Em 2015 pude ter o prazer de experimentar a pré-estreia nacional do filme Creed: Nascido para Lutar (Creed, 2015) em São Paulo durante a primeira Comic Con Experience, spin off da franquia Rocky. Esse não foi o longa de estreia de Ryan Coogler, mas seu segundo filme, o primeiro tendo sido Fruitvale Station: A Última Parada (Fruitvale Station, 2013). O próximo filme do diretor foi Pantera Negra (Black Panther, 2018) e seguido de Pantera Negra: Wakanda para Sempre (Black Panther: Wakanda Forever, 2022), os filmes em si abordam diferentes gêneros cinematográficos, talvez exceto os dois filmes da Marvel dirigidos por ele (ainda trazendo abordagens diferentes dentro de um mesmo universo). Três anos após seu último longa-metragem, Coogler teve em 2025 o lançamento de seu primeiro filme de terror: Pecadores (Sinners, 2025).
Primeiramente, falando sobre dois importantes fatores comuns entre todas as obras do diretor, antes de mergulharmos no mundo dos vampiros de Coogler: protagonismo negro e Michael B. Jordan. Seus filmes trazem não apenas elencos majoritariamente negros como também protagonistas negros, diferentes origens, diferentes gêneros cinematográficos e a capacidade de explorar de forma vasta os talentos de atores e atrizes negros estadunidenses. Importante ressaltar como, historicamente, pessoas negras no cinema mainstream eram atreladas a personagens coadjuvantes e não tão frequentemente protagonistas de histórias. Coogler não é o primeiro diretor a fazer isso, e a lógica de pioneirismo é algo extremamente colonial e contribui para demasiados apagamentos históricos. Além de diferentes abordagens em suas direções, Coogler teve em seus cinco filmes a presença do ator Michael B. Jordan, que no filme Pecadores interpreta os gêmeos Fuligem e Fumaça. Cada um com não apenas personalidades diferentes, mas também relações, trejeitos, temperamentos e arcos dentro das obras.
Aprofundando no elenco e também nas relações dos gêmeos temos a presença de uma Scream Queen moderna, Winmi Mosaku – protagonista de O Que Ficou Para Trás (His House, 2020) e também do seriado Lovecraft Country (2020) antes de seu trabalho em Pecadores. É bastante satisfatório vê-la como uma personagem extremamente autônoma e forte dentro desta narrativa, sem contar a importância dos conhecimentos da mesma sobre o sobrenatural. Capaz de capturar com maestria a essência do drama, do horror e da comédia, o filme se destaca pelo roteiro extremamente bem equilibrado em seus diálogos e narrativa, assinado por Ryan Coogler. Para além de sua atuação, a química entre a mesma e seu marido dentro da narrativa – o gêmeo Fumaça – é de uma excelência visual muito bem vinda. Especialmente levando em consideração o quão o audiovisual ainda não abraça a sensualidade aliada à força de personagens negras com mais de 30 anos.
A existência de um filme musical de 2025 sobre vampiros, se passando na década de 20 e elenco negro era realmente o que o mundo precisava. Sua criatividade, nuances e a valorização da história do povo negro nos Estados Unidos com um esplendor raramente visto em obras audiovisuais dos EUA. Os números musicais, além de extremamente satisfatórios, trabalham muito bem o avanço narrativo e exploram os personagens dentro da obra. Afinal, estamos falando de um elenco grande para o filme e a forma como o mesmo desenvolve bem seus personagens em vez de abraçar a lógica de “pessoas têm de sobreviver à vampiros” o filme desenvolve e apresenta seus personagens. A história anda muito bem sem sequer menção aos vampiros, pois embora existam vampiros na narrativa, há muito mais para esses personagens, há também outras ameaças para pessoas negras nos EUA em 1920.
Há muita criatividade na forma como os números musicais ao longo da obra são gravados, montados, executados e coreografados. O material final dá realmente uma experiência musical muito única e uma cena particular, abordando a forma como a música conecta passado e futuro, é de tirar o fôlego. A própria introdução do filme aborda a importância da música como um sentido espiritual em diversas culturas, trazendo menção a como na África pessoas que utilizam da música para conectar passado, presente e futuro eram chamadas de griôs. Isso nos leva a um importante personagem para toda a história do filme, nosso Pastorzinho, primo dos gêmeos Fuligem e Fumaça, Sammy (Miles Caton). O jovem brilha muito dentro da história, com um longo alcance dentro de suas cenas e performances.
Não apenas no sentido narrativo, o filme toca diversas vezes no assunto sobre como pessoas brancas amam a música negra mas não as pessoas negras. Isso até hoje é uma frequente realidade quando se tratando de artistas e gêneros musicais, assim como diversas expressões artísticas originadas não apenas da cultura negra, mas de outras culturas não brancas que, quando são apropriadas por pessoas brancas ganham maior valorização. É importante como cenas como essa, numa obra se passando na década de vinte no Mississippi pode ser tão real um século depois ao redor do mundo. O filme conta com outros nomes extremamente importantes em seu elenco, para nossa história, capazes de dar diferentes cenas divertidas, assustadoras, sensuais, musicais, como Jayme Lawson, Omar Miller, Delroy Lindo, Li Jun Li e Yao. Nomes extremamente importantes para a construção da comunidade, foco do filme e grandes talentos.
Honestamente o antagonismo do filme reside em duas figuras diferentes ao meu ver. Em primeiro o personagem Remmick, de Jack O’Connell, responsável pelo terror sobrenatural e todo o caos levando a desgraça de várias pessoas. Esse antagonismo não é uma nuance, é algo bem direto, mesmo que a construção de Remmick seja extremamente única para um filme de vampiros, com um antagonista irlandês vítima também da história. O’Connel trabalha as nuances de seu personagem de forma aterrorizantemente cômica. O outro lado do antagonismo, abordando também o título Pecadores, vem de Jedidiah Moore (Saul Williams) um pastor, pai de Sammy – por isso seu apelido de pastorzinho. Em sua lógica religiosa, onde pessoas que não buscam a “palavra do Senhor” são abraçadas e buscadas pelo demônio. Na própria cena de abertura do filme, a forma como a sua suposta religiosidade é mostrada como uma frieza para com alguém obviamente ferido, traumatizado, marcado e ensanguentado.
Pecadores entrou em cartaz em Abril, tive o prazer de assisti-lo em Fortaleza, nas salas do Cinema Benfica. É uma recomendação de filme capaz de misturar diversos elementos, diversas histórias e abordar um universo novo mas bem estruturado. Com cenas sensuais, números musicais fantasticamente elaborados e atuações exuberantes, o filme realmente é uma ótima obra original de ficção especulativa para os cinemas.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.