Invencível – Ser super-herói não poderia ser mais difícil

A princípio, Invencível pode passar aquela impressão de “apenas mais um quadrinho de super-herói” até ser percebido o nome de Robert Kirkman em suas capas. O autor é muito conhecido por ter escrito Ultimate X-Men e é claro, The Walking Dead. Não é exagero considerá-lo um ícone do mundo dos quadrinhos e ter interesse de ler qualquer coisa que tenha seu nome estampado.

Invencível vem de uma safra de histórias em quadrinhos que abordam desde o início dos anos 2000, algo que a televisão e o cinema se interessaram mais recentemente: reimaginar os mundos de super-heróis clássicos da DC Comics e da Marvel Comics, seja de modo mais sério, como paródia, como crítica ou de formas que não imaginamos.  Ambas as editoras fazem isso com suas obras de vez quando, explorando possibilidades, mas é pontual.

Podemos dizer que fazem parte desse nicho também The Boys, The Umbrella Academy, O Legado de Júíter e Black Hammer. Nenhum desses títulos fez lá muito sucesso aqui pelo Brasil fora de sua bolha, mas vários ganharam mais atenção quando suas adaptações foram anunciadas. Foi assim que eu cheguei a Invencível, pela série animada, mesmo tendo sido indicada para eu ler alguns anos antes em uma fila para pedir minha carteirinha de estudante. Mas isso é outra história.

Invencível foi publicada originalmente pela Image Comics e pela finada HQM Editora aqui no Brasil. O quadrinho segue Mark Grayson, um adolescente metade humano e metade alienígena, filho do maior super-herói do mundo, o Omniman. Quando finalmente seus poderes despertam ele decide que quer entrar nesse mundo para ser igual ao seu pai e conquistar um lugar entre os muitos super-heróis que existem.

Eu sei, não parece ter nada de novo, e sinceramente, no quesito história nem tudo é muito inovador. Existem muitas referências na verdade, mas o charme de Invencível está em sua crueza. Mark e seu pai são invulneráveis a armas humanas e a força humana, mas não significa que outras pessoas com poderes não possam dar uma surra neles. Uma surra de verdade, onde temos direito a muita violência gráfica, que nunca é gratuita.

Neste universo de Robert Kirkman, ser um super-herói pode parecer legal a princípio, mas é bem barra pesada. Em quadrinhos tradicionais o Batman ou o Homem de Ferro podem ser ilustrados com alguns arranhões e roxos para mostrar que se machucaram, mas em Invencível, – onde Mark inclusive usa o título como seu nome de herói -, as pessoas ficam com a cara inchada, olhos roxos por bastante tempo e até internadas no hospital, quando não tem alguns membros e órgãos expostos. Civis morrem destroçados enquanto heróis choram por não terem conseguido fazer mais para salvá-los. Eu gosto de dizer que é como seria na nossa vida real, onde coisas dão errado, quase ninguém é salvo de última hora e existe um medo real e genuíno de morrer, seja personagem com poderes ou não.

Isso por si só já torna as histórias de Invencível muito poderosas, junto com personagens muito interessante, mas seu plot principal (que eu não vou entregar aqui mesmo muita gente já sabendo), sendo uma ideia simples ao mesmo tempo que é genial. Temos de tudo, aventuras espaciais, mágicas, interdimensionais, de robôs, de crime organizado e principalmente as clássicas do garoto jovem tentando equilibrar sua vida civil e sua vida secreta.

Mark vai lembrar muito nossos amigos Clark Kent e Peter Parker, mas vai conseguir se diferenciar no aspecto herói, sendo seu pai o herói mais poderoso do planeta, ele tem alguém para alcançar que é muito exigente quanto a isso. O ponto forte de Robert Kirkman afinal é escrever sobre pessoas e isso ele faz muito bem deixando nessa revista seu amor por quadrinhos de super-heróis fica escancarado para o mundo, além de um desejo de explorar mais histórias que as editoras tradicionais muitas vezes não dão tanta atenção. Suas personagens originais, sem alguma referência clara ou específica pré-existente acabam sendo as mais interessantes, como é o caso da queridíssima Eve Atômica

De início os desenhos são simples, mas eficazes, e é visível o investimento maior nisso conforme as edições passam, mostrando o talento impressionante de um de seus ilustradores que quando começou a trabalhar na revista tinha APENAS 14 ANOS! Cory Walker e Ryan Ottley tem um progresso bem grande conforme vão desenhando mais cenários, dando mais detalhes a rostos e muito mais criatividade em caretas e expressões de dor e sofrimento para acabar com nossos corações.

Sendo um quadrinho de 2004, nem tudo envelheceu lá muito bem. A representatividade é mísera e o tratamento das personagens femininas é “clássico” até demais, mesmo as mais interessantes às vezes são resumidas a estereótipos ou tem um desenvolvimento mais raso, sem contar os ângulos que as sexualizam. Tudo isso Kirkman já aprendeu e evoluiu muito como autor, em suas obras posteriores é difícil encontrar esses elementos e isso só fortalece mais sua escrita.

O quadrinho é bem episódico, com a história principal norteando o rumo do que acontece com a maioria, mas o número limitado de páginas faz com que algumas subtramas sofram um pouco, nesse ponto acho que a série animada conseguiu potencializar, desenvolver melhor e entrelaçar bem tudo isso, como uma série realmente pede, mas não seria possível sem um material base muito bom.

Eu não terminei de ler tudo ainda, estou praticamente no mesmo ponto da série, mas peguei alguns spoilers para ter uma noção de onde a história iria dar antes de escrever este texto e posso dizer que ela vai para alguns lugares bem inesperados, mas satisfatórios e bem desenvolvidos.

Por mais que um pouco datada, Invencível ainda vale a leitura para qualquer fã de quadrinhos que aguente um pouco mais de violência. Uma história bem clássica com toques modernos e uma abordagem mais séria que nos faz ter na verdade muito medo de viver em um universo onde seres tão poderosos existem e onde eles talvez sejam os que mais sofrem por conta disso.


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