Beetlejuice: Os Fantasmas Ainda Se Divertem – e a nós também

Beetlejuice Beetlejuice. Imagem: Warner Bros/ Dvilgação

Todo esse papo sobre a falta de criatividade de Hollywood em criar histórias, repetir fórmulas e trazer de volta filmes antigos já está tão batido quanto o fato em si. Que a indústria do cinema vive de reboots, remakes e continuações, nós já sabemos! O que surpreende é que, às vezes, Hollywood nos surpreende! E até acerta! Esse, sem dúvida, é o caso de Os Fantasmas Ainda se Divertem – Beetlejuice Beetlejuice (Beetlejuice Beetlejuice, 2024), que consegue se modernizar sem perder a magia daquele filme feito há quase 40 anos.

A comédia, que chega às salas de cinema brasileiras em 05 de setembro, traz de volta quase a totalidade do elenco original, o mesmo diretor, o criador da trilha sonora e algumas gratas adições. É uma continuação direta de sua versão de 1988, embora muito tempo tenha se passado. O melhor é o que o roteiro faz questão de nos mostrar que esse tempo realmente passou, não só aqui, no “mundo real”, mas também para os personagens.

Com uma assinatura marcante, já conhecida de Tim Burton, “Beetlejuice Beetlejuice” tem 1:44h, 4 histórias principais, novos antagonistas e o mesmíssimo espírito de seu antecessor. É ácido, sem noção, extrapolado e seu texto faz inúmeros trocadilhos com envelhecimento, morte e, claro, pós-morte.

Beetlejuice Beetlejuice. Imagem: Warner Bros/ Dvilgação

Nostálgico e moderno sem ser repetitivo

Lembra da trama de Os Fantasmas se Divertem (Beetlejuice, 1988)? Lá, acompanhávamos um casal recém falecido que precisavam de uma espécie de guia para levá-los ao mundo espiritual. Eles acabam pedindo ajuda a uma entidade chamada Beetlejuice (traduzido aqui como Besouro Suco). Interpretado por Micheal Keaton, o demônio trambiqueiro que dá nome ao filme percebe uma ótima oportunidade de voltar ao mundo dos vivos se conseguir se casar com a adolescente Lydia (Winona Ryder).

Já Lydia vive a fase rebelde, típica da sua idade. Ela é gótica, algo que estava muito em alta entre a juventude “transviada” no começo dos anos 1990. Seu pai e sua madrasta, Charles e Délia (respectivamente Jeffrey Jones e Catherine O’Hara) formam um casal excêntrico, que representam bem a esquisitice dos ricos.

Já na versão deste ano, estão de volta Lydia, Délia e o próprio Beetlejuice (dã). Mas, desta vez, Lydia tem uma filha adolescente, Astrid (Jenna Ortega) que é cética em relação ao trabalho da mãe e não conseguiu superar a partida do pai. Astrid não é gótica, não está mais na moda. Mas é deslocada de suas equivalentes escolares, patricinhas, homogêneas e que fazem bullying com ela por conta de sua mãe. Aliás, Lydia ficou famosa por causa de seu dom de conversar com pessoas mortas e tem até um programa de TV.

Também temos a presença de Charles, mas de um jeito um tanto diferente dos demais personagens.

Beetlejuice Beetlejuice. Imagem: Warner Bros/ Dvilgação

Beetlejuice Beetlejuice: artifícios recentes, sensações antigas

É sempre meio óbvio quando a gente vê uma produção de Tim Burton saber que ele está presente ali. Não foi diferente dessa vez. Os elementos da comédia clássica estão de volta com todos os seus absurdos, seu visual gótico, cores fortes e acontecimentos só fazem o mínimo sentido porque a narrativa é louca a ponto de permiti-los. Mas não é só isso.

Talvez o ponto alto de “Beetlejuice Beetlejuice” seja o prazer sensorial que temos ao rever maquiagens e efeitos especiais que, se não são práticos, são efeitos digitais que os simulam de forma muito verídica. O stpomotion, os animatronics e os monstros feitos de um material que, visivelmente, é pano (ou quer muito nos convencer disso) dão o tom nostálgico que a continuação promete que terá. Ainda assim, ela não abre mão do novo.

É plausível que você não tenha idade suficiente pra ter sentido medo nos vermes de areia enquanto assistia à Sessão da Tarde em casa. Mas, se for o caso, talvez você sinta o mesmo calorzinho no coração que eu senti ao ver o monstro novamente. Não apenas ele, mas a legião de Bobs que trabalham como funcionários do Besouro Suco. Sendo que Bob é um personagem com uma participação minúscula – e, ainda assim, marcante – do pós-crédito do filme de 1988.

Essa mistura faz a sequência parecer tanto atual quanto saudosista, já que ela não perde seus elementos tradicionais e, mesmo assim, não parece datada. Beetlejuice não parou no tempo, assim como não fizeram, também, seus personagens. Possui a assinatura de seu autor e se mostra algo perfeitamente aceitável para os tempos de seu lançamento.

Beetlejuice Beetlejuice. Imagem: Warner Bros/ Dvilgação

Ótimas adições, péssimo aproveitamento

Nosso antagonista agora possui seu próprio antagonista. Ou próprios, melhor dizer. As presenças ilustres de Monica Bellucci e Willem Dafoe abrilhantam o elenco da trama. Monica, inclusive, que interpreta Delores, a ex-noiva de Beetlejuice, ganhou uma entrada fenomenal. Provavelmente uma das melhores cenas do filme. A atriz, sempre que surge, é implacável e não precisa de muitas palavras pra causar um certo medinho.

Já Dafoe traz pra gente o detetive Wolf Jackson. Não tão detetive assim, digamos. Um ator em vida que, ao morrer, passa o pós-morte literalmente atuando como um policial que persegue tanto Delores, quanto Beetlejuice. Protagoniza boas cenas de comédia e tem uma maquiagem canastrona, quase de teatro independente.

Uma pena que, apesar de suas maestrias em cena, esses são os personagens que menos vemos. Provavelmente estão lá cumprindo essas funções muito bem definidas: tensão e comédia, cada um deles. Mas seriam perfeitamente descartáveis da trama e tudo correria quase sem nenhuma diferença se ambos não estivessem lá. Rendem ótimos momentos, reitero! Mas não são mais do que enchimento para dar recheio ao que parece ter sido a menor das preocupações de Tim Burton: o roteiro.

Beetlejuice Beetlejuice. Imagem: Warner Bros/ Dvilgação

Beetlejuice tem tramas demais e soluções apressadas

Tal qual seu antecessor de 36 anos, seria pedir demais que “Os Fantasmas Ainda Se Divertem” fosse um filme profundo, com mensagens transformadoras, que fariam você repensar sua vida ao sair da sala de cinema. E, de verdade, não há o menor problema em não ser! “Beetlejuice Beetlejuice” é uma comédia despretensiosa, que continua dando suas alfinetadas no modo de vide escandaloso e privilegiado dos ricos. Brinca com a nossa relação com o tempo e sobre como lidamos com a morte.

Porém, enquanto tenta contar a história de três gerações de mulheres (Delia, Lydia e Astrid) e poderia focar em suas relações de maneira mais concisa, prefere dar a cada uma delas uma trama separada, com seus próprios “vilões”. Isso se torna um exagero, ao ponto que todos esses problemas são resolvidos com um único passe de mágica. Afinal, nada é problema demais para o demônio que dá nome ao filme e seus poderes cuja limitação é a própria imaginação.

Assim, ao passo que o filme diverte e consegue, visualmente, nos levar de volta ao final dos anos 1980, ele também subestima a inteligência do público e oferece resoluções clichês, simples e que desfazem toda a mitologia que nos é vendida ao longo de seu desenrolar. Contudo, não eixa de ser uma boa diversão e com certeza consegue arrancar boas risadas e, a depender de sua idade, pode te levar de volta no tempo em que era moda ser gótico e que todo era feito com bichos feltro.


VEJA TAMBÉM

Pisque Duas Vezes – Nem Todo Homem?

O Corvo – Ultrapassa barreiras de vida e morte, mas não alcança o público