Velma – Uma paródia de si mesma

Velma (2023 -) é a mais nova adaptação do conhecido grupo de amigos apresentados na animação da Hannah-Barbera. Desenvolvida e criada por Charlie Grandy,tem como produtora executiva Mindy Kaling, quem também dá a voz a personagem principal Velma Dinkley. Anunciada como uma versão mais adulta da história da gangue investigadora de mistérios, focando mais nos dramas e narrativas dos membros humanos, a série recebeu algumas críticas desde o começo. 

Prévio a sua estreia haviam muitas reclamações sobre a protagonista Velma ter sido adaptada na série como uma personagem sul-asiático-americana. Sempre há muita falação quando personagens originalmente brancos são adaptados para outras etnias, o que acaba sendo um pacto da branquitude sobre se manter no foco e protagonismo das coisas. Não parando por ai, a trama viria com uma exploração dos sentimentos da personagem por sua ex-amiga do passado, Daphne. Então, ter uma protagonista indiana e bissexual era a maior razão deste seriado ter se tornado alvo de críticas antes mesmo de seu lançamento. 

Quase todos os membros da Gangue do Scooby tiveram suas etnias e histórias mudadas, com a Daphne sendo asiática, filha adotiva de um casal formado por duas policiais, ‘Salsicha’, é chamado de Norville e é negro. O único branco do grupo, assim como nas histórias originais, foi o Fred, sendo o estereótipo de branco, cis, homem e rico, um mimado filhinho de papai. Só faltou um membro do grupo, o mais famoso e também a razão do grupo ter seu nome, o próprio cachorro falante. Scooby não aparece na série por ter uma visão mais adulta e um cachorro falante não se encaixaria muito bem nisso. Ao menos é o que os executivos falaram sobre a adaptação. 

É estranho o nome de Mindy Kaling no seriado quando se fala de roteiro, mesmo a produtora não assinando nenhum dos episódios, pois Velma não se assemelha em nada com Eu Nunca… (Never Have I Ever, 2020 – 2023) e A Vida Sexual de Universitárias (The Sex Lives of College Girls, 2021 -). Ambas as comédias live action conseguem abordar a visão hegemônica do mundo através de críticas em sua comédia sem parecerem ridículas ou escritas por jovens de 12 anos, o que honestamente não é o caso da animação. Ao longo do seriado é sim muito possível rir, eu dei várias risadas, mas é um humor extremamente bobo. 

Para além do humor bobo me atento a um vídeo sobre o desconforto causado quando as piadas em Velma tem um teor mais militante. Isso porque o seriado não debocha em si do racismo, machismo ou preconceito, mas sim das pessoas (normalmente a personagem principal) apontando a existência disso. Se o programa tinha foco em fazer uma crítica à sociedade e seus preconceitos, talvez seus roteiros devessem ter sido escritos com uma ideia mais madura sobre isso. Honestamente parece algo feito por crianças, não apenas pela piada, mas pelo própria faixa etária do seriado. 

Sim, pois para ser para uma audiência madura, o seriado usa frequentemente piadas sobre sexo e cenas de violência e sangue, o que me traz a outro ponto importante: a forte sexualização dos jovens na série, mesmo eles estando literalmente no ensino médio. Velma se junta ao grupo de séries cujo enredo não precisava se passar numa escola, mas escolheram o fazer para ter garotas adolescente frequentemente peladas por alguma razão. 

Um dos pontos altos da série é sua dublagem e as vozes originais, capazes de dar um frescor à comédia bem média da obra. Se tem uma coisa capaz de se encaixar bem com os personagens são as vozes escolhidas, tanto pelo estúdio de dublagem brasileiro quanto pela produção do seriado. Constance Wu dá voz à Daphne, enquanto Sam Richardson à Norville ‘Salsicha’ e Glenn Howerton ao Fred. Além de tudo, as interações dos personagens carregam muito bem a química entre eles, um dos pontos acertados no seriado. 

O triste é saber como os próprios personagens não carregam em si suas essências, não falando sobre as mudanças de suas histórias, mas sim como se eles não se vestissem semelhante aos outros desenhos, poderiam simplesmente ser qualquer outros personagens. Inclusive, muito das histórias sobre os personagens poderia ser melhor aproveitada em seriados com uma maior preocupação com o material original a ser adaptado. O enredo sobre os personagens nunca foi muito explorado, especialmente não tanto quanto nesse seriado, mas teriam sido mais valorizados numa obra não decidida a ser uma paródia de si mesma como o é esta. 

O drama adolescente dos personagens e o quadrado amoroso criado ao longo da temporada são extremamente cansativos, perdendo até mesmo para Riverdale (2017 -). Mas o mistério da temporada, a caça de Velma por sua mãe e como tudo é muito bem amarrado funciona mais. Talvez Velma pudesse ter dado certo caso tivessem decidido de antemão o que desejavam fazer com a série, porque tem tanta coisa ruim para digerir em meio a coisas boas. Há algumas referências a filmes de terror e também à animações anteriores do Scooby-Doo, mas as coisas funcionariam melhor caso tivessem realmente optado por diferentes caminhos a nível de roteiro. 

A primeira temporada da série está no HBO Max e uma segunda temporada já está em desenvolvimento. É de se esperar a escrita medíocre ser mais aperfeiçoada, mas minhas esperanças não estão altas.


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