Kill: O Massacre no Trem – Um “filme de pai” com muito gore

Kill: O Massacre no Trem. Imagem: Lionsgate/ Divulgação

Obs.: Esse texto contém severos spoilers de “Kill – O Massacre no Trem”

Ah, os anos 1990! Às vezes dá uma saudade, né? Não que os filmes com estilos parecidos com o dessa década tenham morrido. Vez por outra alguém pensa algum revival. Já fizeram isso até com os atores da época, todos juntos, bem idosos. Mas, se você já se perguntou como seria se esses filmes de ação, característicos dos anos 90, fossem feitos nos dias de hoje, creio que seus problemas acabaram! Kil: O Massacre no Trem (Kill, 2023) tem toda essa aura e um toque bastante particular.

Imagine que a mulher que você ama está prometida para outra pessoa. Sabendo disso, você resolve que quer fugir com ela no dia do noivado. Então, durante uma viagem de trem onde se encontram você, seu irmão, sua amada e a família dela, um grupo de assaltantes toca o terror e sua amada acaba morta. Claro, você não é um civil comum! É um agente militar altamente treinado e, na força do ódio, você vai infringir a sua mais implacável vingança. Ninguém sairá daquele trem, a não ser dentro de um caixão!

A premissa confunde filme de ação com filme de terror? Pois a vibe é essa mesma! Mortes violentas e sem cortes, efeitos práticos de primeira, cabeças cortadas, esmagadas, facadas, tiros, sangue, sangue e mais sangue. Tudo isso embalado no melhor estilo indiano: diálogos exagerados, cortes rápidos e cabecinhas que gingam enquanto falam – isso é MUITO peculiar!

Kill: O Massacre no Trem. Imagem: Lionsgate/ Divulgação

Quase um “Chuck Norris indiano”

Nosso protagonista se chama Amrit Rathod (interpretado por Lakshya, um estreante no cinema). Ele é um comandante das Forças Nacionais de Segurança que sabe matar como poucos. Em contrapartida a essa expertise, ele é um homem jovem, bem afeiçoado e bastante amoroso. Sim, é um contraste! Mas qual galã de filme de ação não é, de alguma forma, desse jeito?

Durante o drama do assalto, Amrit opta, incialmente, por não matar ninguém. Ele aplica golpes que incapacitam temporariamente os bandidos. E mesmo quando o inimigo parece imbatível, ou quando seu irmão se torna refém da quadrilha, ele nunca se altera em excesso. O caldo entorna mesmo quando o líder do bando mata a coprotagonista, Tulika (vivida por Tanya Maniktala). Nesse momento, o que era, até então, um típico filme de ação, se torna um thriller de terror capaz de deixar Jason Voorhes ruborizado!

Detalhe: nosso herói até sangra, mas seu rosto segue impecável com um único corte na bochecha. Nada de olho roxo ou boca inchada! Sangramento? Ele trata com uns perfumes que ele achou na mala de alguém. Obviamente, ele também não cansa e não importa o golpe que lhe apliquem, a dor vai passar em 10 segundos. Bollywood não reinventou, mas certamente “redescobriu” Chuck Norris, Van Damme, Steven Seagal e Bruce Willis em seus anos mais áureos. E deu a eles um facão e uma raiva digna de Michael Myers!

Kill: O Massacre no Trem. Imagem: Lionsgate/ Divulgação

Kill: Misógino e machista, tal qual os anos 90

O que seria de um justiceiro sem sua donzela em perigo? “Kill: O Massacre no Trem“ é o puro suco do “filme de pai”. Ou seja, feitas as devidas contextualizações culturais (afinal, estamos falando de um filme indiano), apesar da maquiagem moderna e os efeitos contemporâneos, ele repete uma fórmula que, há muito, já foi superada pelo cinema americano – ou pelo que se baseia nele.

Tulika é a emblemática princesa em apuros! Ela é frágil, honrada, obediente e perdidamente apaixonada. Mas tem caráter e “personalidade forte”. Ela bem que tenta lutar, mas tem a habilidade de uma criança de 4 anos montando em uma bicicleta sem rodinhas. “Kill” conseguiu o feito de ressuscitar a “namorada na geladeira”. Caso você não saiba do que estou falando, eu explico. Esse termo foi popularizado pela escritora Gail Simone para expor como a cultura pop sempre usou do sofrimento das mulheres como motivação para a evolução do herói.

Afinal, Nikhil Nagesh Bhat, diretor e roteirista, poderia ter optado por matar Viresh, irmão de Amrit. Ou o pai de sua pretendida, ou qualquer outra pessoa que pudesse despertar sua “fúria implacável”. Mas foi sua pretendida quem teve que morrer. Bem na frente de seus olhos e vagarosamente, estocada após estocada, do vilão principal (Fani, vivido por Raghav Juyal). Aliás, um vilão dos mais caricatos. Desses que, de tão malvados, até a família despreza.

Ou seja, um surto de clichês! Não fosse a carnificina cruel ao qual nossos olhos são submetidos durante as quase 2 horas de filme, em pouco “Kill” se diferenciaria de qualquer outro Duro de Matar (Die Hard, 1988) – ou algo que o valha – que já tenhamos visto 30 anos atrás.

Kill: O Massacre no Trem. Imagem: Lionsgate/ Divulgação

“Kill” não traz debates, mas até que tenta

Talvez minha bagagem não seja suficiente para extrair um pouco mais de conteúdo de “Kill”. Certamente ele tem algo a dizer que meu conhecimento limitado sobre a cultura indiana não consegue captar. Se for o caso, ótimo! Mas não acredito que seja a intenção. Nem precisa! E, ainda que fosse, não me alcançou.

Em alguns momentos alguém tenta ter lucidez. Como quando Fani tem uma discussão com seu pai. Fani é o personagem mais inconsequente da família de gangsters. Sim, eles são uma família. Não em sentido figurado. Eles são irmãos, tios e primos (ao menos a maioria deles, ou a parte que interessa – os personagens que têm nome).

Acontece que quando Beni, pai de Fani, percebe a enrascada em que o filho os colocou, ele tenta extrair alguma lucidez do filho. Este, por sua vez, responde com indignação ao questionar sobre qual ética o pai espera dele. “Somos ladrões! Não temos ética! Não existe ética entre ladrões!”. Fez todo sentido pra mim!

Também é Fani quem questiona os métodos do protagonista. Amrit não mata apenas para se defender ou para proteger os seus. Ele esfaqueia repetidamente homens imobilizados, esmaga cabeça com extintor, incendeia homens vivos e pendura corpos enfileirados nos vagões para aterrorizar a horda. “Que homem faz isso?!” – Fani pergunta em dado momento. “Nós tiramos 4 de vocês, você matou 40 da minha família! Você não é um protetor, você é um monstro!”

É fato que há um contexto: Amrit não teria feito isso se Fani não tivesse matado Tulika. Fani também é cruel, desumano e, certamente, estava em desespero ao fazer tal pergunta. Afinal, sabia que iria morrer. Ainda assim, mesmo que superficialmente, Nikhil deu seu jeito de nos fazer repensar nossa torcida pela vitória de alguém tão cruel. Justiça ou era vingança? Frank Castle mandou lembranças!

Kill: O Massacre no Trem. Imagem: Lionsgate/ Divulgação

A crítica aprova

A despeito do que quer que eu tenha escrito aqui, “Kill” ostenta altos 90% de aprovação da crítica no Rotten Tomatoes quando faço essa resenha. A audiência pontua 84%. Parece que as pessoas apreciam violência. Quem diria, não é mesmo?

O filme estreou em setembro de 2023 no Festival Internacional de Cinema de Toronto e ficou em 2º lugar no  People’s Choice Award: Midnight Madness. Segundo Bhat, seus atores foram treinados com profissionais de MMA e a história foi baseada em um assalto real que o próprio diretor viveu em 1995.

Na Índia, o filme estreou em julho deste ano e no Brasil ele chega às salas de cinema no próximo dia 05 de setembro. Brutal, violento, cru e moralmente questionável: tudo que um “filme de pai” pede!


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