Senna – A história de ídolo nacional em uma bela superprodução

O maior benefício da chamada “Era dos Streamings”, é como as produções se tornaram globais e o investimento local cresceu exponencialmente ao redor do mundo. A Netflix é uma das maiores referências neste quesito, investindo em mercados mundo afora e conseguindo retornos inesperados, como o sucesso gigantesco de Round 6 (Squid Game, 2021 -) na Coreia do Sul, por exemplo, série que inclusive teve sua segunda temporada lançada recentemente.

O legal da locadora vermelha e outros streamings como Max, Disney+ e Prime Video, é que o investimento em produções brasileiras aumentou de uma forma considerável, muito por conta da lei local, que exige que tenha certa quantidade de produções feitas aqui, indo também de encontro com esses gigantes querendo investir no público brasileiro e global.

É nesta toada que a superprodução Senna (2024) ganhou vida, com investimento pesado da Netflix se tornando a produção mais cara da história da TV brasileira, contando a história de um dos maiores ídolos e uma das figuras mais importantes da história do automobilismo mundial sendo considerado por muitos o maior piloto de todos os tempos na categoria da Fórmula 1, Ayrton Senna.

A minissérie criada por Vicente Amorim, tinha uma tarefa complicada de condensar 20 anos de carreira de Senna desde seu início no kart em 1973, até o fatídico dia de sua morte em 1994 com apenas seis episódios. Um desafio difícil que a série conseguiu superar com louvor na maior parte do tempo, ainda que possua ressalvas. 

A verdade é que a narrativa começa muito bem com o piloto “Vocação” (1×01), onde conseguimos sentir a atmosfera do que está sendo contado e o cuidado da produção em mostrar Ayrton (Gabriel Leone) na infância e nas categorias de base na Inglaterra antes de entrar para Fórmula 1. O legal é ver como o ritmo da série equilibra bem os momentos de drama e acelerada quando apresenta as sequências automobilísticas. 

O primeiro episódio é coeso, bem executado e termina com um gancho que só deixa o público mais curioso para ver os episódios seguintes. O fato é que Senna é uma minissérie difícil de parar de assistir, pois consegue pegar momentos chaves da carreira do piloto, aprofundar no seu lado mais humano e apresentar diversos personagens reais que fizeram parte de sua vida na trajetória, enriquecendo ainda mais a linguagem da série que é multicultural, falada em português e inglês, além de outros idiomas em paralelo.

É neste escopo que a série cresce de forma gradativa. O episódio “Determinação” (1×02) mostra a inteligência dos roteiristas em construir um arco de acontecimentos por episódio sem que isso soe apressado, neste caso vemos Senna mostrando ser arrojado na Toleman, sua primeira equipe na F1 e logo depois na Lotus, onde obteve sua primeira vitória.

A palavra que define Senna é emoção. Principalmente nos três primeiros episódios, as sequências dirigidas por Vicente Amorim e Julia Rezende são simplesmente eletrizantes, principalmente porque a edição funciona de forma a causar uma imersão em quem assiste, a ponto de vibrarmos com corridas que já aconteceram em sequências impactantes de tirar o fôlego.

O melhor da minissérie, é a riqueza de detalhes e o glamour envolvido na produção, enquanto a fotografia muda a cada nova fase de Ayrton, somos levados a diversos ambientes ao redor do mundo enfatizando o quão impecável foi direção de arte da série, bem como os efeitos visuais, misturados com efeitos práticos dando vida e recriando circuitos de corrida nas décadas de 70, 80 e 90 de forma primorosa, conseguindo realmente trazer todo o clima daquele período.

E isto acaba enriquecendo ainda mais a história de Ayrton Senna, que não só é retratado como um cara visceral nas pistas, mas como uma pessoa calma, metódica e boa nos bastidores. É desta forma que vemos seus romances e sua relação com a família, que serve para mostrar momentos mais íntimos que poucas pessoas conhecem. 

Enquanto a minissérie acerta muito em mostrar a rivalidade entre Senna e o francês Alain Prost (Matt Mella) dentro da equipe McLaren intensificada no excelente episódio “Ambição” (1×03), talvez o melhor da temporada, com Senna em Mônaco lidando com sua obstinação em vencer e vendo como a FIA beneficia outros pilotos em determinados casos, temos uma superficialidade muito grande na forma como a vida pessoal do piloto é retratada.

Os seus relacionamentos com a primeira esposa Lillian de Vasconcellos (Alice Wegmann) e posteriormente sua namorada mais famosa, Xuxa Meneghel (Pâmela Tomé), são até bem desenvolvidos, inclusive seu namoro com Xuxa é mostrado na íntegra no episódio “Paixão” (1×04), um dos poucos momentos em que vemos mais da família Senna também e como Ayrton se divertia fora das pistas. 

O problema é que o relacionamento com Adriane Galisteu (Julia Foti) foi ceifado da trama virando uma nota de rodapé dentro da narrativa, por pura polêmica com a família do piloto (tentaram vetar a presença dela na série, mas a Netflix insistiu em colocar), gerando uma repercussão negativa até para série, que tem muito mais para mostrar, do que ser definido pela polêmica de relacionamentos de Ayrton.

Infelizmente, isto acaba abrindo brecha para mostrar a fragilidade do roteiro, que é consistente nos quatro primeiros episódios, mas acaba pulando eventos, por falta de tempo, deixando de aprofundar em anos decisivos dos pilotos após ganhar o terceiro campeonato mundial em 1991, pulando direto para 1993 e depois para 1994 para fechar a biografia, mas ignorando o crescimento e amadurecimento que lhe moldou como referência na categoria, bem como o já citado relacionamento que estava acontecendo até o dia trágico no circuito de San Marino em Ímola. 

Ao menos, Senna é uma série que não esquece de mostrar o quanto o piloto era amado pelo público brasileiro e como sua trajetória vencedora lhe conferiu o título de ídolo nacional. O episódio “Herói” (1×05) é belíssimo, daqueles que emocionam e consolida Gabriel Leone como a escolha perfeita para o papel, não só pela semelhança física e captura dos trejeitos, mas pela forma como ator é comprometido na atuação, destaque para cena em que Senna entrega o capacete para um fã que lhe enviou uma carta, é um simbolismo muito grande de amor entre ídolo e seu público.

E vale elogiar como a direção de elenco desta minissérie é impecável, não só por conseguir trazer uma versão assombrosa de Xuxa Meneghel para tela através da ótima Pâmela Tomé, mas por trazer versões satisfatória de figuras conhecidas da mídia e do automobilismo, como: Niki Lauda (Johannes Heinrichs), Ron Dennis (Patrick Kennedy), Nelson Piquet (Hugo Bonemer), Viviane Senna (Camila Márdila), Frank Williams (Steven Mackintosh), Rubens Barrichello (João Maestri) e Galvão Bueno, amigo pessoal de Senna, interpretado pelo ator Gabriel Louchard, revivendo momentos maravilhosos inclusive arrepiando quando cita falas como a icônica “Ayrton Senna do Brasil”.

Por outro lado, o ponto fraco da série vai para personagem da atriz Kaya Scodelario no papel de Laura Harrison, personagem fictícia que serve para representar os olhos da mídia em relação ao comportamento de Ayrton Senna. A jornalista parece muito descolada da estrutura da série, aparecendo em momentos convenientes e que não encaixam na maioria das vezes, parecendo uma assombração em cena, ao invés de uma personagem crível.

Felizmente, este ponto fraco e as ressalvas citadas anteriormente, não apagam o brilho da obra, que tem muito mais pontos positivos para serem mencionados. Inclusive, todas as sequências de corridas são bem filmadas e conduzidas, trazendo uma adrenalina espetacular carregado por uma trilha sonora incrível, com destaque para primeira vitória de Ayrton no Brasil, umas das coisas mais lindas que vi na TV ano passado, sem falar que todas as sequências filmadas na chuva são de um apuro técnico monumental. 

No final das contas, se você é brasileiro fã de automobilismo, esta minissérie é uma carta de amor feita como muito esmero e carinho mostrando a trajetória de um dos pilotos mais bem sucedidos da história. Mesmo se você não for fã do esporte, mas é brasileiro e deve ter ouvido falar de Ayrton Senna em algum momento, vale a pena conferir. 

A superprodução é visceral, e por mais que tenha alguns pontos fracos, consegue ao menos capturar a maioria dos momentos chaves da trajetória do piloto de forma efetiva, sendo o ápice, o emocionante episódio “Tempo” (1×06) com Ayrton já pilotando na equipe Williams, que fecha Senna de uma forma tão sensível que é impossível não chorar, afinal Ayrton Senna não virou herói nacional à toa, e seu legado permanece até hoje influenciando gerações de novos pilotos e na memória afetiva de vários brasileiros sendo sinônimo de alegria, esperança e amor a nação. Simplesmente um belo legado.


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