Aquaman e o Reino Perdido – Um caldeirão de excessos

Jason Mamoa é Aquaman. Imagem: Warner Bros/ Divulgação

O universo DC, em sua maioria produzido por Zach Snyder e sua esposa Deborah Snyder, nasceu em 2013, não apenas para ser uma resposta ao bem sucedido Universo Cinematográfico da Marvel. Era também para que a Warner Bros finalmente criasse uma casa que abrigasse os ícones Superman, Mulher-Maravilha, Batman e outros super-heróis em um projeto que resultaria na Liga da Justiça (Zack Snyder’s Justice League – 2021). Foi com o barulhento Homem de Aço (Man of Steel – 2013), que recebeu críticas divididas, mas foi abraçado pelos fãs, que tudo começou.

Após 10 anos de altos e baixos, o Universo Cinematográfico da DC (DCEU) entrou num colapso sem volta em 2023, com os fracassos significativos de Shazam! Fúria dos Deuses (Shazam! Fury of the Gods – 2023) e o bizarro The Flash (2023). Com Besouro Azul (Blue Beetle – 2023) passando de ano positivamente por pouco, restou apenas para fechar de uma vez por todas esta saga iniciada lá atrás, tendo como maior sucesso Aquaman (2018), que ainda é maior bilheteria da história do DCEU, sua sequência, Aquaman e o Reino Perdido (Aquaman and the Lost Kingdom, 2023).

O longa teve vários rumores sobre estouro de orçamento, sessões testes fracassadas e refilmagens inesperadas para corrigir os rumos da história. Além dos bastidores turbulentos com a questão de Amber Heard, que estava queimada na mídia devido ao julgamento com ex-companheiro Johnny Depp e foi boicotada por uma parcela de fãs que exigiam que as cenas filmadas com a atriz fossem cortadas. Isto tudo era apenas uma síntese do quão bagunçado era o DCEU e o quanto seu desfecho se tornou agonizante.

Aquaman e o Reino Perdido. Imagem: Warner Bros/ Divulgação

Ainda com todos esses problemas internos e externos, o longa dirigido por James Wan, de Maligno (Malignant – 2021), finalmente estreou em dezembro nos cinemas. Menos de um mês depois já foi disponibilizado pela Warner em algumas plataformas digitais (provavelmente chegará na HBOMax entre fevereiro e março) para aluguel e compra. Mesmo que ainda esteja em exibição em alguns países pelo mundo, gerando sólidos US$ 412 milhões de bilheteria até o momento.

A verdade é que “Aquaman e o Reino Perdido” é uma despedida melancólica, ainda que tente ser tudo, menos isto. Uma aventura aquática honesta que peca pelos excessos e também mostra dois lados de James Wan para este universo do personagem. Por um lado, o diretor mostra durante todo o tempo da narrativa que Aquaman (Jason Momoa) tem uma vibe épica e vasta que conta com diversas histórias para serem contadas. 

Isto, inclusive, traz uma característica positiva, que faz da primeira metade uma aventura tradicional, com Aquaman lidando com o papel de pai, rei e marido. Em paralelo, temos o ressurgimento de Manta, à procura de um tridente que revela um reino perdido na história do mundo aquático, na tentativa de destruir seu maior rival. O roteiro escrito por David Leslie Johnson-McGoldrick, de Órfã 2: A Origem (Orphan: First Kill – 2022), consegue capturar aquele tom de aventura descompromissada do primeiro filme e consolida isto ao unir Arthur e seu irmão Orm (Patrick Wilson) para impedir os planos de Manta.

Infelizmente, o longa abandona o formato na sua segunda metade e acaba trazendo esse lado exagerado de James Wan. Fica amplificado o tom das batalhas, das reviravoltas e do escopo da trama, de uma forma que gere várias sequências de ação aquática. Semelhantes ao que fizeram do primeiro filme um sucesso. Mas aqui soam repetitivas e inchadas, com um exagero gráfico que torna tudo muito cansativo para o expectador. O que pode deixá-lo perdido em meio a tanta informação.

O Reino Aquático. Imagem: Warner Bros/ Divulgação.

Não me leve a mal, o filme ainda tem pontos favoráveis. Inclusive, Wan se dá muito bem quando filma sequências de combate corpo a corpo, que continua sendo seus melhores momentos na direção. Este estilo único coloca Aquaman para lutar com Manta, ou Orm, Mera, e até mesmo Atlanna, para lutar contra inimigos desconhecidos, em cenas que empolgam. A produção em si é caprichada. Os efeitos, em sua maioria, são bons (ainda que pareçam inferiores ao filme anterior). Porém, as cenas na superfície parecem, em alguns momentos, filmadas totalmente em estúdio, deixando a tonalidade menos crível.

O visual continua sendo bonito, cheio de cores, sem medo de mostrar o que está acontecendo em tela (para o bem ou para o mal) e sem camuflar com cenas noturnas para esconder algum problema nos efeitos. A trilha sonora é operante e a ambientação continua sendo um dos pontos altos. No elenco temos um Jason Momoa que parece se divertir a cada cena. O que é bom, mas, seu personagem está cada vez mais descaracterizado. Apesar do chororô dos nerds chatos, Amber Heard está bastante presente na trama em bons momentos chaves. Ainda que sinta que a personagem está avulsa, sendo usada só como carta coringa.

O ator Patrick Wilson está bem quando divide a tela com Momoa. Esta duplinha é muito boa, no melhor estilo Thor e Loki. A rainha Atlanna, de Nicole Kidman, está presente, mas, sofre do mesmo problema da personagem de Amber. O que é um desperdício de talento desta grande atriz. Temuera Morrison retorna aqui, mas possui apenas um momento significativo, e só. Assim como Dolph Lundgren. Yahya Abdul-Mateen II no papel de Manta finalmente ganha os holofotes e entrega um bom vilão. Mesmo que perca um pouco de espaço na reta final. 

Yahya Abdul-Mateen II, como manta. Imagem: Warner Bros/ Divulgação.

A verdade é que o destino derradeiro de “Aquaman e o Reino Perdido” é nada além de um blockbuster que tenta se despedir de uma forma honrosa. E mesmo com todos os percalços, o filme ainda consegue entregar o mínimo, tentando até trazer uma mensagem ecológica urgente sobre aquecimento global e mudanças climáticas na sua premissa. Mas a sensação é que esta sequência serviu apenas para cravar os últimos pregos no caixão de um universo que precisava terminar. Vê-se aqui um esforço do elenco para serem profissionais e de um diretor que amava este lado da mitologia DC. Mas que acabou se perdendo na megalomaníaca engrenagem empresarial de um conglomerado que nunca soube cuidar bem de seus produtos (com exceção do Batman, é claro).

Talvez a entrada de James Gunn no controle criativo do novo DCU (Universo DC), em 2025, seja o que estes personagens precisem. Ao final deste filme, fica a sensação de alívio, dos fãs que finalmente podem deixar esse universo descansar. E das pessoas envolvidas que podem finalmente seguir em frente em outros projetos. A cena final do Jason Momoa como Aquaman é uma quase piada, talvez até com a Marvel, mostrando que o bom humor  pode ser a única forma de encarar o que passou. Provavelmente, só assim o sentimento de melancolia se transforme, quem sabe um dia, em esperança de dias melhores para a DC. Oremos!


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