Feios – Na terra dos bonitos, quem é feio é rei

O ano era 2001, quando Harry Potter e a Pedra Filosofal (Harry Potter and the Sorcerer’s Stone) e O Senhor dos Anéis: A Sociedade do Anel (The Lord of the Rings: The Fellowship of the Ring) estrearam no cinema dando o pontapé inicial para uma nova era de adaptações de livros de fantasia no cinema. De lá para cá, muita coisa aconteceu, com ápice de adaptações acontecendo entre 2008 a 2014 tendo Crepúsculo, Jogos Vorazes, a série de filmes de Divergente, Percy Jackson, dentre outras obras literárias que tiveram sua versão live action na telona. Entre sucessos e fracassos, o gênero saturou e acabou migrando para os streamings, onde tenta sobreviver a um mercado mais exigente e difícil de agradar.

Digo isto, para falar da adaptação do livro de mesmo nome de Scott Westerfeld, Feios (Uglies, 2024), longa que ficou bastante tempo na geladeira e demorou quase 18 anos para ver a luz do dia, sendo produzido e depois adquirido pela Netflix para ser lançado mês passado no dia 13 de setembro. 

A narrativa conta a história da jovem Tally (Joey King) e seu amigo Peris (Chase Stokes), que vivem num futuro não muito distante, onde a sociedade vive com base na aparência, onde os “bonitos” possuem privilégios e vivem numa sociedade rica e prospera, enquanto os considerados “feios” precisam aguardar até os 16 anos para passar por procedimentos estéticos e assim ter o privilégio de pertencer a esta classe mais favorecida. 

O longa dirigido por McG é cheio de boas intenções, inclusive para quem não conhece a história, o primeiro ato é bem atrativo, porém o roteiro escrito por Jacob Forman, Vanessa Taylor e Whit Anderson, tem trabalho em condensar tramas, sendo assim, conseguimos entender bem como funciona esta sociedade distópica e a necessidade de os jovens atingirem a maioridade para serem “bonitos”, porém o filme deixa a desejar a relação entre Tally e Peris, que passa muito rápido e sem muitas sutilezas.

O filme ganha mais camadas quando vemos alternativas fora do sistema apresentadas a protagonista, quando o amigo vai para cidade dos “bonitos” e a mesma conhece a rebelde Shay (Brianne Tju), mostrando que aquele estilo de sociedade não é exatamente correto. É claro que Feios bebe da fonte de toda adaptação “teen”, com cenas de ação futuristas, romance e uma dose de revolução. 

A primeira metade, que no começo soa apressada, fica melhor na metade final, ainda que seja bastante previsível na forma como tudo se desenvolve, fica clara a tentativa de criar algo empolgante que traz bons questionamentos sobre padrões de beleza na sociedade. Falta sim ao longa um aprofundamento do tema e explorar mais o grupo da Fumaça liderado por David (Keith Powers), que acaba se tornando um interesse romântico para Tally.

Em termos de produção, o orçamento limitado cria um visual bastante artificial na parte dos cenários futuristas, porém não deixa muito a desejar em termos de cenas de ação. Ambientação, figurino e a trilha sonora pop adolescente deixa o filme com cara de produção do começo dos anos 2010, o que me leva a crer que este filme faria bastante sucesso se tivesse sido lançado na época de Jogos Vorazes.

O elenco é um bom chamativo, com destaque mesmo para Joey King, que traz os conflitos esperados de uma garota que sonha em ser “bonita” (como se ela precisasse de uma transformação para isto), mas acaba se apaixonando pela simplicidade de David e Shay, como consequência começa a questionar tudo aquilo que fazia sentido em sua vida. A jovem Brianne Tju e os jovens Keith Powers e Chase Stokes, estão ok e formam com King o quarteto adolescente do filme. Laverne Cox é a vilã da vez no papel de Dra. Cable, representante do modelo de sociedade perfeito e que caça qualquer pessoa que se opõe ao sistema, a atriz é um pouco caricata, mas acaba sendo uma boa ameaça.

No geral, Feios não é um grande filme, e talvez nem queira ser, inclusive é até conveniente ver McG dirigindo uma produção assim, entregando um trabalho padrão que se apoia na nostalgia das adaptações literárias para tentar conquistar os fãs da série de livros trazendo um sci-fi adolescente que não soa brilhante, mas ao menos é um entretenimento honesto, com uma história que oferece potencial trazendo uma narrativa que oscila entre altos e baixos, mas deixa uma boa reviravolta no ato final com a promessa de uma sequência com potencial, resta saber se o público estará interessado em acompanhar.


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