Mais um ano se inicia e, como todos os anos, a temporada de premiações está pegando fogo, e o Globo de Ouro dá a partida nos prêmios televisionados, sendo o primeiro de uma trinca formada com o Critic’s Choice e finalizada com o Oscar. O prêmio busca retomar sua importância para Hollywood depois de um período de polêmicas nos últimos anos que, inclusive, fez com que perdesse contrato para ser exibido e que culminou com uma reestruturação na Associação da Imprensa Estrangeira de Hollywood (HFPA, na sigla em inglês), na qual o órgão foi adquirido por uma empresa e teve parte de seu corpo de associados desligados, com a entrada de uma nova leva de votantes, pretensamente mais diversa e que foram aceitos a partir de critérios mais rígidos que os estabelecidos anteriormente. Apesar de todas essas mudanças, e baseado na cerimônia deste ano, acho muito difícil que o Globo de Ouro deixe de ser aquela festa da firma que sempre foi e passe a ser tratado como um prêmio mais “sério” no nível do Oscar ou do Bafta (o Oscar britânico). Mesmo com algumas (poucas) escolhas curiosas e, até mesmo, corajosas, se comparadas a anos anteriores, como as vitórias do francês Anatomia de uma Queda (Anatomie d’Une Chute, 2023) em roteiro e do japonês O Menino e a Garça (Kimitachi wa dô Ikiru ka, 2023) em filme de animação, mostrando uma visão mais internacionalizada dos votantes, a maioria dos prêmios foi óbvia.
Em um ano no qual a crítica está bastante dividida, com as associações premiando filmes diversos – só para entender um pouco, obras como Vidas Passadas (Past Lives, 2023), Pobres Criaturas (Poor Things, 2023), O Menino e a Garça, além dos aclamados Assassinos da Lua das Flores (Killers of the Flower Moon, 2023) e Oppenheimer (2023) já estiveram entre os escolhidos com melhor filme do ano por grupos de críticos diferentes –, o Globo de Ouro resolveu consagrar com cinco prêmios (Filme – Drama, Direção, Ator – Drama, Ator Coadjuvante e Trilha Musical) Oppenheimer, a nova tentativa de Christopher Nolan de finalmente levar seu Oscar. Não vou entrar no mérito de merecimento ou não do filme, porque a escolha do que é melhor nunca vai ser unânime e, na maioria dos casos, é possível encontrar argumentos tanto contra como a favor. Vou aproveitar para trazer uma reflexão sobre prêmios. Na minha concepção, eles possuem duas finalidades: reafirmar para o público a qualidade de uma obra e/ou trazer para primeiro plano um filme (ou série, ou livro, ou qualquer outra obra artística) que de outra forma poderia passar em branco e não ter suas qualidades conhecidas. Para mim, entender e aceitar esses dois pontos é melhor forma de lidar com premiações, sabendo-se que elas podem sim cometer equívocos e absurdos e que a ausência de um prêmio não diminui nenhuma obra ou artista. Porém, vamos ser realistas: todos ficamos felizes quando algo ou alguém que gostamos é premiado com o Oscar, Emmy, ou outro prêmio de igual importância. É uma mentalidade normal para o ser humano achar que o melhor de uma competição é a vitória, e não há nada de errado nisso.
Analisando friamente, os prêmios dados nessa 81ª cerimônia dos Globos de Ouro não chegaram a ser absurdos, mas fica evidente uma vontade maior de premiar mais do mesmo (ainda que esse mais do mesmo seja bom) do que mostrar que a qualidade do cinema e da TV está cada vez mais plural. Claro que tivemos avanços, como as já citadas vitórias de Anatomia de uma Queda e O Menino e a Garça, este a primeira animação japonesa a vencer na categoria, ao qual se juntam as vitórias de Lily Gladstone (Assassinos da Lua das Flores), como a primeira atriz de origem indígena a vencer como melhor atriz dramática, e a dupla Steven Yeun e Ali Wong, ambos de Treta (Beef, 2023), como os primeiros sino-americanos a vencerem como melhor ator e atriz em minissérie, respectivamente. No meio de uma cerimônia muito mais chata que o normal, com um dos piores hosts que já vi em qualquer premiação, esses foram pequenos alívios.
Por outro lado, tivemos a criação de um prêmio completamente ridículo denominado Melhor Realização Cinematográfica e em Bilheteria que só serviu para que Barbie (2023) não saísse com o mísero prêmio de Melhor Canção (que já seria do filme de qualquer forma). Essa nova categoria só mostrou que Hollywood enxerga o cinema pop (e a comédia inclusa) como algo que pode até ter seus méritos artísticos, mas cuja única qualidade relevante é encher os cofres dos estúdios. Para eles, Oppenheimer é muito mais “cinema”, já que traz um drama sério e realista que, por sorte (e para alegria do estúdio), foi um imenso sucesso de bilheteria.
O que fica de lição para nós, meros espectadores, é que o que mais importa nesse tipo de evento é a diversão. Torcer para um filme ou artista é parte disso, mas entender que, acima de tudo, estamos vendo apenas um espetáculo, faz com que a importância de qualquer premiação fique subjugada a verdadeira prova das qualidades de uma obra: sobreviver ao teste do tempo.
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Cineasta e roteirista, formado em Letras e graduando em Cinema, respira literatura, filmes e séries desde que se entende por gente. É viciado em sci-fi e terror, e ama Stephen King, Spielberg e Wes Craven. Tem mais livros em casa, e séries e filmes no computador de que seria humanamente possível ler e assistir, mas não vai desistir de tentar. Não consegue lembrar o que comeu ontem, mas sabe decorado os vencedores do Oscar de melhor atriz do últimos trinta anos (entre outras informações culturais inúteis).