Não Fale o Mal – Um bom remake, mas não é europeu

Remakes estadunidenses de filmes de outros países hoje em dia já são praticamente piadas prontas. Você com certeza já ouviu alguém dizer que esses remakes são feitos “porque estadunidenses não sabem ler legendas, então é mais fácil refazer o filme inteiro.” Esses filmes costumam fracassar por justamente terem muito de Estados Unidos e acabarem perdendo justamente o diferencial que os fazia se destacar. Mas até que Não Fale o Mal (Speak no Evil, 2024), refilmagem de um filme dinamarquês de mesmo nome, consegue dar um bom caldo.

O original

Não Fale o Mal (Speal no Evil, 2022) – o original – é um filme extremamente desconfortável que vai fazer pessoas com filhos terem bastante receio de ir para qualquer lugar. Contando a história de um casal dinamarquês e sua filha que conhecem um casal holandês e seu filho durante férias na Itália. Os casais fazem amizade e depois de voltar para suas rotinas, os holandeses convidam os novos amigos para um final de semana em sua casa no interior. Logo no primeiro minuto na casa ficam claras as diferenças culturais e situações desconfortáveis começam a acontecer sem parar.

O casal dinamarquês fica sempre quieto, nunca fala abertamente sobre o que os está incomodando e com o passar dos minutos o diferente e exótico, vai se mostrando um alerta, com uma virada chocante e uma conclusão brutal, que só um filme europeu é capaz de nos dar. Por favor, se for assistir, não pegue spoiler sobre esse final, vai me agradecer.

É difícil de chegar a muitas pessoas por ser um filme lento, ele te cozinha enquanto vai crescendo e demora a se mostrar e você tem que aceitar os estereótipos de dinamarqueses e holandeses, mas fora isso é um filme que te deixa prese na cadeira até o último segundo e pensando nele por horas depois de acabar. 

Saber respeitar é essencial

Eu já tive minha parcela de tempo estudando e escrevendo sobre adaptações na faculdade, e o que sempre se fala sobre esse assunto é sobre manter a essência, a espinha dorsal, a vibe da obra base para conseguir fazer uma nova tradução/adaptação boa. A chave para fazer isso com o filme em questão já está em seu próprio título. “Speak no Evil” é uma expressão que quer dizer basicamente “engolir o sapo” não falar sobre algo que está te incomodando e deixando desconfortável, por isso o original é um filme que causa tanta agonia.

Ver personagens em situações que não eram necessariamente inevitáveis, que são simplesmente complicadas e difíceis de lidar e que são impossíveis de sair sem ser uma pessoa mal educada ou começar uma briga é que nos deixa em pânico e minha gente, que filme pra te deixar roendo as unhas de nervoso é esse remake, a direção foi atenta ao que precisava fazer e fez muito bem. A história é basicamente a mesma do original, mas o casal dinamarquês se torna um casal estadunidense que acabou de se mudar para Londres e o casal holandês se torna um casal inglês que mora no interior do país. 

O desconforto, a agonia, os risos nervosos que a gente não consegue segurar, está tudo aí. Apesar de o final não ser exatamente no mesmo tom, mas falo disso mais para frente.

Um elenco é um elenco

Já calejada de tantos remakes insossos, eu tenho que admitir que só me interessei e fui para a cabine de imprensa desse filme por ter assistido ao trailer em um dia que fui ao cinema. Pensei comigo mesma “James McAvoy vai carregar isso e talvez valha a pena por ele”, afinal nosso jovem Professor Xavier já interpretou personagens bem instáveis e conhecemos suas capacidades.

Mas ao assistir ao filme dei de cara com uma surpresa – além do roteiro do filme ser bom – a querida Mackenzie Davis que eu não tinha reconhecido no trailer estava lá. Ela faz a esposa do casal estadunidense e James McAvoy o marido do casal inglês, e a tensão criada entre os dois é linda de se ver. James é impecável de sair de um cara simpático para uma pessoa sinistra com um olhar, com uma flexão nos músculos do rosto, o sorriso acolhedor agora é extremamente desconfortável, ele dá um show e Mackenzie consegue segurar tudo que ele levanta, em alguns momentos eu até esperei que as personagens fossem sair na porrada.

O mesmo não posso dizer de Scoot McNairy e Aisling Franciosi, seus pares. No filme original, todo o elenco está em um mesmo nível, com a mesma energia, os casais funcionam até como um ser só, mas no remake James e Mackenzie são dois sóis carismáticos e brilhantes que ofuscam seus colegas. Aisling ainda consegue sustentar a atuação do parceiro e brilhar um pouco ao lado dele, mas Scoot se apaga totalmente, perdendo atenção da montagem e de tela para sua parceira.

As temidas diferenças

Obviamente que o filme precisou sofrer adaptações e mudanças para fazer sentido em um novo contexto e eu pessoalmente gostei da maioria. Agora o casal estadunidense está passando por um conflito no casamento em si e não apenas uma crise do marido, então existe toda uma inveja da relação do outro casal e não só do marido que é um homem malhado, gentil, divertido, cheiroso e médico ainda por cima, masculinidade nenhuma aguenta isso. Inclusive, a relação dos dois homens ganha ares mais claros de uma paixão platônica e confusa e não mais só algo do tipo “ele é tão legal, quero ser como ele”.

Perdemos a barreira da língua que gera momentos ótimos no original, mas torna a estranheza mais fácil de nos pegar e de ser percebida. O roteiro sabe contornar bem as próprias limitações sem deixar a tensão cair, perdemos alguns momentos, mas ganhamos novos.

Ainda é um remake de Hollywood

Como um bom filme estadunidense, Não Fale o Mal é muito explicativo, deixando poucas coisas nebulosas e para sua imaginação, por mais que – pelo menos para mim – isso não estrague a experiência, fica um pouco chato sim, especialmente no terceiro ato. Falando dele, eu mencionei mais acima que o final é o que diferencia mais da obra original e sem maiores spoilers, é basicamente um final super estadunidense padrão, mas no último segundo James Watkins nos mostra que mesmo assim, não sairemos incólumes desse filme.

Foi bom de verdade ver um filme que respeita a obra original, se preocupa em fazer um bom trabalho e conta com atuações incríveis. Em uma rodinha de conversa pós sessão, foi comentado até mesmo que este remake pode ser visto como uma continuação do original e faz muito sentido. 

Se você planeja assistir aos dois, recomendo fortemente que comece por esse e vá para o original depois, para ir se preparando, sentindo a atmosfera e receber o impacto do final como precisa ser recebido.

Por mais remakes como esse, mas por mais coragem de sair da zona de conforto e assistir filmes de outros países também.


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