Fallout: 1° Temporada – A fórmula de uma ótima adaptação de jogo

Não existe uma fórmula mágica para se fazer uma boa adaptação, seja de série, seja de filme ou qualquer outro formato do audiovisual. Talvez o melhor caminho para começar a fazer algo certo seja inicialmente através do respeito. Respeito ao material original e à criatividade de adaptar uma narrativa conhecida sem que a aura se perca no meio do desenvolvimento ou nas possíveis licenças criativas que ocorrem nesta transição.

Dito isto, parece que a maldição das adaptações de jogos de vídeo game foi quebrada dos últimos anos para cá. Apesar de haver algumas obras duvidosas no meio do caminho, ficou claro que a adaptação da HBO, The Last of Us (2023 -), em formato de série surgiu como parâmetro de como fazer a migração de jogo para outra mídia audiovisual da maneira correta. 

É nesta pegada que a nova série da Prime Video estreou este ano. Fallout (2024 -), estreou cercada de altas expectativas, muito por conta de ser baseado em um dos jogos mais celebrados da atualidade e possuir uma legião de fãs fervorosos. Desta forma, o seriado tinha uma missão importante de entregar algo decente, além de começar a oferecer um novo sucesso para o streaming da Amazon. Será que deu certo?

Pessoalmente, posso dizer que sim. Na minha visão de leigo deste universo, tudo parecia novo e intrigante no piloto “The End” (1×01) que dá o pontapé a trama que se passa 218 anos depois de um apocalipse focando na história da inocente Lucy (Ella Purnell), uma pacifica habitante de um refúgio subterrâneo que depois de um ataque, é forçada a se aventurar na superfície numa missão de resgate cheio de perigo numa terra devastada.

Os três primeiros episódios são dirigidos por Jonathan Nolan, que assim como sua parceira Lisa Joy, são também produtores executivos da série e dão suporte aos criadores Geneva Robertson-Dworet e Graham Wagner, desta forma sentimos um tom bastante ambicioso lembrando inclusive o seriado Westworld (2016 – 2022) da HBO, mas com uma vibe menos séria e mais aventuresca com pé na ação.

Confesso que o piloto apesar de bem executado e bem dirigido, foi bastante confuso, principalmente se você como público não conhece nada da história. Além da trama do refúgio, somos apresentados ao personagem Necrótico (Walton Goggins) e também ao personagem Maximus (Aaron Moten) soldado de uma legião chamada “Irmandade”. A narrativa é certeira em apresentar estes tipos peculiares, mas as vezes joga muita informação para ser absorvida e alguma coisa acaba se perdendo no caminho.

A série ao meu ver começa a se assentar nos episódios “The Target” (1×02) e “The Head” (1×03), onde a narrativa parece entender o tom que quer seguir e começa a oferecer de uma forma mais cuidadosa mais peças neste complexo quebra-cabeça em uma expansão de mitologia e universo que se torna o ponto forte desta primeira temporada. Uma vez que a parte fantástica está bem equilibrada, a parte conspiratória começa a aparecer nas entrelinhas antes de virar o foco.

Talvez o que torne Fallout tão atrativa, seja o fato de ficarmos bastante curiosos sobre o antes e depois do Apocalipse, as informações vão sendo inseridas aos poucos e as temáticas políticas, científicas e éticas começam a desconstruir a índole de alguns personagens, além de abrir os olhos de outros para verdades que vão sendo reveladas no decorrer do seriado.

Tudo é de encher os olhos e com o toque de midas da dupla Jonathan Nolan e Lisa Joy na produção, parece ter criado o entretenimento ideal que equilibra o blockbuster descerebrado com o refinamento narrativo que não subestima a inteligência do expectador e o desafia a embarcar numa trama que parece ter um senso de novidade muito grande a cada novo episódio, sempre com uma informação relevante criando surpreendentes reviravoltas, como podemos ver no ótimo “The Ghouls” (1×04).

Em termos de produção, gosto muito da ambição que a série tem e parece que o orçamento pomposo fica muito evidente na tela, seja nas criaturas estranhas que aparecem pelo caminho, seja nos cavaleiros de armadura lutando e voando, seja nas diversas sequências de ação que permeiam o seriado. Os efeitos visuais e práticos são decentes, a ambientação é deslumbrante, bem como os figurinos e a maquiagem dos necróticos, a trilha sonora dá um charme nostálgico e uma vibe meio retro-futurística que deixa tudo ainda mais caprichado.

Enquanto a primeira metade da série é muito sobre construção e jornada de alguns personagens, a segunda metade começa a conectar os pontos e abre espaço para respostas em meio a um iminente conflito que gera episódios bacanas como “The Past” (1×05) e “The Trap” (1×06). É onde também o elenco começa a se destacar e consolidar seus respectivos protagonismos.

O ator Walton Goggins está ótimo no papel do vilanesco, mas nem tanto, Necrótico, um anti-herói bastante interessante que vai ganhando nossa atenção muito pela presença de tela de Goggins. O ator Aaron Moten me deixou dividido, mas na maior parte do tempo manda bem como controverso Maximus, que acaba encontrando um tom mais cômico e carismático perto do final.

De todos estes, Ella Purnell é o maior destaque, a atriz é a aura da série, além de oferecer uma inocência palpável misturada com inteligência e força, sua personagem tem um crescimento e um despertar estupendo durante toda a narrativa servindo inclusive como os olhos do expectador na descoberta desse universo misterioso. 

Por tudo que foi falado, Fallout é uma das grandes surpresas do ano até o momento, um entretenimento ambicioso, narrativamente equilibrado, que inicialmente causa uma certa estranheza e demora um pouco para encaixar no humor, mas nos ganha pela consistência técnica e a competência na forma como apresenta seu universo. Os episódios “The Radio” (1×07) e o final de temporada “The Beginning” (1×08) mostram não só que estamos diante de uma aventura única, mas também de um produto bem acabado que une qualidade e ação de primeira estabelecendo um novo patamar para adaptações de jogos, com potencial para ser uma das melhores desta década.


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