Os balls, como são popularmente conhecidos, são espaços de convivência, existência e resistência da população LGBTQIA+. Embora tenham surgido nos Estados Unidos, essa cultura hoje já é difundida internacionalmente, inclusive no Brasil, onde ela se manifesta com nuances próprias e com inúmeras particularidades da nossa identidade nacional. É sobre isso que trata Salão de Baile (2024), escrito e dirigido pela dupla Vitã e Juru.
O documentário é um cartão de apresentação a quem não conhece esse universo riquíssimo. Em tom bastante didático, a produção apresenta a história da criação do primeiro ball nos Estados Unidos, e também a chegada dessa cultura em terras brasileiras. Com uma fotografia bem inspirada, e muito bom humor, somos conduzidos e convidados a conhecer os salões de baile cariocas.
O primeiro grande acerto da produção é apresentar os balls em toda sua riqueza, diversidade e beleza, mas sem romantizar uma realidade que pode, muitas vezes, ser bastante difícil. O filme consegue celebrar essas experiências, apresentando-as como de fato são; trazendo seus problemas, dificuldades e questões que ainda precisam ser superadas. Embora os balls sejam retratados com ambientes de conquistas e alegrias, também é perceptível como ainda existem preconceitos estruturais mesmo na comunidade LGBTQIA+. O documentário, ao invés de evitar essas contradições, mergulha nelas e constrói um discurso crítico muito necessário.
O segundo grande acerto é o foco nas personagens. É através dos olhares subjetivos que somos apresentados a esse universo multifacetado, e a história dos salões de baile brasileiros se mescla às histórias de tantas vidas. Dessa forma, percebemos os bailes não apenas como espaços físicos onde caminhos se cruzam, mas como uma cultura que vai para muito além de quatro paredes. Se torna nítido como as vivências individuais de cada um influenciam suas experiências nas competições, e como suas performances transformam os demais aspectos de suas vidas. E é na pluraridade de histórias, de corpos e de vozes que Salão de Baile brilha, mostrando que a mesma realidade é vivenciada de inúmeras maneiras, sem invalidar nenhuma delas.
Além de dança, arte e performance, o documentário também se dedica, como de esperado, a debater questões de gênero e sexualidade, e assim o faz de maneira muito bem orientada. Uma discussão muito importante é levantada pelo filme acerca das identidades não-binárias, que ainda são, muitas vezes, mal compreendidas mesmo entre pessoas transgeneros. A questão racial é também um dos pilares centrais de discussão, trazendo o resgate histórico do início dos balls dentro da negritude.
Salão de Baile é um filme importante por diversos motivos, mas sobretudo por ser uma lição de representatividade. É nítido o potencial de uma obra que representa corpos dissidentes, quando produzida por esses mesmos corpos. A narrativa se desenha de forma a fugir dos esteriótipos, abraçando, para isso, o discurso de pessoas reais, em todas as suas contradições e ambiguidades. Apesar de um recorte bem específico da cena do Rio de Janeiro e Niterói, a produção aborda temas universais com os quais todes podem se identificar.
VEJA TAMBÉM
Meu Casulo de Drywall e a decadência da elite conservadora brasileira
O cinema queer cearense através de 5 curtas-metragens
Jornalista, roteirista e escritor, apaixonado pela arte de contar histórias. Fã de narrativas de horror e suspense, perdido em mundos de fantasia e magia. Obcecado por musicais e dramas existenciais.