Invencível: 2ª Temporada – Um relacionamento com a perda

Este texto contêm spoilers.

Passados três anos desde que o Amazon Prime Video nos trouxe a adaptação inédita do quadrinho homônimo de Robert Kirkman, Invencível (Invincible, 2021 -), nos mostrando que ainda é possível criar um perfeito balanceamento entre as aventuras e desventuras de ser um adolescente com poderes, mas tendo que encarar a brutalidade e a solidão do dia-a-dia de ser um super-herói… E COM MUITO SANGUE. Em um momento, havia tanto sangue que começou escorrer da TV!

A segunda temporada retorna depois de um tempo considerável, que foi ainda mais afetado pela decisão de dividir 8 episódios em DUAS PARTES. Numa mídia e subgêneros tão voláteis quanto séries de TV e filmes de super gente, tempo é a maior necessidade quando não se tem uma grande propriedade intelectual por trás da obra, eu consigo esperar três anos pelo próximo Homem-Aranha, mas ficarei no aguardo pela próxima temporada de Invencível?

A série ganhou uma reputação por sua hiperviolência que é totalmente justificada, que acredito ter sido um dos maiores fatores para a quantidade de exibições e um possível retorno do público para a segunda temporada. O massacre dos Guardiões pelo Nolan/Omni-Man na primeira temporada é assustador e mostra que a série não economiza no gore e na destruição realista dos superseres. E poucas cenas na TV são tão brutais ou horríveis quanto a destruição de um trem com todos os passageiros a bordo no final da primeira temporada. Seria fácil ignorar todo esse impacto e focar só no espetáculo. Mas a segunda temporada de Invencível deu um passo atrás e focou nas diferentes maneiras como a morte nos afeta profundamente, usando a morte não só como um evento para mover a trama da temporada, mas como um tema que os personagens têm que enfrentar.

E, acredite, Mark Grayson tem que enfrentar bastante.

A MORTE COMO TROPO SUPER-HERÓICO

Super-heróis sofrendo luto ou morte não é algo novo, acontece desde antes de um bandido ter atirado em milionários num beco. Um personagem pode ser definido e toda sua narrativa pela perda de alguém, ou pode ser uma passagem momentânea que vai ser concluída em cinco edições ou até mesmo, o próprio herói morre! E volta!

É um tropo que é inerente à própria mídia quadrinhos, serve como motivação, consequência, revelação e conclusão de uma narrativa. Tendo tido meu primeiro contato com os quadrinhos de Invencível pelos meados de 2006, meio que sei “como a banda toca”, e uma das minhas preocupações era justamente como a situação Omni-Man, Mark e Debbie iria ser apresentada. É uma parte que se alonga e vira plot principal por várias edições, por ser algo bem íntimo e extremamente pessoal para ambos personagens. Encaixá-la em poucos episódios junto com um “plot heróico” principal seria um desafio, e então, como a banda tem sempre que servir aos velhos e novos ouvintes, mudaram algumas notas, trocaram alguns ritmos e pronto: uma narrativa em que a morte (de maneira brutal e sem filtros) é o principal condutor.

Porque afinal, até supergente sofre com o sentimento de perda.

Na série, mortes importantes e impactantes podem acontecer a qualquer momento, mas isso não significa que Invencível siga em frente rapidamente. Dupli-Kate (Melise) enfrenta repetidamente a morte devido aos seus poderes de clonagem. Essa situação é a base do relacionamento dela com o Immortal (Ross Marquand), que morreu várias vezes (e voltou!). Apesar da grande diferença de idade entre eles, é uma das relações mais sinceras da série, já que eles podem se identificar com as experiências um do outro com a vida e a morte. Talvez, seja um dos relacionamentos com diferença de idade menos controversos na ficção.

Por isso é tão impactante quando Dupli-Kate parece morrer de vez na estreia da segunda metade da temporada, This Must Come as a Shock (2×05). Essa morte é explorada com calma, com um funeral no episódio seguinte enquanto os Guardiões Globais lamenta. O Immortal é especialmente afetado por sua morte — até mais do que por ex-namoradas perdidas — por causa da forte conexão deles sobre quantas vezes escaparam desse destino e o peso da culpa que isso pode trazer.

Mark (Stephen Yeun) e Debbie (Sandra Oh) continuam enfrentando dificuldades visíveis com toda a situação. Debbie participa de um grupo de apoio para cônjuges de super-heróis, mas é tragicamente rejeitada quando um membro descobre quem é seu marido. Enquanto isso, Mark é assombrado pela luta com seu pai, pelas mortes e destruição que causou, e pelo medo de ser mais parecido com ele do que gostaria. Ele também está fisicamente consciente de que não é tão invencível quanto seu nome sugere, principalmente depois de perder outra luta brutal para uma comandante Viltrumite em I’m Not Going Anywhere (2×07).

Tudo isso culmina no final intitulado I Thought You Were Stronger (2×08), onde Mark enfrenta Angstrom Levy (Sterling K. Brown), um cientista que viaja entre dimensões e perdeu o tato com a realidade, captura Debbie e o meio-irmão de Mark, Oliver, mantendo-os como reféns em troca da vida de Mark. Levy também é atormentado pela morte, tendo testemunhado entes queridos sendo assassinados por “Mark do Mal” em quase todas as outras realidades do multiverso. Levado ao limite, Mark leva Levy através de um portal para uma dimensão alternativa desolada e o enfrenta. Quando finalmente se dá conta do caos que causou, Mark percebe que foi longe demais e matou alguém pela primeira vez. É então que ele soluça a linha devastadora que dá título ao episódio: “Pensei que você fosse mais forte”.

É um espelho do final da primeira temporada, onde Nolan quase espanca Mark até a morte. Esse evento faz Nolan entrar em espiral (como vemos ao longo da segunda temporada), e Mark é ainda mais afetado pelo que fez. O dano irreversível que causou reflete todos os seus maiores medos de se tornar como seu pai, e como parece inevitável sua virada para o mal em todos os outros universos. E, então, há o resultado direto de suas ações: ficar preso em um planeta aparentemente abandonado sem uma maneira aparente de sair. E, infelizmente, se ver confrontado ao conhecimento do quão fácil é pra ele tirar uma vida.

Enquanto isso, num planeta na dimensão presente, até mesmo o pai ausente Omni-Man (J.K. Simmons) está pensando sobre a morte. Escondido no planeta alienígena Thraxa com sua nova família, o antagonista da primeira temporada agora se vê lidando com sentimentos novos e confusos de culpa e responsabilidade. Para sua surpresa, ele realmente se importa com o que acontece com os Thraxanos quando os Viltrumitas aparecem, e até parece ter arrependimentos sobre como lidou com as coisas na Terra.

Enquanto Mark e Nolan estão lutando para entender a morte além da força ou do medo, outros são forçados a abraçá-la e canalizá-la para frente. O agente Donald Ferguson (Chris Diamantopolos) descobre uma verdade aterrorizante sobre si mesmo: ele foi reconstruído como um robô após morrer, com a memória de sua morte apagada. Inicialmente irritado com a Agência e seus agentes por reconstruí-lo sem seu consentimento, Ferguson descobre mais tarde que morreu e foi reconstruído inúmeras vezes, e que foi ele quem decidiu apagar sua própria memória.

Mas, o equilíbrio desses tons é uma das razões pelas quais o enfrentamento da morte na segunda temporada impacta tanto. Ao realmente lidar com todos os elementos ridículos das vidas de super-heróis — o sério, o bobo, o perigoso e o mundano — significa, não apenas, que tudo é possível, mas que a série tem espaço para ser sincera sobre os desafios únicos da vida com superpoderes. É exatamente a sensação de que qualquer personagem pode morrer a qualquer momento que torna as cenas mais descontraídas de Invencível tão divertidas, e a bobagem desses momentos, por sua vez, torna essas mortes ainda mais trágicas. É disso que se trata ser humano, com ou sem superpoderes: equilibrar luto e alegria. 

E não é necessário nenhum tipo de invencibilidade para te ensinar isso.


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