Obs.: Esse texto pode conter leves spoilers da animação Batman: Cruzado Encapuzado
Estreou no serviço de streaming Prime, da Amazon, no último dia 1º de agosto, a mais recente animação do maior detetive do mundo dos super-heróis: Batman: Cruzado Encapuzado (Batman: Caped Crusader, 2024 –). A série é uma coprodução da Amazon Studios em conjunto com a DC e a Warner Bros. Animation. A produção executiva é de J.J. Abrams, Matt Reeves e, claro, Bruce Timm.
Timm foi um dos grandes nomes por trás das animações para TV, da DC, nos anos 90 e 2000. Criou um universo unificado que começou, justamente, com a consagrada animação do mesmo herói, em 1992. Aqui, é possível perceber com muita facilidade o estilo de animação e do traço marcante de Bruce Timm, mesmo que haja uma atenuação nos formatos dos rostos e uma visível refinada nos traços mais angulados aos quais estávamos acostumados nas animações mais antigas.
Para esta primeira temporada foram disponibilizados 10 episódios de, em média, 25 minutos cada. No total, a Amazon encomendou 20 capítulos e a 2ª temporada já se encontra em produção. Em entrevista, Bruce Timm disse estar esperançoso para a renovação de uma 3ª. Segundo ele, a expectativa é que, se a audiência for boa, a série venha a ter uma vida longeva.
Batman: Cruzado Encapuzado não é uma continuação
Cruzado Encapuzado tem severas semelhanças com a série clássica do Morcego dos anos 1990. Ainda mais se levarmos em consideração a ambientação, já que Bruce Timm sempre optou por um cenário de prédios sem janelas e com aparência antiga, noir. Não apenas em Batman, mas, na animação do Superman (Superman: The Animated Series, 1996 – 2000), que tinha cenários bem mais iluminados e contemporâneos, a estética permanecia.
Já na série mais recente, acompanhamos um Batman em começo de carreira, muito próximo do que vimos em Batman: Ano Um (Batman: Year One, 2011), numa Gotham City notadamente dos anos 1940. Os vilões praticamente “nascem” com o surgimento do vigilante e eles nos são apresentados ao mesmo tempo que são apresentados a ele. Ou seja, Batman ainda não os conhece. O detetive está descobrindo seus modus operandi e isso dá um ótimo refresh na sua galeria e inimigos.
Essa espécie de reboot, junto à estética de quadrinhos antigos, traz bastante sentido à existência e um justiceiro no estilo do Batman. Há uma certa lógica que se adequa bastante ao personagem, quando pensamos que sua atuação ainda depende de certas tecnologias que não fariam sentido em cenários mais modernos.
Batman se encaixa muito mais nessa lógica onde cada pessoa da cidade não carrega no bolso um “computador de mão” com câmera, gravador de áudio e zoom em 4K. O clima noir, mais misterioso, num mundo mais antigo e com cores mais sóbrias, é mais aprazível para alguém que combate o crime vestindo uma fantasia de morcego. Somente assim ele conseguiria causar medo, ser obscuro e “caminhar pelas sombras”, ao invés de se tornar uma piada entre os vilões ou não ser descoberto facilmente por qualquer uma das câmeras de segurança que estão espalhadas pelas ruas dos atuais grandes centros
Roteiro? 10! Animação? “Amei, nota 2!”
Ed Brubaker faz um excelente trabalho como showrunner. O desenrolar das tramas, a escolha dos personagens e até as modificações de alguns deles (para versões que podem deixar alguns conservadores rangendo os dentes), são os pontos altos de Batman: Cruzado Encapuzado. É impossível não ficar preso aos mistérios e o final de cada episódio é uma surpresa em particular.
O pano de fundo não é novidade: Bruce Wayne, interpretado por Hamish Linklater na versão original (e com o retorno de Marcio Seixas na versão brasileira), tramita entre sua identidade civil: um ricaço festeiro e pouco preocupado; e sua faceta heroica, que tenta combater a criminalidade ao mesmo tempo que lida com uma cidade corrupta, onde nem a polícia está isenta.
Junto a ele, o comissário Gordon e sua filha, Bárbara, uma advogada, o auxiliam nas resoluções dos mistérios. E temos seu fiel mordomo Alfred Pennyworth, que trata de seus machucados e lhe presta, ainda que indiretamente, auxílio psicológico.
No entanto, é preciso um esforço enorme do roteiro para roubar a cena. É difícil impedir o espectador de não prestar atenção à maneira irritante de se fazer animação que os estúdios Warner escolheram. Algo que se assemelha ao que a Marvel faz em What If…? (2021 –), mas com um disfarce descarado de animação 2D. Como se tentasse simular o “sabor” dos desenhos dos anos 1990, mas com um aspecto robótico e inexpressivo.
Chega a ser desagradável a maneira como os personagens se movimentam. Parecem os bonecos dos jogos da primeira geração do PlayStation. Lembra como era engraçado quando Lara Croft precisava acertar a maçaneta da porta? As articulações são estáticas, como em South Park (1997 –) e quando estão paradas, as pessoas soam como os Bonecões de Olinda. Os braços ficam jogados pra baixo como se cada mão pesasse 27 quilos. Decepcionante!
Lacração em Batman: Cruzado Encapuzado?
Olha, se ainda existe alguém que sonha com o retorno do jeito antigo e se contar histórias, lamento informar: esses dias se foram! É óbvio que ainda temos predominância de certos “padrões de pessoas” nas mídias de massa. Batman, nosso protagonista, continua sendo um homem branco, rico, heterossexual e que corresponde aos padrões de beleza vigente. Mas é uma grata surpresa perceber que os produtores resolveram diversificar o elenco que o rodeia.
Já no primeiro episódio nos é introduzida uma nova Pinguim. Isso mesmo: não há equívoco de artigo, nem de gênero. Pinguim, um dos mais clássicos inimigos do Batman, nesta animação, é mulher. Uma severa contrabandista de armas que trata seus capangas com mão de ferro e não tem escrúpulos nem mesmo quando precisa castigar seus filhos.
E vamos além: o comissário e sua filha (que, futuramente, poderá se tornar a Batgirl) são negros. Na corporação policial, Renee Montoya (criada pelo próprio Timm para a animação dos anos 1990) está presente como uma investigadora abertamente lésbica e que demonstra interesse amoroso de maneira bastante clara. Alfred aparece como um homem gordo, contrastando com a imagem esguia que ele tinha na série de 30 atrás. E Arlequina que, para alguns, é sabidamente bissexual nos quadrinhos, não perde tempo quando quer beijar outra garota. E perdeu seus cabelos loiros, aparecendo aqui como uma mulher não branca (eu não soube especificar sua etnia, ela me pareceu oriental, mas é só meu palpite).
Não sei se, para alguns, isso é um demérito. Para mim foram mudanças bastante positivas.
Coincidência? Acho que não!
Qualquer pessoa que ame animações e tenha vivido a era dos heróis da DC na TV nos anos 1990 e 2000, muito provavelmente vai adorar assistir a esta série. É quase um revival do que vimos, 32 anos atrás, quando eu mesmo ainda nem era um adolescente. O curioso aqui é lembrar que a série animada do Batman estreou no mesmo ano que chegava na Fox Kids o desenho dos X-Men (1992 – 1997). E mais curioso ainda pensar que este ano, poucos meses atrás, essa mesma série animada ganhou uma continuação. Inclusive, perfeita!
Bom, obviamente seria leviano da minha parte fazer qualquer tipo de acusação. Mas é, no mínimo, intrigante que, mais uma vez, as duas editoras transformam em desenhos animados grandes estrelas do seu panteão de heróis no mesmo ano.
Ainda mais se você pensar que, no caso de Batman, mesmo não sendo uma sequência direta do que assistimos décadas atrás, temos o mesmo produtor, o mesmo traço e o mesmo estilho de contar histórias que nos fez apaixonar pela série animada do Batman de 92. E, por consequência, viríamos a acompanhar as aventuras do Superman, do Batman do Futuro, do Zeta, do Super-Choque e, por fim, da Liga da Justiça. Um universo que durou 14 anos e, quem sabe, não seja este o nascimento de outro. Assim, as novas gerações (e as não tão novas assim, por que não?) poderão acompanhar e se apaixonar, da mesma maneira que aconteceu com a gente no passado.
Eu tenho esperança de que possa dar certo. Você tem?
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Gay, Nerd, jornalista e podcaster. Chato o suficiente pra achar que pode se resumir em apenas quatro palavras. Fã de X-Men e especialista em Mulher-Maravilha. Oldschool – não usa máquina de escrever, mas bem que poderia. There’s only one queen, and that’s Madonna!