Um homem comum suburbano quer apenas se dedicar a seu trabalho e a sua família, mas o destino o força a usar suas habilidades ocultas de militar veterano para proteger aqueles que ama. Essa pode ser a sinopse resumida de uma lista enorme de filmes de ação dos últimos anos (talvez décadas), e, de fato, se uma fórmula se repete tantas vezes é sinal de que ela vem dando certo, ao menos no sentido comercial da coisa, já que existe todo um nicho que não cansa de consumir esse mesmo formato de narrativa que envolve o “homem comum” tendo que sair de sua rotina para resolver problemas com as próprias mãos. E aí pode ser uma vingança, um acerto de contas do passado que volta para assombrar o protagonista, uma ameaça à sua família ou um resgate. Este subgênero – que eu gosto de chamar de “filme de pai” – talvez atinja um lugar de desejo que pessoas reais comuns têm de que se tivéssemos as habilidades necessárias também poderíamos resolver vários de nossos problemas, mas já que não os possuímos assumimos o papel de voyeur e assistimos empolgados àquele personagem realizando este nosso desejo obscuro.
Em Resgate Implacável (A Working Man, 2025), Jason Statham mais uma vez interpreta o personagem com as características que mencionei acima. Neste caso, é Levon Cade, ex-militar britânico que tenta levar uma vida comum nos Estados Unidos como mestre de obras em uma empreiteira de uma família que o acolheu após o suicídio de sua esposa. Até que a filha adolescente desta família é sequestrada misteriosamente e Cade se vê obrigado a seguir o rastro dos sequestradores, que o leva até os negócios obscuros da máfia russa. Em meio a isto tudo ainda precisa lidar com o avô de sua filha pequena que quer impedi-lo de ver a menina alegando que é um pai violento que pode colocá-la em perigo.
Este é o segundo filme de uma parceria entre Statham e o diretor David Ayer, que se iniciou ano passado com o maravilhoso Beekeeper – Rede de Vingança (The Beekeeper, 2024), que segue uma premissa levemente parecida. Porém, desta vez o roteiro, assinado por Ayer e ninguém menos que Sylvester Stallone, adaptando o romance de Chuck Dixon (mais conhecido por escrever quadrinhos de super-heróis da DC Comics), segue mais uma linha “John Wick”, quando introduz a máfia russa encarnando os vilões mais estereotipados possíveis, mas sem a interessante mitologia da franquia de Keanu Reeves. Não há muito tempo aqui para aprofundamento do personagem, ainda que oportunidades não faltem, pois há a introdução de personagens que poderiam inserir camadas à sua história, como seu colega militar com baixa visão Gunny Lefferty (um David Harbour completamente desperdiçado) ou seu ex-sogro, que vê nele o motivo do suicídio da filha.
Mas o roteiro parece escolher focar na motivação do anti-herói: o resgate da adolescente por quem sabemos ter um certo laço afetivo mínimo. Porém, esta nunca se mostra uma motivação convincente, não por não ser algo relevante para o personagem, mas por isto não ser demonstrado de forma mais objetiva. Sabemos que Cade deseja salvar a menina das garras dos mafiosos e traficantes de mulheres, mas não há algo que toque nossos sentimentos para que torçamos que aquilo dê certo a não ser nossa natural propensão a torcer pelo “bem”. Statham é meu ator de ação favorito desta geração, gosto de sua feição implacável aliada à seu porte de cavalheiro britânico, mas neste filme o roteiro não o ajuda a trabalhar melhor o personagem e explorar um pouco mais suas habilidades como ator dramático (um lado dele que eu defendo arduamente).
Ainda que o roteiro não seja lá essas coisas (e olha que eu nem estava esperando tanto), ao menos a direção de Ayer e as sequências de ação se mostram bastante satisfatórias, mesmo com uma trilha musical que me pareceu completamente deslocada. A porradaria é boa e deve agradar os menos exigentes em relação ao enredo, e o filme acaba sendo um bom entretenimento de domingo, mas espero que os roteiristas de filmes de ação entendam que a máfia tradicional caricatural que antagonizava os heróis de antigamente, agora fora substituídas por conglomerados industriais e CEO’s que dão golpe em pessoas humildes. Alô David Ayer, queremos continuar vendo Jason Statham esmurrando porcos capitalistas.
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Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.