Marcando o terceiro trabalho na direção de um longa da atriz, diretora e produtora estadunidense Elizabeth Banks (mais conhecida pelo papel de Effie na série Jogos Vorazes), O Urso do Pó Branco (Cocaine Bear, 2023) parte de um acontecimento real, bem próximo do que é mostrado no início do filme, quando, nos anos 1980, um traficante jogou dezenas de quilos de cocaína de um avião ao sobrevoar uma floresta no estado da Geórgia, nos EUA, pulando em seguida e morrendo ao não conseguir abrir o paraquedas. Meses depois, a polícia encontrou o corpo de um urso negro cercado de pacotes da droga e que teria morrido devido a ingestão de certa quantidade do produto. Uma história simples, mas bizarra o suficiente para chamar a atenção dos noticiários e transformar a figura do urso numa piada entre os estadunidenses.
Na eterna escassez de ideias originais que assola Hollywood, é de se admirar que uma história assim tenha demorado tanto a ser transformada em filme. No entanto, é claro que cedo ou tarde isso iria acontecer, e o resultado, se não chega a ser uma obra-prima, é uma mistura vitoriosa de comédia e horror, com um ótimo elenco e uma direção segura de Banks, que mostra certo talento que faltou em seus dois longas anteriores – A Escolha Perfeita 2 (Pitch Perfect 2, 2015) e As Panteras (Charlie’s Angels, 2019) –, que, apesar de divertidos, foram dirigidos de forma genérica e sem personalidade.
Como esse fiapo de história não renderia nem um curta, quanto mais um filme de 1h30, O Urso do Pó Branco reimagina o acontecimento real como uma comédia de horror, na qual uma série de personagens têm que disputar espaço e lutar para sobreviver a um urso completamente ensandecido devido ao consumo desenfreado de cocaína. Temos a mãe (Keri Russell) que parte para resgatar a filha (Brooklyn Price) sequestrada pelo urso e os guardas florestais (Margo Martindale e Jesse Tyler Ferguson) que a ajudam; a dupla de traficantes (O’Shea Jackson Jr. e Alden Ehrenreich) encarregados de recuperar a droga para um chefão do tráfico (Ray Liotta), pai de um deles; um policial (Isiah Whitlock Jr.) que tenta detê-los; e um grupo de delinquentes juvenis, entre outros de menor importância. Apesar do número expressivo de personagens, Banks equilibra bem as participações de cada um e mantém, em sua maioria, uma uniformidade nas atuações, com a maior parte do elenco entendendo que o absurdo da situação não significa tratá-la como uma paródia. Além disso, mesmo que os personagens não sejam aprofundados, a maioria deles é desenvolvida o suficiente para que nos importemos com seus destinos. Os únicos que destoam são Jesse Tyler Ferguson, que pesa a mão na caricatura, e Alden Ehrenreich, que exagera no drama. Isso, no entanto, não chega a atrapalhar o resultado final.
Além disso, é perceptível como a direção se inspirou nas comédias dos Irmãos Coen, acostumados a fazer rir com uma violência absurda e com situações que geralmente são fruto de ações inconsequentes e/ou burras de seus personagens. É uma boa inspiração que, mesmo que não revele de fato originalidade por parte de Elizabeth Banks, mostra que ela consegue conduzir uma boa história com segurança. E, ainda que a direção trate a situação com deboche, isso é feito com equilíbrio, sem tornar tudo tão caricato a ponto de alienar o público. Ou seja, até que se prove o contrário, ela é uma diretora tão boa quanto o material com o qual ela trabalha. Não que o roteiro aqui seja brilhante, mas é esperto e bem escrito o suficiente para dar conta daquilo que propõe, ou seja, rir e assustar. Isso se revela, principalmente, na sequência da chegada da ambulância, caótica, violenta e hilária na medida certa. Um outro ponto a se destacar é a qualidade dos efeitos visuais. É um trabalho tão excepcional empregado na construção do urso que somente em poucos momentos podemos perceber o CGI.
O Urso do Pó Branco é, assim, um passo além na carreira de Banks, um ótimo trabalho, cujas ambições são condizentes com sua proposta: proporcionar momentos hilários e assustadores e, no fim, nos fazer torcer para nunca encontrar nenhum urso drogado por aí.
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Cineasta e roteirista, formado em Letras e graduando em Cinema, respira literatura, filmes e séries desde que se entende por gente. É viciado em sci-fi e terror, e ama Stephen King, Spielberg e Wes Craven. Tem mais livros em casa, e séries e filmes no computador de que seria humanamente possível ler e assistir, mas não vai desistir de tentar. Não consegue lembrar o que comeu ontem, mas sabe decorado os vencedores do Oscar de melhor atriz do últimos trinta anos (entre outras informações culturais inúteis).