão hipnotizante, sua presença é tão mística, que ao mesmo tempo em que somente sua presença basta por pouco mais de 1h30… o fato da direção não conseguir acompanhar sua história é uma pena e nunca conseguimos contemplar na totalidade sua jornada.

Em Explode São Paulo, Gil! (2025) muito me agrada a estrutura documental com passagens noticiadas, toda a ideia de São Paulo como terra da oportunidade é o básico, quando se fala de grandes metrópoles e, principalmente, polos, sejam culturais e/ou econômicos. A ideia de que alguém muda pra São Paulo com o objetivo de ascensão social, econômica e melhora de vida não é novidade no audiovisual. Mas é justamente hiperfocar na ideia de Gil como essa personagem tão viva, tão espontânea e que tem um objetivo mais idealista que é o grande destaque.

Pintar a capital do sudeste como esse polo de oportunidades, pintar uma ideia de que “o trabalho comum é a opção para quem não ‘conseguiu nada’…” vive atrelado no imaginário coletivo de uma sociedade pautada na ideia de classes sociais. Tudo o capitalismo absorve, você nasce, cresce, faz escola e a depender da sua escolha pro futuro você é um alguém. A ideia do estudante que terminou o ensino médio e precisa trabalhar é visto como alguém que não conquistou nada, daí temos a cultura da sub-valorização do trabalho comum.

Gil é uma entidade perdida nesse conceito, que a todo momento desafia o senso comum do sucesso. O sucesso pra Gil não é porta de acesso para riqueza e bens materiais, a mesma abomina esses conceitos, ela só quer ser artista, só quer cantar. Superar suas questões mínimas através da música, coisa que o filme no começo é muito hábil em demonstrar, nas passagens de karaokê, “videoke” e os poemas que ela escreve nas horas vagas. É uma personagem que vive em uma das maiores metrópoles da América Latina, a provocação inicial com “Explode São Paulo, Gil” ou o que isso significa pra diferentes pessoas também atravessam a personagem. Para alguns é algo literal, para outros é a fuga do verdadeiro lugar que deveria ser “explodido”, mas para Gil é uma explosão conceitual. Explodir é se expressar, a cena em que mostra a personagem segurando uma caixa de som enquanto apenas sente, a icônica audição de Susan Boyle no The X Factor, é a materialização do sonho de reconhecimento pelo talento, a priori parece que é um paralelo para com a personagem principal, mas enquanto aquela persona do reality queria ser como alguém igualmente famoso, Gil quer ser Gil. É menos o paralelo e mais uma síntese. Gil não se conecta com a pessoa, mas com o momento, o sentimento de reconhecimento da arte, do talento.

Acredito que a grande força estava justamente nesse começo tão inspirado, que aos poucos vai se perdendo quando a limitação técnica não consegue ir além. Gil é uma personagem boa demais, sua presença é incrível, suas virtudes são um idealismo irreal, mas palpável. A partir do momento que ela é descoberta e pode fazer música a seu bel prazer e ainda ser financiada para isso a direção parece se fundir às dúvidas internas dessa protagonista. É muito bom ver Gil em um karaokê, a câmera estática captando a vida do momento, seus olhos e sua expressão de satisfação em estar naquele palco minúsculo, mas viva. O bar onde as pessoas fazem couro é a mesma situação, é vivo pelo que se capta e não como capta. Quando Gil alcança o status de estrela, a mesma se vê em uma corda bamba de sentimentos, precisar decidir se o sonho ainda se sustenta quando ele está tão próximo, saber se agora que existe demanda isso não se perde com o reconhecimento e até que ponto é uma jornada sem fim quando o objetivo principal foi alcançado.

Admito que em determinado momento a história de Gil pareceu ter se concluído antes da conclusão de fato e o terceiro ato, onde o filme cria esses paralelos da classe artística sendo caçada por um governo que menospreza essa classe, a ideia de explosão sendo levado a literalidade por um governo que não fomenta a classe artística e isso vindo de um polo cultural tão influente em termos nacionais. A protagonista parece ter encontrado o limite da própria ambição artística, ela já fez shows, vendeu bastante, encontrou satisfação e dúvidas e agora se retira. O final onde a mesma sinaliza que não desistiu da arte, mas sim dos palcos é o movimento que tenciona a totalidade dessa protagonista tão grande quanto presente. Apesar de uma direção que não explora a totalidade de sua protagonista Explode São Paulo, Gil! se sustenta na presença forte de sua protagonista, é uma presença tão avassaladora que por metade da duração você até ignora a direção fraca, mas quando chega na metade não é apenas Gil quem vai segurar essa história. É de fato uma explosão, uma explosão que vai além da literalidade, explosão de sentidos, de sentimentos e de presença, apesar dos pesares.


Este texto faz parte da cobertura do 19º For Rainbow – Festival de Cinema e Cultura da Diversidade Sexual e de Gênero, realizada pelo Só Mais Uma Coisa.


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