Sangue pra todo lado e pra todo mundo ver
Com a popularidade adquirida pelo icônico personagem Art The Clown e a audiência de seu filme antecessor, era esperado que Terrifier 3 (2024) não apenas seria realizado, como também resultaria em sucesso de público — para os parâmetros de um longa-metragem do tipo. Chegando agora nos cinemas brasileiros, a expectativa de bilheteria é bem positiva, devido a boa recepção que o longa está tendo nos países no qual já foi lançado. A aceitação do público geral também deve estar sendo satisfatória, visto que até o momento é o mais bem avaliado da franquia — de acordo com o site dos tomates.
No entanto… o que dizer dessa obra contemporânea de horror, capaz de deixar muitos sem palavras? Até porque, como descrever o que se acabou de assistir? Para duas produções anteriores que se destacaram pelo gore, aqui não poderia ser diferente e, se o gore é o que atrai o público da franquia até as salas de cinema, é isso que lhes seria oferecido. Assim, o que o diretor e produtor desta poderia fazer — e o que se esperaria — era o clássico “maior e melhor”, mas seu investimento e carinho com a franquia o levou a trazer algo além, algo um pouco mais polido.
Damien Leone pareceu entender que o gore, apesar de não ser um elemento muito bem aceito por todas as plateias, já não é difícil de se encontrar em produções cinematográficas no geral. Ele está presente em filmes de ação, fantasia e até no terror de shopping mais convencional. Diante desse cenário, como inovar? O trunfo então está em ter uma produção essencialmente do subgênero Splatter no mainstream, sendo exibida em salas de cinema comercial — e não apenas em circuitos de mostras e festivais —, ao livre alcance do público mais tradicional.
E a solução para esse problema precisava estar na criatividade.
É nichado, não tem jeito
A trama acompanha a saída de Sienna Shaw (Lauren LaVera), a protagonista e final girl do filme anterior, da reabilitação — onde esteve por cinco anos — e retorno à sociedade após os estragos que o palhaço Art fizera na sua vida e na de seu irmão, que está na universidade. Em época de natal, Sienna, ainda com traumas não curados, terá de enfrentar seu algoz — agora muito mais sanguinário e vingativo — novamente.
Adianto aqui que Terrifier 3 não se difere muito da proposta dos dois longas anteriores: o virtuosismo no gore. O intuito ainda é levar às telas o que de mais… horroroso (positivamente falando?) o gore pode fornecer. E Damien Leone sabe fazer isso muito bem, pois, antes de um diretor, ele é um excelente maquiador. Aqui ele, com sua franquia já se estabelecendo, aparenta saber muito bem para onde ir quanto ao limite, ou melhor, a falta dele, em relação a brutalidade e violência. Porque, enfim, é por essa razão que o público de Terrifier vai assistir aos filmes da franquia: ver como/de quais formas o queridíssimo palhaço Art vai torturar e assassinar suas vítimas.
Portanto, mesmo a essa altura do campeonato, é bom lembrar que, se o seu intuito enquanto espectador é assistir a um típico terror de shopping ou uma obra de horror repleta de suspense e mistérios a serem solucionados, pode esquecer! Terrifier 3 não é o que você procura. Todavia, é possível ver um certo refinamento na narrativa, que aparenta estar querendo deixar de ser pura e unicamente um gore de duas horas, trazendo agora um certo drama à protagonista, coitada, toda destruída pelo pós-trauma. Há aqui um esboço de desenvolvimento de personagem, que não se aprofunda, fica no raso, mas valeu a tentativa, já é um começo. Considerando tudo o que aconteceu em Terrifier 2 (2022), é de fato convincente que Sienna vê seu algoz e seus amigos mortos em todos os lugares no seu dia a dia, mesmo após anos dos incidentes. Mas é isso. Nada mais profundo.
Assumindo a palhaçada
E é fofo, na verdade, ver o diretor auto referenciando as produções anteriores, trazendo mortes parecidas e tal. Art tem uma nova parceira de crimes, mas sem o “charme” da menininha de Terrifier 2. Referências bíblicas são uma novidade e até que serviram bem ao propósito das alegorias que o diretor quis criar. Há uma crítica bem interessante aos conteúdos (e criadores de conteúdo) de true crime — uma ironia curiosa, considerando que o subgênero em que a franquia se insere é por vezes criticado e apontado como banalização e espetacularização da violência.
E temos a comédia muito mais assumida também! Art é carismático e, mais do que nunca, se diverte ao fazer suas vítimas sofrerem. A fisicalidade e dedicação de David Howard Thornton para dar vida ao palhaço assassino é admirável e torna uma missão difícil não sorrir com suas caras e bocas. Além de tudo isso, o antagonista é um grande fã do Papai Noel e a cena em que ele liberta sua tiete interior com o bom velhinho é hilária. Terrifier 3, enfim, se utiliza de elementos do Terrir em alguns momentos, contudo interpretá-lo como uma comédia vai depender muito da leitura e do senso de humor do espectador.
O que complica é que… tem aquele elemento da heroína relacionado a personagem principal que não funcionou bem no longa anterior, mas, por alguma razão, Leone achou que seria interessante trazer de novo aqui. O que poderia ser um reforço na mitologia do universo é na verdade apenas um deus ex-machina bem ruinzinho, um elemento pouquíssimo desenvolvido que serve apenas para justificar a sobrevivência ou a resistência de Sienna.
Ao menos o final, sem querer revelar muito para não estragar a experiência de ninguém, o clima derrotista que se instaura pode ser bastante bem-vindo e agradar uma parcela dos espectadores. Afinal, se trata de um filme de terror, e o monstro aqui, consagrado um ícone da cultura pop atualmente, continua e com certeza continuará sendo o maior pesadelo da protagonista.
E temos ninguém mais ninguém menos do que o padrinho do gore, Tom Savini, fazendo uma participação especial.
Autoconsciente de seu impacto, tanto simbólico quanto discursivo, no cenário do cinema de terror atualmente, Terrifier 3 busca trazer novos elementos para sua franquia, como mensagens, críticas, simbolismos e alegorias que incrementam — mesmo que ainda de maneira bem superficial — a narrativa, apesar do roteiro mediano e da direção pouco inventiva. Em meio a motosserras, ratos e nitrogênio líquido, a produção cumpre seu principal propósito: aterrorizar, divertir e entreter os fãs do palhaço Art e de suas peripécias atrozes.
VEJA TAMBÉM
A Substância – Uma sátira afiada da espetacularização do corpo feminino em Hollywood
Não Fale o Mal – Um bom remake, mas não é europeu
Escritore, estudante de Cinema e Audiovisual, Diretore de Arte, Roteirista e integrante do coletivo independente Vesic Pis. Para o desespero da sociedade, não-binárie e, pior, terrivelmente canceriane. Apreciadore de punk rock e música eletrônica duvidosa, dedica seu tempo a tentar terminar as leituras iniciadas, assistir filmes e séries com muito gore, ouvir podcasts sobre crimes reais e política e cuidar de um papagaio possivelmente homofóbico.