X-Men: O Filme – Procurando o material de origem, não deu pra encontrar

Na década de 90 houveram algumas adaptações de X-Men, uma equipe de heróis criada em 1963 por Stan Lee e Jack Kirby. Uma das adaptações foi a animação X-Men: A Série Animada (X-Men, 1992 – 1997), que foi bem recebida e responsável por popularizar a equipe de heróis mutantes para o público não leitor de quadrinhos. Outra adaptação foi o filme direto para a televisão Geração X (Generation X, 1996), adaptando uma das muitas equipes de mutantes nos quadrinhos, mas devido ao baixo orçamento e outros fatores não foi recebido muito bem. 

Graças a animação ter sido tão bem recebida e popularizada entre o público, em 1994 a 20th Century Fox (hoje comprada já pela Disney) comprou os direitos da equipe para o cinema e começou a desenvolver roteiros para um filme. Anos, muitos anos, se passaram antes de fecharem com um nome para a direção, diretores como Brett Ratner, Robert Rodriguez e Paul W. S. Anderson foram nomes cogitados para a direção. No final, o diretor Bryan Singer, que buscava fazer um filme de ficção científica – que inclusive recebeu do estúdio a oferta para dirigir Alien: A Ressurreição (Alien Ressurection, 1997) -, foi quem terminou dirigindo o primeiro filme da equipe mutante para os cinemas. 

Apesar de não gostar da ideia de dirigir um filme de quadrinhos, Singer terminou por se envolver mais com o projeto após compreender mais acerca dos temas sobre preconceito com os quais a equipe lidava nas HQs. Não apenas nos quadrinhos, desde a própria animação dos anos 90 era bem frequente ressaltarem como as lutas enfrentadas por mutantes tratavam sobre preconceito, representando lutas sociais de nosso mundo real. O apego do diretor pelas lutas sociais está totalmente presente no filme, sendo uma das coisas que mais aproxima a obra do material de origem.

Falando sobre material de origem podemos chegar ao foco deste texto, pois o filme de Singer se comprometeu muito a ser um filme de ficção científica e cumpre bem esse objetivo, mas deixa de lado muitas características essenciais sobre seus personagens. É como se o filme se baseasse em resumos de menos de uma linha sobre cada personagem e os trouxesse para o live action. Vampira (Anna Paquin) foi utilizada na história pelo simbolismo de seu poder não a deixar encostar em ninguém e misturada com características de Jubileu e Kitty Pryde dos quadrinhos – daí o laço paternal de Wolverine (Hugh Jackman) com ela. 

Fora não poder tocar ninguém, foi tudo retirado da personagem. Afinal, nem seus poderes seguem a mesma lógica do material de origem, pois tanto nos quadrinhos quanto nas animações a Vampira absorve as memórias, energia vital e poderes de quem toca. Nos filmes nunca foi nem de longe mencionado a parte das memórias, isso inclusive teria dado arcos mais interessantes a ela fora “não posso tocar ninguém”. Outra parte totalmente ignorada da personagem foi seus verdadeiros laços familiares, pois ela é originalmente filha adotiva das líderes da segunda formação da Irmandade de Mutantes, Mística e Sina. Mística está no filme interpretada por Rebecca Romijn, mas assim como outros personagens, sem qualquer ligação com sua personalidade ou história original. Seus laços com Vampira? Nada. Líder da Irmandade? Nada. Ela é só mais uma capanga de Magneto (Ian McKellen). 

Usar Logan (Hugh Jackman) como foco do filme inclusive foi uma ideia muito boa, teria sido melhor caso não tivesse se estendido para o resto da franquia e nenhum outro personagem tivesse chance de se destacar. Mas o pior é pensar no fato de um dos maiores rivais de Logan estar no filme e não haver menor indício da relação de rivais prévia ou futura dos dois, pois Dentes de Sabre (Tyler Mane) só é um animal de proteção para o vilão principal do filme. Particularmente não sou fã da rivalidade entre os dois nos quadrinhos, desenhos, onde seja, mas o tratamento de Dentes de Sabre no filme é mais um dos fatores que me fazem questionar se houve uma pesquisa sobre o material de origem desses personagens de fato. 

O filme foi muito bem recebido pelo público, longe de mim falar sobre como é um filme ruim, mas é importante pensar em como a obra se afasta e muito da essência dos X-Men, dos personagens, da família, criados por Stan Lee e Jack Kirby. Principalmente quando os personagens de James Marsden e Famke Janssen (Ciclope e Jean Grey) foram reduzidos a um casal onde o protagonista se coloca no meio. Inclusive, a adaptação cinematográfica foi uma das piores coisas a acontecer com Ciclope desde sua origem, o distanciando do papel de líder dos X-Men e seu importante papel para a luta dos mutantes. É de se esperar uma melhor adaptação para mostrar mais do personagem para o público geral, pois o mesmo tem uma vasta história e personalidade para além de estar em um triângulo amoroso e ser um bundão. 

Já pela senhorita Grey, sua personagem possui uma frequente história de ser enfraquecida quando não relacionada ao seu alter-ego – que viria a surgir do segundo para o terceiro filme. Mesmo assim, quadrinhos como O Retorno de Jean Grey e X-Men Red Volume 1 mostram bem como a personagem é poderosa sem os poderes da Fênix e até mesmo sem seus “interesses amorosos”. Personagens femininas não são o forte da franquia, mas considerando quando esse filme foi feito não é como se as narrativas de personagens femininas fossem para além de donzelas em perigo, interesses amorosos, vadias e etc. Inclusive, importante notar como a Tempestade do filme, imortalizada por Halley Berry, não possui de fato um arco, apenas uma troca interessante com o Senador Kelly (Bruce Davison) sobre ser mutante. Lembrando como a personagem originalmente, em todas as mídias prévias ao filme, foi cultuada como uma deusa, reconhece e ama seus dons e contato com a natureza e é marcada por sua claustrofobia. Mais uma vez, nada disso está ali no filme, apenas o cabelo branco e o controle do tempo. 

Embora tenha sido extremamente importante para o ressurgimento para o gênero de quadrinhos e filmes de super-heróis nos cinemas, se torna importante no ano de 2024 pontuar o quanto a obra de Singer de fato se aproxima mais da ficção científica, tão desejada pelo diretor, e se afasta do material de origem, e muito. Inclusive, o filme ser uma ficção científica funciona muito bem, mas a obra ganharia muito caso as pessoas envolvidas tivessem tido a decência de conhecer mais profundamente a obra na qual se basearam.


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