Não.
Anora (2024) é um filme difícil de definir como comédia romântica ou até um drama com pontos de comédia. Ani (Mikey Madison), nome que a protagonista prefere ser chamada, é uma stripper numa casa noturna do Brooklin e por entender russo muito bem, seu chefe costuma apresentá-la a esses clientes. Com um ar de que entende o mundo em que está inserida, ela demonstra saber lidar com todo esse universo sexual, controlado por homens, onde mulheres são apenas objetos de prazer.
Mesmo assim, ela ainda se permite sonhar em viver sua história à lá “Uma Linda Mulher” e se casar com um milionário como Richard Gere, que a ame e dê o mundo que ela merece e nesse momento ela conhece um herdeiro russo chamado Vanya – ou Ivan (Mark Eydelshteyn).
E quando esse mimadinho se apaixona por Anora, a contrata para ser sua namorada por uma semana e com um resultado que não poderia ser diferente, ele fica morto de amor por ela – e também querendo fugir de suas responsabilidades na Rússia e com seus pais, eles acabam por se casar no estilo Las Vegas.
A partir daí, Ani esperava ser cuidada e mimada como Julia Roberts, mas acaba descobrindo que os pais de seu marido estão a caminho de Nova York para anular esse casamento.
Cenas cômicas e sequências bem feitas
Não querendo aprofundar muito, para não dar spoilers, mas o trio responsável por Vanya, uma espécie de trapalhões mafiosos, tentando descobrir e como resolver essa história de casamento o quanto antes, junto a Anora, trazem cenas de um humor bobo e confuso que de alguma forma deu muito certo.
Um destaque a todo o primeiro contato dos três, com Ani tentando entender a confusão que seu marido se meteu e Ivan querendo, mais uma vez, fugir de todas suas responsabilidades. A química em cena de Mikey Madison e Yura Borisov funciona com uma dinâmica estranha. Ela sendo expansiva e intensa, enquanto ele é quieto e observador, além dos irmãos Toros (Karren Karagulian) e Garnik (Vache Tovmasyan), que preenchem aquele estereótipo de dupla composto pelo inteligente sério e que resolve tudo, e o cômico que geralmente se dá mal e faz tudo que o outro manda.
Eu, particularmente, não esperava as cenas de comédia e foi uma grata surpresa, já que com o tema, ela poderia ter tomado um rumo muito mais tenso e sinistro.
A sequência de caça ao herdeiro, com corridas, barracos, gritos e muito xingamentos é divertida e faz o filme de mais de duas horas correr mais rápido.
Melhor coadjuvante
Confessando ainda não ter visto os demais filmes que estão concorrendo ao Oscar por Melhor ator coadjuvante e podendo mudar de ideia logo após esse texto, destaco o trabalho de Yura Borisov, Igor carrega uma atuação, como dita antes, mais fechada e silenciosa. O interessante é observar onde seus olhos e mãos estão, já que por falas não será nada aprofundado.
Mesmo assim, tanto as cenas de “ação”, que exigem força bruta, ele lida tão bem quanto com as cenas cômicas – que continuo me repetindo, quando ele e Ani estão juntos, não se sabe exatamente para onde a história vai, mas acaba por ser divertido de ver.
De acordo com o seu currículo, ele costuma seguir o estereótipo de filme de ação com cara fechada e regado de cenas de explosão, mas assim como Jason Statham, que foi hilário em A Espiã que Sabia de Menos (Spy, 2015), Yura tem muito potencial em sua atuação, principalmente testando outros gêneros.
Se chama Anora, mas não é sobre ela
Se eu pudesse falar sobre do que se trata Anora, diria que é uma história sobre luta de classes. E que, quando não sabemos nosso lugar nessa pirâmide capitalista, nós nunca seremos Julia Roberts em Uma Linda Mulher, mas sempre a prostituta barata que é apenas uma diversão para homens mimados que são permitidos serem eternamente crianças.
Ani, tem toda a expertise e inteligência para conquistar o mundo, mas não consegue nem considerar outras formas de sucesso, e quando ela finalmente alcança o mundo que deseja, essa conquista é tão frágil quanto o sapato de cristal da Cinderela e ela pode perder tudo.
Dito isso, o papel da família de Vanya é central para isso. O erro e os pecados não são da família rica que torra montanhas de dinheiro sem qualquer noção e se surpreendem quando seu herdeiro é festeiro, irresponsável, cínico e sem nenhum senso crítico sobre as outras realidades.
Ani nunca seria convidada a conviver nesse conto de fadas, pois do lugar que ela vem – clube noturno -, não leva ao caminho do reinado, mas a prende na objetificação.
Mikey Madison é desperdiçada com uma personagem que não é aprofundada, ela encerra o filme com a mesma noção da realidade que tinha no início. O filme todo é uma corrida pelo inalcançável mundo do poder, onde Anoras não têm permissão de ter nada além de uma breve ilusão.
Sendo assim, sua personagem é muitas vezes reduzidas as suas cenas de sexo, dança, super focados em seus seios e bunda, com uma iluminação neon por cima.
Ela não tem uma relação profunda com nenhum personagem, nem consigo mesma, o que me faz questionar o motivo do filme ter seu nome, se ele claramente não é sobre Anora, mas sobre Ani. O corpo escultural e fetichista que está ali para servir a todos os homens do jeito que eles quiserem ou precisarem.
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Estudante de Letras, ainda fingindo ser escritor, mesmo nunca lançando nada. Um paulista perdido pelo nordeste e obcecado por bolinho de chuva. Apaixonado por Duro de matar e filmes de heróis, evito musicais e romances clichês.