Quando se é criança, quase todas as referências que você tem de mundo são aprendidas em casa. Quem for mais antigo já deve ter ouvido o ditado que diz que “Pai e mãe não mentem!” E é, de fato, difícil duvidar do que dizem as pessoas que, supostamente, são as que mais se importam com você. E se importam tanto, a ponto de lhe privar de sua própria liberdade, pensando no seu bem-estar. Mas, então, como lidar com a ideia de que essa pessoa que te ama tanto pode estar tão afastada da realidade a ponto de você pensar que o mais prudente é desacreditar do que ela diz?
Não Solte! (Never Let Go, 2024), de Alexandre Aja, consegue brincar com essa premissa de forma tal, que boa parte do filme o expectador vai se perguntar se o que acontece em tela é real ou imaginação dos personagens. Estrelado por Halle Barry, no papel de Momma, o thriller acompanha uma família de apenas três componentes: uma mãe (Halle) e seus dois filhos gêmeos, Nolan e Samuel, respectivamente interpretados por Percy Daggs IV e Anthony B. Jenkins.
A premissa é básica, mas, ao mesmo tempo, muito interessante! Momma vive com os filhos isolada em uma casa no meio de uma floresta. Segundo ela, o mundo é habitado por um mal tão intenso que o único lugar onde eles podem estar protegidos é dentro da casa abençoada que o pai dela construiu. Para sobreviver, a família percorre a floresta em busca de comida, sempre amarrados por cordas ligadas à fundação da casa. Caso alguém solte, o mal aparecerá para consumi-lo.
O problema, claro, é que a corda não é infinita e fica cada vez mais difícil encontrar o que se precisa para continuar vivo. A comida fica escassa e a situação só tende a piorar. É então que Nolan começa a provocar o irmão, levantando a hipótese de que a mãe deles pode não estar bem e, de repente, esse mal que ela tanto teme, não existe.
A angústia do “não saber”
Indubitavelmente, o mérito de Não Solte! está neste mistério sobre acreditar ou não em Momma. Não é bem o terror de shopping que você assiste para dar pulos da cadeira. É uma história que te dá muitas pistas, mas segura a resposta até o último momento. E não importa de onde vêm as imagens horrendas, os sons estranhos, ou o que quer que aconteça de ruim: sempre haverá uma desculpa plausível pro que estamos vendo.
Porém, para além dos pretensos monstros, fantasmas, ou seja lá o que seria esse “mal do mundo”, não saber se isso é fato ou insanidade é exatamente o que nos deixa nervosos! Até porque, na intenção de proteger os filhos, Momma os faz passar as mais difíceis situações. Como em uma cena onde, na extrema falta de comida, a vida de um dos componentes da família é colocada à prova.
Pior que isso, em dado momento da história há uma reviravolta tão inesperada que nos faz pensar que nenhuma de nossas perguntas serão respondidas. E o melhor: Aja consegue segurar as pontas da trama inserindo personagens secundários que podem tanto reforçar, como desandar as ideias que temos em relação aos acontecimentos.
E a última cena do filme, que finalmente revela o mistério, dividiu opiniões. Não posso garantir nada, mas tanto há pessoas satisfeitas, como há as que ficaram furiosas.
Crianças que surpreendem
Eu não vou investir muito tempo comentando a performance de Barry. A atriz já provou seu valor tantas vezes que mesmo os piores filmes que ela fez já foram perdoados. Neste papel ela consegue entregar mais até do que o roteiro promete, já que estamos falando de um filme que tem, na maior parte do tempo, apenas 3 personagens.
O principal ponto aqui são as crianças. Percy e Anthony têm uma tremenda química enquanto irmãos e trazem pra gente a perfeita dicotomia entre o filho “bonzinho” e o filho “rebelde”. O primeiro jamais ousaria se voltar contra a mãe em voz alta. Afinal, o amor de uma mãe é sempre verdadeiro e incondicional. Ela jamais os enganaria!
Já o segundo, mesmo não duvidando do amor de sua mãe, demonstra um pouco mais de lucidez ao racionalizar que esta mãe pode estar com os pensamentos afetados pela falta de comida e pelo estresse. Ou mesmo que ela possa ter fantasiado as coisas que vê por ter acreditado em uma história que ouviu do próprio pai. Sabe-se lá por quais traumas Momma pode ter passado pra ficar naquele estado!
E essa dinâmica entre os irmãos carrega boa parte do filme nas costas, fazendo quem assiste, ora torcer por um, ora torcer por outro. E força o público a tentar escolher quem está certo: o mais velho, com sua ingenuidade, prudência e o “fazer tudo correto”; ou o mais jovem, que parece mais lúcido, porém, também é mais atrevido e, por isso, toma decisões que podem colocar em risco a vida de todos.
Seja como for, culpe o roteiro ou a própria Halle Barry, com sua generosidade gigante, uma das melhores coisas do filme é ver os irmãos interagindo. Não importando se eles estão se ajudando ou lutando um contra o outro.
Em “Não Solte!”, menos realmente é mais
Não Solte! é um filme com poucos cenários. Na verdade, a maior parte da história se passa dentro de casa, ou no meio de uma floresta sombria. Nada muito diferente do que você já tenha visto em 137 filmes de assassinos com fação perseguindo adolescentes. Mas, o que poderia ser maçante ou clichê, traz para a história um cenário oportuno pra nos colocar na dúvida sobre o que é real ou não.
É claro que, no decorrer do filme, a gente vai se perguntar onde estão as outras pessoas e o que houve com a civilização. Mas, acalme-se, as respostas virão. No entanto, o isolamento dos personagens é apenas tudo o que Momma precisava pra fazer valer sua própria crença.
Alexandre Aja precisou de muito pouco pra contar seu terror: uma floresta, uma casa no meio dela e apenas 3 personagens. Bom, não é assim tão pouco se a gente lembrar que está contando com o talento de Barry e com o carisma de Percy e Anthony.
Caso você goste do filme, vale dizer aqui que existem planos para sequências e também para prequências! Ou seja: a ideia é simples, mas rendeu bastante conteúdo. No entanto, eu não me animaria muito. Levando em consideração que nem a crítica especializada, nem o público geral, aprovou o filme, que tem notas abaixo e 60% nos sites especializados. Além disso, sua bilheteria girou em torno de U$ 17 milhões, sendo que a estimativa de produção teve em torno U$ 20 milhões gastos.
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Gay, Nerd, jornalista e podcaster. Chato o suficiente pra achar que pode se resumir em apenas quatro palavras. Fã de X-Men e especialista em Mulher-Maravilha. Oldschool – não usa máquina de escrever, mas bem que poderia. There’s only one queen, and that’s Madonna!