Longlegs: Vínculo Mortal – O que não está escancarado aos nossos olhos pode ser muito mais assustador

“A agente do FBI Lee Harker (Maika Monroe) é convocada para reabrir um caso arquivado do serial killer Longlegs (Nicolas Cage). Conforme desvenda pistas, Harker se vê confrontada com uma conexão pessoal inesperada com o assassino, lançando-a em uma corrida contra o tempo.” É a partir deste mistério que o diretor Osgood Perkins, de Maria e João: O Conto das Bruxas (Gretel & Hansel, 2020), envolve o público em um suspense desesperador em seu novo lançamento que chegou aos cinemas brasileiros, com estreia antecipada, no dia 28 de agosto.

Um dos lançamentos mais aguardados do terror em 2024 finalmente chega aos cinemas nacionais fazendo tudo que um filme tão cheio de personalidade pode fazer: causando burburinho na internet e dividindo opiniões. Enquanto uma parcela do público rasga elogios à história de horror vivida por Lee Harker e o classifica como um dos mais assustadores do ano, outra metade considerou o filme superestimado e nada aterrorizante. 

O que não está escancarado aos nossos olhos pode ser muito mais assustador

Um dos maiores êxitos de Longlegs está na direção de Osgood. Em contraste com o quão perdido ele parecia em Maria e João, Perkins está muito seguro do que quer construir com seu novo filme. Sabendo precisamente o que revelar e, melhor ainda, o que não revelar, ele transfere para o público o quão perdida a protagonista está. Essa seletividade do que será exposto não está presente apenas no roteiro, do qual falaremos com mais detalhes depois, mas nas cenas de crimes brutais e aterradoras. O que vemos são flashes rápidos e fotos tiradas pela polícia de corpos desmembrados ou lençois sujos de sangue acobertando corpos e deixando à margem da nossa imaginação que tipo de fatalidade aconteceu ali. É de arrepiar a espinha e revirar o estômago.

As mortes off screen adotam um teor grotesco graças ao trabalho de som genial, quase Hitchcockiano, feito por uma equipe extensa guiada sob a direção de Eugenio Battaglia. Não vemos as lâminas das facas e machados atravessando as vísceras e ossos das vítimas, mas ouvimos tudo com tanta clareza e desconforto que fica impossível não entender o básico do que está acontecendo ali e ter a imaginação tomada pelos maiores absurdos possíveis e impossíveis.

Um espetáculo visual e sonoro

A fotografia de Andres Arochi é essencial para prender a atenção do público naqueles cenários sufocantes e mórbidos. Usando de um jogo de luz e sombra bem interessante ele cria uma atmosfera de desconfiança, dando a sensação de que Lee está sempre na companhia de forças malignas, escondendo em partes do cenário aparições do “homem lá debaixo”

A trilha sonora de Zilgi instiga a ansiedade. Como uma orquestra bizarra de sons cheios de texturas, é gerado um desconforto acompanhado de uma curiosidade para dissecar aqueles mistérios. 

Roteiro reúne excelentes referências, mas perde o tom no último ato

Osgood Perkins, que além da direção também se encarrega do roteiro, reúne alguns clássicos de investigação policial para construir Longlegs. A referência mais clara é O Silêncio dos Inocentes (The Silence of the Lambs, 1991), mas há pitadas de Seven: Os Sete Crimes Capitais (Se7en, 1995) e Zodíaco (Zodiac, 2007). Osgood também cita a personagem de Rooney Mara em Millennium: Os Homens que Não Amavam as Mulheres (The Girl with the Dragon Tattoo, 2011) como base para a criação de Lee Harker.

De início o filme consegue reunir bem essas referências e cria um clima de mistério bastante magnético. Assim como em sua direção, ele seleciona a dedo o que mostrar e principalmente o que não mostrar. Durante uma boa parte do filme tudo que recebemos são peças de um quebra cabeça que parece cada vez mais incompleto e seguimos nessa total incerteza até chegarmos a uma conclusão. Para alguns, essa conclusão pode vir bem mais cedo do que o momento em que de fato as coisas são reveladas.

Ao decorrer da obra, Longlegs passeia entre gêneros, principalmente entre o horror sobrenatural e o suspense investigativo. Isso cria um dinamismo interessante, mas em certos pontos o diretor falha em criar equilíbrio entre eles. A revelação final, por exemplo, esclarece as questões sobrenaturais do filme, mas não condiz em nada com o que foi exposto durante a investigação do caso, gerando furos no roteiro. 

Uma nova roupagem aos filmes sobre satanismo

Ainda que o teor sobrenatural do filme o leve a tomar decisões questionáveis e preguiçosas em sua resolução, também é através dessa camada da história que irá abordar temas como maternidade, inocência e crueldade. Sim, mais um filme da A24 onde tudo funciona como uma metáfora para trauma geracional, mas nós amamos! O amadurecimento é descrito como um processo doloroso, denunciando a perda da inocência como fruto das violências que sofremos ao “sair do ninho”. Mesmo o vilão interpretado por Cage não está isento desse processo, demonstrando ter suas próprias feridas e vulnerabilidades.

Atuações implacáveis 

Impossível falar de Longlegs sem falar de Nicolas Cage. Sua performance neste filme é surpreendente. Cage cria com maestria um vilão aterrorizante, cheio de camadas e personalidade e assustadoramente carismático. Inspirado em astros do Glam Rock, Harlow MacFarlane deixa Nicola irreconhecível com seu trabalho genial de maquiagem. “A obsessão dele [Longlegs] é ficar bonito para o Diabo. Tudo o que ele faz tem essa força maligna que ele tenta impressionar”, explica Harlow

Maika Monroe, que conquistou o coração dos fãs de horror com Corrente do Mal (It Follows, 2914), está retornando com tudo para o gênero. Após protagonizar o suspense Observador (Watcher, 2022), ela assume o protagonismo de Longlegs com muita maturidade. Interpretando a agente especial Lee Harker com uma atuação sutil, propositalmente reprimida e cheia de nuances, ela domina as telas e conduz, ao lado de Cage, a narrativa. 

Outra surpresa no elenco é Kiernan Shipka que, em uma única aparição, está quase irreconhecível e com uma atuação de gelar a espinha. Antes de O Mundo Sombrio de Sabrina (Chilling Adventures of Sabrina, 2018 – 2020), Kiernan já havia feito alguns trabalhos marcantes no terror e é interessante observar esse retorno dela ao gênero após o fim da série.

Ainda que tenha um roteiro falho, Longlegs: Vínculo Mortal é um filme que nos presenteia com atuações excelentes e marcantes, uma fotografia genial e uma direção muito certeira. É uma experiência única com uma roupagem nova ao terror e aos filmes sobre satanismo. De fato é uma obra divisora de opiniões, mas isso traduz sua forte personalidade.


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