Bizarros Peixes das Fossas Abissais – Uma viagem surreal, no charmoso traço de Marão

A primeira vez em que me deparei com uma animação do Marão foi com Até a China, um curta-metragem de 2015 de uma simplicidade genial, sobre – como o título já indica – uma viagem que o protagonista faz ao terceiro maior país do mundo, narrando de forma maravilhosamente divertida e praticamente documental o que observava durante o percurso. E além da narração algo que me chamou a atenção foi o traço rabiscado, claramente desenhado à mão, animado como nos velhos tempos, dando até pra ver os tracinhos mexendo nas linhas de contorno. Tudo isso me fez se apaixonar pelo filme, surpreso com tamanha criatividade num estilo tão simples e tradicional. Se já não tiver assistido o curta, você pode conferi-lo aqui no canal da Marão Filmes no YouTube.

Desde lá não lembro de ter visto mais nenhum trabalho do animador, mesmo que sempre lembrasse do curta que havia assistido anos atrás. Até que, finalmente, em 2024, assisto a Bizarros Peixes das Fossas Abissais, primeiro longa-metragem dirigido e produzido por Marcelo Marão e não me surpreendi quando fui impactado positivamente também por este segundo contato com uma obra do cineasta.

Bizarros Peixes te joga inicialmente numa história completamente absurda, onde uma jovem mulher entra em combate corporal com vários homens para conseguir tomar posse de um pequeno pedaço de algo não identificável de cor laranja. Mas o absurdo mesmo se mostra quando ao quase ser imobilizada a moça, com algumas palavras, consegue simplesmente transformar sua bunda num gorila enorme e poderoso, que, ainda ligado à parte de trás de seu corpo, a ajuda a se livrar dos marmanjos. Logo em seguida somos apresentados aos outros dois protagonistas da trama: uma nuvem cumulo nimbus falante com problemas de incontinência pluviométrica (não consegue segurar a chuva quando fica apertado) e uma pequenina tartarugas com um severo nível de Transtorno Obsessivo Compulsivo (TOC), os três respectivamente com as vozes incríveis de Natália Lage, Guilherme Briggs e Rodrigo Santoro. Esse excêntrico trio então parte numa missão em busca de vários outros pedaços como o que a moça consegue no início, tendo que passar por vários desafios e enfrentar seres misteriosos com aparência de rinoceronte.

A animação em si é de encher os olhos de qualquer pessoa que admire essa arte. Uma mistura de várias técnicas tradicionais, desde cenários coloridos e cheios de detalhes até momentos extremamente simples, lembrando um story board, com aquele charme que só as animações feitas à mão conseguem ter, além de alguns detalhes digitais pontuais. O filme muitas vezes beira o surrealismo, com movimentos absurdos e ações inesperadas, mas aos poucos vamos pegando o ritmo e o espírito da coisa, e em pouco tempo estamos entregues àquela bizarrice e percebemos algum sentido em tudo, mas sempre deixando muitas interpretações abertas.

O auge da animação é quando, após um belo e delicado monólogo da protagonista onde entendemos claramente qual seu objetivo com esta missão afinal, os três mergulham no oceano em busca de algo valioso para ela e nadam até as fossas abissais do título do filme, onde encontram estranhas criaturas quase alienígenas. E aqui é impressionante a criatividade e a beleza da animação, utilizando de um fundo preto que simboliza o escuro do desconhecido fundo extremo do mar, contrastando com as cores dos personagens e suas interações com as criaturas, praticamente hipnotizam o espectador durante alguns bons minutos.

Bizarros Peixes das Fossas Abissais é mais um filme que mostra a potência da animação brasileira, demonstrando uma inventividade e uma capacidade fina de tratar temas atuais e mesmo políticos com uma sensibilidade sem igual. Espero ainda ver muitos e muitos trabalhos, não só de Marão, mas dos vários talentos nacionais que temos e que ainda vamos ter nos mais variados estilos e possibilidades que a animação nos permite.

Veja o trailer do filme aqui e para mais informações sobre sessões e exibições acesse o site da Vitrine Filmes, responsável pela distribuição do longa.


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