Eu não sou muito uma pessoa de filmes natalinos. Quando chega essa época do ano e vários lançamentos começam a aparecer nos streamings e nos cinemas não sou minimamente impactado com a animação que acomete várias e várias pessoas pelo mundo, fico confortavelmente nos meus três ou quatro filmes tradicionais que vejo todos os anos, a maioria já com seus mais de 25 ou 30 anos desde o lançamento, e é isto. Mas ao que parece, ao contrário do que se possa imaginar, a cada ano que passa me sinto mais simpático a novas experiências, mesmo àquelas que tenho certeza que não vão lá ser das mais agradáveis. Talvez por isso, ao assistir de mente aberta ao novo filme brasileiro de Natal lançado pela Amazon Prime Video, o sentimento foi de que é possível se divertir um pouco, mesmo com temas tão clichês e que remetem anualmente às mesmas mensagens, e que quando aceitamos isso fica bem mais fácil aproveitar um conteúdo leve como este O Primeiro Natal do Mundo (2023).
Dirigido pela dupla Susana Garcia e Gigi Soares, e contando com uma enorme equipe de roteiristas (Julia Lordello, Carolina Minardi, Guilherme Ruiz e Leandro Soares), O Primeiro Natal do Mundo nos conta sobre uma família recém formada a partir de Pepê (Lázaro Ramos), viúvo e pai de Nanda (Yasmin Londuik) e Maju (Valen Gaspar) do primeiro casamento, e Tina (Ingrid Guimarães), divorciada e mãe de Arthur (Igor Jansen) e Gael (Theo Matos) do primeiro casamento. Os dois filhos de cada casal não poderiam ser mais diferentes em personalidade, o que já desperta um conflito constante pela convivência, enquanto os próprios Pepê e Tina, mesmo demonstrando claramente o amor que sentem um pelo outro, divergem em vários assuntos, mas especialmente no que diz respeito ao espírito natalino. Pepê é o típico apaixonado por tudo que diz respeito ao feriado, cheio de tradições familiares e empolgado para envolver toda a família no enorme acontecimento que é o mês de dezembro, já Tina é a típica mãe cansada de trabalhar e cuidar da casa, e como cozinheira, a proximidade das festas de fim de ano significam serviço dobrado, ampliando sua angustia e desânimo.
Mas tudo muda quando, após a jovem Maju não conseguir superar as mudanças provenientes de sua nova composição familiar, um desejo desesperado acaba se concretizando, e poucos dias antes da véspera de Natal tudo o que estava relacionado aos festejos misteriosamente desaparece sem deixar vestígios. Além de todos os enfeites e luzes sumirem, toda e qualquer lembrança da existência do Natal também não existe mais na mente das pessoas, exceto na de Maju e sua família. Daí em diante todo o desenrolar do filme se resume a Pepê, Tina e companhia tentarem recuperar o Natal, antes que eles mesmos acabem esquecendo da existência dele e pior, de seu real significado.
Óbvio que todo esse enredo não nos traz exatamente nenhuma novidade, mas quando começamos a ver um filme como esse, se nos decepcionamos com os clichês que ele carrega a culpa é toda nossa. Entretanto, o que vai mudar entre um filme e outro que abordam esses temas é a maneira com que estes são tratados. E aqui certamente temos uma tentativa de tratamento diferente. Digo tentativa, pois, mesmo se beneficiando do humor de Lázaro Ramos e principalmente Ingrid Guimarães, além do talento do elenco infantil e juvenil (impossível não sorrir sempre que Theo Matos está em cena), o filme acaba não se destacando tanto quando discorre sobre os sentimentos de união, compaixão e paz presentes em qualquer outro filme de Natal.
Dito isso, é clara a competência do filme em se aproveitar desses clichês para divertir. Todas as piadas decorrentes das possibilidades do desaparecimento de uma festa tão tradicional para boa parte da humanidade funcionam muito bem, e até mesmo uma crítica (bem didática) ao que a data se transformou por conta de sua apropriação pelo capitalismo, bem como os sentimentos de alívio de Tina ao se ver livre de algo que a trazia tanta apreensão e cansaço, acabam dando uma pitada de profundidade ao filme, o que já é muito mais do que eu estava esperando.
O Primeiro Natal do Mundo funciona exatamente ao que se propõe, um filme que, mesmo sendo mais um dentre tantos que surgem todo ano, mesmo com todos os clichês sentimentais e romanceados que esta data sempre magnetiza, ainda pode ser divertido de ver com toda a família (seja qual for a forma que ela tenha) reunida na sala e comendo panetone, enquanto o gato planeja as mais variadas formas de derrubar a árvore esse ano.
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Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.