Não existe idade mais imprevisível do que a juventude pré-adolescente, idade esta em que estamos deixando a infância para trás e chegando perto da adolescência, o último passo para nos tonarmos adultos. As experiências desta idade são incontáveis e imprevisíveis, principalmente se sua família não é detentora de muitos recursos financeiros vivendo momentos de instabilidade que normalmente são ponto de ignição para tudo mudar de uma hora para outra.
A minissérie drama Garoto Devora Universo (Boy Swallows Universe, 2024) aborda exatamente esta fase da vida contando a história de Eli Bell (Felix Cameron), que vive na cidade australiana de Brisbane nos anos 80. O garoto embarca em uma odisseia suburbana de amor, redenção e retribuição com o irmão seletivamente mudo Gus (Lee Tiger Halley), após a família ser destruída por um traficante de drogas.
Esta obra é baseada em um livro semi-biográfico de mesmo nome escrito por Trent Dalton, explorando o gênero “coming of age” de uma forma bastante pura e ao mesmo tempo sem medo de mostrar os perigos da vida pelos olhos do jovem Eli. A minissérie tem apenas sete episódios, mas é bom salientar que a trama criada por John Collee, roteirista de Mestre dos Mares: O Lado Mais Distante Do Mundo (Master and Commander: The Far Side of the World, 2003), demora um pouco para realmente mostrar a que veio.
Talvez pelo fato de a narrativa não apressar eventos, apresentando os personagens que serão pontos chaves para o crescimento de Eli ao longo do tempo, como sua mãe Frances (Phoebe Tonkin), que possui problemas com drogas, seu padrasto Lyle Orlik (Travis Fimmel), que trabalha como traficante na região sem que família saiba, ou o amigo da família, o senhor Slim (Bryan Brown), até mesmo o pai ausente Robert Bell (Simon Baker), todos parte da formação que o garoto recebe no dia-a-dia.
É neste piloto “Garoto Cheira Rato” (1×01) que a série mostra uma produção bem cuidada, um texto simples e uma trama pré-adolescente cativante, porém um pouco contida demais para mostrar o verdadeiro potencial do mundo descrito no livro de Trent Dalton. Existe também um elemento fantástico na história representado por um telefone vermelho guardado em uma espécie de porão que atiça o expectador com um mistério no mínimo intrigante.
À primeira vista Garoto Devora Universo se mostra interessante ao apresentar um senso de novidade e uma vibe bastante “Sessão da Tarde” por assim dizer, porém a minissérie ganha contorno mais eficiente no episódio “Garoto é Decepado” (1×02), onde a trama realmente toma fôlego e surpreende ao equilibrar bem drama e suspense revelando uma sequência final ousada e chocante.
É a partir deste ponto que a minissérie se torna algo promissor de acompanhar e se emocionar. Os episódios “Corre garoto, corre” (1×03) e “Garoto perde pai” (1×04) são cercados de reviravoltas, inseguranças e incertezas enfrentadas por Eli e Gus quando o sumiço do padrasto e a prisão da mãe vira a trama de cabeça para baixo numa intensa rede de conflitos cercados por um escopo maior que vai se formando nas entrelinhas.
Sem revelar muito, gosto como o texto de John Collee é sensível, cativante e sem receios de colocar esses garotos no meio do perigo e usar a inteligência dos mesmos para que encontrem soluções para sair das enrascadas que se metem. Outro ponto é a forma como o roteiro consegue de forma eficiente usar o carisma de Felix Cameron como alma da série.
Fica muito claro que o moleque falastrão tem um talento nato para atuação, tornando seu Eli uma criança inconvenientemente carismática, conseguindo passar doçura e emoção em cada cena que aparece. Seu melhor momento é no excelente e já citado episódio 4 e também no episódio de transição “Garoto Tenta Fugir” (1×05), onde temos também os dois dos melhores episódios da minissérie, o primeiro pelo apelo emocional e o segundo ampliando ainda mais a teia de mistérios envolvendo o desaparecimento do padrasto.
Talvez chegue a um ponto em que a minissérie corra um risco, quando avança no tempo, mas é surpreendente que mesmo perdendo parte do charme, a reta final do seriado continua eletrizante, como podemos ver no episódio “Garoto Procura Trabalho” (1×06), desta vez abraçando temáticas mais adultas que foram limitadas por conta da juventude de Eli. O drama continua lá, mas o suspense e a tensão começam a aumentar quando o garoto crescido ganha o primeiro emprego e começa a chegar no fundo do mistério que cercou toda sua história até aquele ponto.
O seriado fala muito sobre infância, deficiências humanas, perda e luto, assim como injustiça e a luta pela verdade, que são temas clichês, mas universais o suficiente para carregar a trama na reta final. Enquanto a parte fantástica se mantém à deriva da narrativa, as transições dos sonhos de Eli, misturado com sua imaginação ajudam a dar um ar lúdico a história dando a impressão de que algo extraordinário esta preste a acontecer, principalmente por conta de Gus, que parece ter um dom especial.
É através destas características chave que o magnífico episódio final “Garoto Encontra Fim” (1×07) resulta na coroação de uma narrativa gostosa de assistir, que mostra que Garoto Devora Universo é um produto diferenciado que merece ser assistido e apreciado. Apoiado em atuações consistentes com destaque para Felix Cameron, Phoebe Tonkin e Simon Baker, o seriado é uma vibrante montanha russa de emoções que intercala drama, suspense e thriller investigativo de uma forma surpreendente com um texto tocante e lindíssimo, mostrando a qualidade ímpar dessa produção australiana que se você der uma chance, vai te surpreender.
VEJA TAMBÉM
Irmãos Sun – Resgatando a velha e boa porradaria chinesa
Avatar: O Último Mestre do Ar: 1ª Temporada – Muito carisma, mas muito chroma key também
Engenheiro Eletricista de profissão, amante de cinema e séries em tempo integral, escrevendo criticas e resenhas por gosto. Fã de Star Wars, Senhor dos Anéis, Homem Aranha, Pantera Negra e tudo que seja bom envolvendo cultura pop. As vezes positivista demais, isso pode irritar iniciantes os que não o conhecem.