Figuras no Espelho – Encarando a humanidade e a monstruosidade

No final de 2023, ocorreu no Cinema do Dragão do Mar em Fortaleza, a 13ª Mostra Unifor de Cinema com obras realizadas por pessoas do Cinema e Audiovisual da Universidade de Fortaleza, celebrando os 15 anos do curso de graduação. Entre muitos filmes exibidos estava a obra dirigida por Nathan Ary e Marina Parente, Figuras no Espelho (2023), contando com elementos de horror psicológico e corporal, com um enredo focado em um casal e sua vida em casa. Só há um especial detalhe sobre essa vida em casa, eles tem com eles um monstro, a quem cuidam mesmo contra suas vontades às vezes. 

Pensado como um filme universitário, a obra cuida para trazer elementos narrativos importantes para a criação de um desconforto e terror. Através de recursos criativos e inovadores, talentos universitários criam uma obra peculiar sobre os limites entre humanidade e monstruosidade. 

Analisando essa perspectiva de relacionamento, o fio condutor de nossa história temos a personagem Catarina interpretada pela atriz Yasmim Gomes, uma ex-modelo tentando agora voltar para o mercado. Podemos ver a sua relação com seu marido, um nível de apoio, mas há aquele barulho responsável por incomodar a casa dos dois, aquela responsabilidade obrigatória a qual nenhum dos dois está confortável. Há um certo distanciamento ali se criando entre os dois, mesmo sendo sutil a primeira olhada é que algo cada vez mais não apenas os afasta um do outro mas também de si mesmos. Ela fica cada vez mais incomodada por aquele ser habitando ao seu lar, a levando a certos limites e a machucando até ela mandar seu marido lidar com isso. Esse machucado vai infeccionando, vai atingindo cada vez mais a sua personalidade e a distanciando um tanto de uma humanidade. 

Pensar humanidade é interessante quando temos um monstro na casa, mas esse monstro é a criatura menos monstruosa dessa obra. Pois colocando em perspectiva é um ser vivo a ser cuidado, esse ser vivo só está lá para ser cuidado e não tem culpa de necessitar disso. Isso torna esse ser não merecedor de estar vivo, por ele ser monstruoso? Não temos exatamente uma certeza de onde essa criatura veio, mas podemos ter uma ideia da relação dela com o personagem Gilberto interpretado por Alexandre Bessa. O ator vai se tornando cada vez mais velho, mais cansado e mais apático, perdendo também aos poucos a sua humanidade. Esse efeito é aos poucos mostrado dentro do filme, através de uma bela maquiagem feita por Monique La Rouge e Lucivan Moura.

Esse lar dos dois é amaldiçoado por essa perpetuação constante – o Monstro é interpretado pelo veterano ator cearense Giovanni Marsallis –, por essa criatura mantida ali escondida dos demais com uma aparência abominável. Até chegar o ponto onde não é apenas só sobre eles, isso começa a afetar outras pessoas e isso gera um maior desconforto especialmente para Catarina. Afinal, temos aqui uma mulher tentando recuperar sua carreira de modelo e isso é um obstáculo em seu caminho. Aliado a sua vontade de voltar à uma vida do passado, uma carreira do passado de difícil entrada após um certo tempo e então existe essa criatura que a incomoda e começa a atrapalhar a sua própria vida. O ponto de rompimento da personagem não veio de seu ferimento, veio exatamente da exposição dessa criatura. 

Aparência. Figuras no espelho. Aquilo que os outros veem se torna o fator decisivo para nossa protagonista até o ponto onde ela se sente impulsionada a fazer algo. Quando a pressão domina, então algo extremamente longe de uma decência ou ética humana e fica a questão: Quem é o monstro de verdade?  Cada vez mais podemos ver obras cearenses de terror sendo feitas, é de se esperar muito mais visibilidade a essas obras e a valorização dos profissionais envolvidos na realização das mesmas. É importante ressaltar a importância de cada vez mais podermos ver o cinema universitário explorando diferentes gêneros cinematográficos de forma criativa, buscando sua identidade em meio a um cinema cearense ainda se estabelecendo.


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