Mamonas Assassinas: O Filme – Ser levado a sério é superestimado

Se você está vivendo e é do Brasil, você já ouviu falar de Mamonas Assassinas. A banda foi uma das precursoras do rock cômico, é até hoje a banda brasileira que mais vendeu discos em sua estreia e esse álbum segue como um dos 10 álbuns mais vendidos do Brasil de todos os tempos. Infelizmente sua trajetória foi mais curta do que deveria, com seus cinco integrantes falecendo em um trágico acidente de avião, mas seu legado permanecendo vivo até hoje com até mesmo o DJ Alok tendo feito um remix com uma de suas músicas recentemente. É essa maluca história que Mamonas Assassinas: O Filme (2023) busca contar.

O ano passado foi um ano repleto de cinebiografias de personalidades nacionais, tivemos Meu Nome é Gal (2023), Angela (2023), Mussum, O Filmis (2023) e Nosso Sonho (2023) e no meio desses grandes nomes Mamonas Assassinas: O Filme conseguiu espertamente seu espacinho no final do ano, depois de todos terem estreado para mostrar esse filme que deu tanto trabalho para ficar pronto e falar sobre esses cinco meninos de Guarulhos.

Um legado muito maior do que oito meses e um LP

Como boa brasileira eu cresci ouvindo sobre esses rapazes que faleceram poucos anos antes de eu nascer. Assisti as mesmas reportagens e imagens de shows todos os anos no aniversário de morte deles, assisti especiais e documentários contando sua história e ouvi as músicas deles na minha adolescência assim como minha mãe ouviu na dela e agora a afilhada dela está ouvindo. 

Você também deve conhecer, mas o caso de não conhecer: Mamonas Assassinas foi uma banda composta por Dinho, Júlio Rasec, Bento Hinoto, Samuel Reoli e Sérgio Reoli que estourou em 1995 com o lançamento de seu primeiro e único álbum, fizeram shows pelo país inteiro, apareceram incansavelmente em programas de auditório na televisão incluindo Domingão do Faustão, Domingo Legal, Programa Livre e Xuxa Park, chegaram a ser destaque da capa da revista Billboard até que em 1996 o avião onde estavam saindo de Guarulhos se chocou contra a Serra da Cantareira, não deixando sobreviventes. Tudo isso em apenas oito meses.

E o mais maluco nessa história inteira, é que eles fizeram isso com músicas repletas de erros gramaticais, piadas infames, falando sobre passar dificuldades, cantando em diferentes vozes e sotaques em meio a bandas que estavam em seu auge como Angra, Chico Science & Nação Zumbi no ponto mais alto do manguebeat, CPM 22, Paralamas do Sucesso, Raimundos, O Rappa, Sepultura e Skank. Fora que se torna um ato político ainda mais forte quando notamos que esses rapazes vindos de muita ralação se infiltraram em uma MPB, música popular brasileira, que é tomada por pessoas ricas, sejam pessoas simplesmente com dinheiro e condições para investir na empreitada musical como descendentes de músicos e poetas famosos que continuavam a fazer trabalhos tecnicamente excepcionais para uma elite cultural e intelectual.

Money, que é good, nóis não have

Ironicamente a história de uma banda sem quase nenhum dinheiro no bolso, que teve que fazer bicos por meses para juntar dinheiro para gravar seu álbum, foi contada por um filme sem quase nenhum dinheiro no bolso. Dirigido por Edson Spinello, antigo diretor de novelas da Rede Globo que posteriormente foi para a Rede Record, com roteiro de Carlos Lombardi, antigo roteirista de novelas também da Globo e produção de Walkiria Barbosa, produtora de diversos filmes de comédia e comédia romântica.

De início, essa produção seria uma série da Record que sairia em 2016 em tributo aos 20 anos do acidente. Porém, depois a emissora voltou atrás alegando não ter dinheiro e o filme não tinha sido aprovado pela Ancine para captar recursos, mas as fofocas dizem que aconteceram desentendimentos com as famílias dos integrantes com relação ao roteiro, o que parece possível, já que existem entrevistas de Carlos Amorim falando que tinha escrito os episódios sem falar com as famílias por querer sua liberdade. A 20th Century Fox Brasil acabou saindo do projeto também e só em 2018 a Record nos informou que ele tinha sido retomado e algum tempo depois de algum modo se tornou um filme, dizem que o roteiro foi reescrito várias vezes, os episódios picotados e aí pronto, um filme!

A impressão que dá é que a Record, Amorim e Spinello saíram de porta em porta batendo e pedindo um dinheirinho para finalizar a produção, e isto é muito visível, em cada cena. Os cenários não são apenas repetidos várias vezes, o palco onde acontece um show na praça é o mesmo palco em que acontecem todos os outros, a direção de arte se esforça, mas não teve verba para recriar os anos noventa com propriedade.

O que dá força é o apoio das famílias, aparentemente antes desrespeitadas, agora peça chave para ajudar, primeiramente com imagens de arquivo pessoal, já que a obra não conta com material de arquivo de nenhuma emissora. Esse tipo de gravação precisa ser comprado, mas era de se esperar que pessoas tão antigas na televisão conseguissem alguns contatos para cobrar favores, mas se esses contatos existem, não conseguiram nada.

O apoio também garantiu elementos que trazem charme ao filme, como o vestido usado na performance de Robocop Gay ser o mesmo que Dinho usou na vida real, a própria bateria de Sérgio foi usada e acredito que talvez algumas fantasias também sejam relíquias guardadas.

O filme foi o que deu pra fazer, e sinceramente, isso não é muito mamonas?

Cinco meninos talentosos, por cinco meninos talentosos

O que carrega esse filme é completamente o elenco principal.

Ruy Brissac, que ganhou prêmio Bibi Ferreira de ator revelação pelo papel de Dinho no Musical Mamonas retorna para reprisar o papel e essa pode ter sido a melhor decisão de todas, visto que o vocalista era a personagem mais difícil de se interpretar, então colocar no papel alguém que não apenas canta e se parece com Dinho, mas que já está habituado aos seus trejeitos e manias foi muito certeiro.

Adriano Tunes que está na série Eu, a Vó e a Boi (2019) do Globoplay e já participou de musicais interpreta Samuel e Rhener Freitas que participou da série Bia (2019-2020) do Disney Channel interpreta seu irmão Sérgio. Robson Lima, também ator de teatro e musicais é quem encarna Julio e Beto Hinoto estreia na atuação interpretando o próprio tio, Bento, com quem compartilha uma semelhança que antes assustava a família e agora vem impressionar o público.

Com uma curta preparação de elenco de cinco semanas para entender melhor os integrantes da banda acompanhados de perto pela família e uma dedicação que fez Rhener e Adriano aprenderem a tocar respectivamente bateria e baixo em um mês e meio, esses homens entregaram apenas tudo, eles são a banda pura e simplesmente, encarnando sua irreverência e espontaneidade como não se poderia imaginar.

Uma vez diretor de novela, sempre diretor de novela?

A direção de Edson Spinello é muito fraca. Parece que ele aprendeu apenas a dirigir novelas e não possui a sofisticação que um longa-metragem de cinema requer. Não é uma direção ruim, ela só não é uma direção que funciona para filmes, é direção de folhetim, de quem precisa gravar rápido e em grande quantidade. A fotografia lavada e clara, os cenários mostrados sempre no mesmo sentido como uma série sitcom e as conversas sempre em plano contra plano, revelam uma falta de experiência com longas-metragens, mas uma habilidade inegável para falsear a falta de dinheiro, isso tenho que admitir, o cara sabe tirar leite de pedra nesse sentido.

A montagem não ajuda muito, na maior parte parece que as cenas foram gravadas em oitenta ângulos diferentes e o diretor quis usar todos eles, lembrando a confusa montagem de Bohemian Rhapsody (2018). Quando deixaram a montagem trabalhar livremente, ela consegue render bons momentos, como quando as músicas estão sendo compostas e inserts delas sendo cantadas em shows entram aos poucos revelando seu resultado final.

Definitivamente um filme da Rede Record

Infelizmente não apenas a direção é “novelística” como o roteiro também. Com direito a alguns diálogos bregas e uma falta de palavrões que só pode vir de um filme vindo da Rede Record, sem contar o machismo. O grupo deve ter vivido umas histórias bem bizarras com namoradas e ficantes, mas todas as mulheres mostradas nessa história são estereótipos de mal gosto que se tornam quase que vilãs.

Fora que essas tramas de relacionamentos completamente irrelevantes que surgem do absoluto nada ficam totalmente jogadas, em uma série até poderiam ser desenvolvidas melhor, mas para um filme falta entender no que realmente se focar, como por exemplo, em como as músicas surgiram, que na trama parecem ter sido obra de inspirações milagrosas.

O filme se foca obviamente em Dinho e permite aos irmãos Sérgio e Samuel terem um pequeno arco, mas como sempre quando essa história é contada, Julio e Bento – em especial Bento, o único integrante que não é branco nesse grupo – são deixados completamente de lado e se tornam quase que apenas uma notinha de rodapé nessa conversa.

Algumas liberdades foram tomadas na hora de retratar alguns personagens, como a personagem Enrico Costa que seria na vida real o produtor Rick Bonadio, mas além de muito mais velho que sua inspiração na vida real, é retratado como um playboy chato e esnobe e Rick, sempre muito afiado  com seus comentários, não deixou de reclamar disso. Mas a narrativa criada pelo filme, acaba precisando de alguém para cumprir esse papel de guru.

As duas últimas namoradas de Dinho foram simplificadas na figura de Adriana, que parece quase bipolar com algumas das coisas que faz e diz e nos faz questionar porque Dinho segue naquela relação. Acredito que essa decisão foi tomada pelo conflito que existe entre as duas figuras reais que ela inspirou. Mirella, que namorou o vocalista da banda por três anos antes de ele se relacionar com Valéria, com quem estava quando faleceu. Esse assunto gera muita fofoca até hoje, ambas consideram Dinho o amor de suas vidas, Mirella até escreveu um livro sobre o relacionamento que saiu pouquíssimo tempo depois do acidente e quem leu relata que basicamente ela quer se colocar acima de Valéria. Mas todes que viram Valéria com Dinho ainda em vida confirmam que os dois eram muito apaixonados. Apesar de ela ser praticamente da família até hoje, ser a “viúva oficial” e nunca ter se casado, talvez tenha sido melhor mesmo não mexer nesse vespeiro.

Ah, os anos 90…

A nostalgia bate forte quando assistimos ao filme e me fez pensar como muito do que fez o sucesso dos Mamonas deu certo por ser naquela época específica, hoje para fazer um sucesso como o deles, nesse estilo, seria algo completamente diferente. Usar fantasias que tem direitos autorais em shows enormes? Pedir por processo. Se vestir de mulher como deboche em um país onde algumas das artistas mais famosas são drag queens? No mínimo, tosco. Deixar crianças ouvirem essas letras e irem a shows dessa banda? Essa parte pode até ser, eu me sinto uma velhota moralista quando vejo vídeos de uma multidão de crianças em certos shows por aí.

Vale citar Eduardo Vicente, no artigo Segmentação e Consumo: a Produção Fonográfica Brasileira – 1965-1999, “aparentemente, o fenômeno Mamonas demarcou uma tendência diferenciada na canção infantil, pela qual o visual clean e as letras inofensivas de apresentadoras (como Angélica, Xuxa e Eliana) foram substituídas pela incorreção política (e gramatical), pelas expressões de duplo sentido e pela aparência quase ofensiva de figuras como Tiririca.”

Era uma época propícia demais para eles e ela passou, nós ainda gostamos entendendo isso, mas certas coisas não voltam mais e é bom ter noção disso, olhar criticamente para essa década tão inexplicável.

O impossível não existe

Os Mamonas Assassinas mereciam um filme mais requintado tecnicamente e com mais investimentos? Com toda a certeza. No entanto, ao que parece, ninguém se interessou em fazer antes e essa obra lutou para existir, tal qual como a banda e assim como ela alcançou um sucesso impressionante.

Sim, o filme é levado nas costas por seu elenco cativantes, mas é muito melhor e empolgante do que as obras tristes que contaram essa história até então. Ele mostra como essa história não precisa ser sobre cinco meninos de Guarulhos que começaram a fazer sucesso e tiveram suas vidas interrompidas ao bater na Serra da Cantareira, ela pode ser sobre cinco meninos talentosos que lutaram para ser vistos e nós pudemos vê-los antes que fosse tarde demais e sim, tudo isso foi interrompido, mas não significa que não tenha valido a pena. Em minha opinião, prestigiar essa homenagem que não tem um tom triste e “coitadista”, é muito importante.

Aparentemente depois de o filme ser um sucesso, a Record voltou com a ideia da série que começou a ser filmada em parceria com a Sony Pictures Brasil e a Total Filmes. Se vai ser mesclado material do filme com os novos, não ficou muito claro, mas ao que tudo indica todo o elenco do longa será mantido. Pessoalmente acho que teria sido muito mais interessante com investimentos e parcerias fazer uma minissérie do zero, de preferência caso fosse possível com parceria com alguma plataforma de streaming, tirando esse projeto das mãos da Record, mas uma coisa é o que queremos e outra é o que temos. Resta esperar pelo melhor.

O musical precisa organizar uma super turnê nacional para ontem, com a atenção do filme seria um sucesso estrondoso, seria preciso fazer sessões extras e etc.

No mais, Mamonas Assassinas: O Filme pode não ser tudo o que queríamos, mas foi o que conseguiu ser feito e pelo menos nos tira uma imagem de morte e tristeza ligada à banda e deixa um sentimento mais leve ao final.


VEJA TAMBÉM

Mussum: O Filmis – Mais do que um trapalhão, um filho

Minha Irmã e Eu – Uma história de fraternidade para rir pencas