Pisque Duas Vezes – Nem Todo Homem?

Pisque Duas Vezes. Imagem: Warner/ Divulgação

Obs.: Esse texto pode conter spoilers de “Pisque duas Vezes”

Zoë Kravitz faz sua estreia como diretora e chegou batendo com os dois pés na porta! Pisque Duas Vezes (Blink Twice, 2024) estreia em 22 de agosto e consegue ser tão intrigante quanto seu trailer propõe. Seu mistério, apesar de seus exageros feitos para trazer a dramaticidade que um filme pede, pode ser mais real e mais rotineiro do que muitos de nós imaginamos.

Naomi Ackie, a Whitney Houston de I Wanna Dance with Somebody: A História de Whitney Houston (Whitney Houston: I Wanna Dance with Somebody, 2022), dá vida à carismática Frida, uma garçonete de vida comum, que divide o apartamento com (a mais carismática ainda) Jess (Alia Shawkat). As duas invadem como penetras a festa do bilionário Slater (Channing Tatum), empresário que recentemente precisou se desculpar publicamente por acusações de assédio a funcionários de sua companhia.

Frida não tem sonhos diferentes da maioria das pessoas: ela quer ser notada! E o desejo de conhecer um homem bonito, famoso e muito rico parece estar prestes a acontecer quando, na festa, Slater se interessa por ela e a convida, junto com sua amiga, para uma temporada em sua ilha particular. Acompanhados de outros ricos, famosos ou não, os convidados passam dias regados a bebidas, drogas, jantares extravagantes e festas na piscina. Parece mesmo um sonho! Mas, para nós, meros mortais, obviamente, isso soa tão suspeito que, mais cedo ou mais tarde, algo iria dar errado

Pisque Duas Vezes. Imagem: Warner/ Divulgação

Pisque duas Vezes se eu estiver correndo perigo!

O título do filme faz alusão a um código de pedido de socorro. Essa frase é proferida pouco após o início da história, quando Frida conhece o psicólogo de Slater. O pedido que a moça faz ao profissional em tom de piada é prontamente respondido. Isso vai nos deixar com uma pulga atrás da orelha durante muito tempo. Mas o mistério não vai se resolver tão fácil e, durante boa parte do filme, é difícil entender o que realmente estamos vendo.

Não se preocupe: a execução é excelente! Zoë costura os acontecimentos de maneira tão dinâmica que o espectador quase não vai perceber o tempo passando. Isso, na verdade, é o propósito da história. Dia após dia, noite após noite, as festas vão acontecendo, uma atrás da outra, até que os personagens percam a noção de tempo. Não é fácil contar as noites!

E, de uma certa maneira, não se fica entediado. Muito embora nem todos os envolvidos tenham o mesmo peso dramático na trama, afinal, acompanhamos nossa protagonista e sua amiga, todos os participantes representam peças-chaves na história e todos eles têm seu próprio carisma. Inclusive aqueles de quem, propositalmente, não gostamos.

Pisque Duas Vezes. Imagem: Warner/ Divulgação

Paradoxalmente óbvio e surpreendente

Como acontece com qualquer mídia, sempre haverá quem vai amar e quem vai odiar esse (e qualquer outro) filme. Porém, aqui na minha fértil imaginação, tem uma parte do público que pode se sentir especialmente citado: o público masculino.

Ok, não sei até que ponto isso pode ser um spoiler ou estragar alguma surpresa… Mas em uma ilha isolada, onde as pessoas estão incomunicáveis e “aproveitando” festas em que homens e mulheres ficam bêbados e drogados até esquecerem como terminou a noite, não acredito que seja surpresa o tamanho do risco que é um lugar desses, especialmente para as mulheres. Certamente as pessoas mais vulneráveis a sofrerem abusos, dadas as circunstâncias.

Além disso, nossa protagonista é uma mulher e estamos falando de um filme de terror. E digo mais: nosso antagonista é um bilionário! Homem, branco, rico e previamente acusado de abuso. O cara é um acumulado de clichês! Ainda assim a fórmula é tão perfeita, bem contada e amarrada, que nos causa espanto quando o mistério vem à tona.

Não tarda muito, alguém vai retrucar: “Ora, mas nem todo homem!” E, prontamente, alguém vai responder: “Mas sempre um homem!”

Essa é a premissa de Pisque Duas Vezes! O cuidado que temos que ter ao nos relacionarmos de maneira tão confiante com pessoas a quem acabamos de conhecer, mesmo que sejam pessoas ricas e/ou famosas. Ou, principalmente, se forem elas!

E nesse roteiro não escapa ninguém: desde o mais típico estereótipo de homem, aquele cara chato, boçal e exibido, até o meigo e inocente que, quando não causa mal diretamente, não reclama dos amigos que o fazem. Porque, no fim do dia, são seus amigos. E homens protegem homens!

Pisque Duas Vezes. Imagem: Warner/ Divulgação

Esquecer é uma dádiva

Para além da alfinetada nada discreta que Pisque Duas Vezes dá em abusadores, a trama também pincela outras questões. Entre elas, uma discussão sobre o perdão. Será que o perdão realmente existe? Ou será que só existe o esquecimento?

Um monólogo de nosso vilão explora as vantagens de esquecer nossos traumas que, pra ele, não servem para nada além de atrapalhar nossas experiências. Obviamente, não é bem o caso de concordarmos com o psicopata da trama. Mas o debate, apesar de superficial, é interessante. Ainda mais quando a trama tem sua estrutura no fato dos personagens não lembrarem o que acontece com eles durante as festas.

Mas quem acredita que o esquecimento é uma resposta satisfatória não leva em conta que nós somos formados por nossas experiências, nossas lembranças. Nós lembramos do que aprendemos, sejam coisas boas ou ruins. Muitas vezes, é com base nas nossas lembranças que tomamos nossas decisões e escolhemos nossos caminhos. Não fosse pelo que lembramos, nossa protagonista não teria cometido o principal erro que cometeu, como vamos descobrir em determinado ponto do filme.

Pisque Duas Vezes. Imagem: Warner/ Divulgação

Há sangue, muito sangue!

Talvez demore um pouco, mas a uma hora em que o sangue começa a jorrar na tela. E quando acontece não é brincadeira! Em dado momento tudo se torna uma demonstração horrenda de brutalidade. Mesmo assim, a brutalidade que vemos em cena ainda não é maior do que a que acontece off camera. Na verdade, é até satisfatória!

O importante, aqui, é dizer que você deve estar preparado. E, como parece que tem acontecido de uns tempos pra cá, eu tenho colecionados momentos em que fico tenso na cadeira do cinema. Não só uma tensão sobre o futuro das pessoas em tela. Mas uma aflição, uma angústia sobre um determinado momento específico que a gente só torce pra que passe logo. E eu nunca pensei que fosse me sentir assim vendo uma dança. Então prepare-se pra cena de dança mais tensa que você vai ver no cinema em muito tempo.

Pisque Duas Vezes já acumula 80% de aprovação no Rotten Tomatoes e eu tenho algumas suspeitas de que ele vai despertar gatilhos em algumas pessoas. Pode servir pra identificar alguns comportamentos, mas, principalmente, vai doer nos que teimam em reclamar da desconfiança das mulheres na presença de alguns homens (se não de todos).


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