Sick – O retorno decepcionante de Kevin Williamson ao terror

Em 2021 começou um burburinho sobre o retorno de Kevin Williamson para o terror com o slasher Sick (2022). O filme acompanha Parker Mason (Gideon Adlon), que viaja para a casa de campo do seu pai com sua melhor amiga Miri Woodlow (Beth Million), para ficar em quarentena devido a pandemia do COVID-19. Logo as amigas irão perceber que não estão tão isoladas assim e estão prestes a viver uma noite absurda e caótica. Tendo um texto escrito por alguém que foi responsável pelo roteiro de clássicos do slasher como Eu Sei O Que Vocês Fizeram no Verão Passado (I Know What You Did Last Summer, 1997) e o icônico Pânico (Scream, 1996), as apostas para o longa não poderiam ser maiores, mas será que Sick sustenta essas expectativas?

A direção de John Hyams, que traz um currículo bastante questionável, soa bastante genérica, sem uma personalidade forte e marcante. Ao invés de ser a mão que vai conduzir sua equipe para criar algo em unidade, ele parece na verdade ser conduzido por eles. O filme respira muito mais a identidade de Williamson, que além de co-roteirista também foi produtor. Katelyn Crabb assina o roteiro junto de Kevin, e juntos eles trazem uma história muito promissora, mas que se perde completamente na execução. Com uma duração relativamente curta eles perdem muito tempo em cenas de perseguição fracas e não desenvolvem bem seus personagens e as questões sociais que queriam abordar. Yaron Levy faz um trabalho fenomenal na direção de fotografia, desde a tensão e desesperança que ele trás na abertura do filme, aos momentos em terceira pessoa e a sua atenção às cores e à luz. A trilha de Nima Fakhrara é bem executada, mas passa batido na obra.

A sequência de abertura do filme é, sem sombra de dúvidas, o seu maior êxito. Em dez minutos ela executa a proposta de Sick muito bem, até melhor que todo o desenrolar do filme em si, que leva sua premissa para um caminho bem problemático. Vemos Tyler (Joel Courtney) receber mensagens estranhas de um contato anônimo, ironizando a irresponsabilidade dele com a pandemia. O cenário escolhido, um mercado, não poderia ser melhor para mostrar ao público o período que o filme irá se passar. Vemos as prateleiras da seção de higiene pessoal completamente vazias, com produtos esgotados, vários informativos sobre o uso da máscara obrigatório (que Tyler constantemente ignora) e as pessoas muito tensas mantendo distanciamento nas filas. Toda a ambientação, com ajuda de uma fotografia inquietante, nos leva de volta a esse período doloroso da história que passamos há não muito tempo atrás. Tyler continua recebendo as mensagens até chegar em casa onde somos presenteadas com uma “chase scene” tensa e crua que resulta na morte de Tyler. A atuação de Joel é muito certeira, desde sua linguagem corporal à maneira que ele trabalha com o pouco que se tem do seu personagem, entendemos bem quem Tyler é. 

Depois de receber essas boas vindas tão promissoras embarcamos na viagem das amigas com bastante curiosidade para o que está por vir e por um tempo, enquanto prepara terreno para começar o horror que as aguarda, o filme consegue manter um ritmo crescente que segue alimentando essas expectativas. Desde o modo que elas são discretamente encurraladas e suas defesas anuladas, aos momentos em que a câmera nos coloca em terceira pessoa, na perspectiva de quem está à espreita, tudo caminha bem até que em um momento de virada a ameaça as ataca e tudo desanda. Começa uma série de cenas de perseguição que, por mais que as personagens tomem decisões interessantes, são absurdamente cansativas de assistir. Aos poucos, tudo que foi tão brilhantemente construído na atmosfera daquele filme é desmontado e Sick começa a soar como mais um filme genérico de invasão domiciliar.

As atuações de Gideon e Beth são boas, mas muito engessadas pelo desenvolvimento raso de suas personagens. Enquanto conhecer pouco sobre Tyler funciona para a abertura, no que se trata de Parker e Miri essa fórmula não deveria ter sido replicada pois se torna exaustivo assistir suas narrativas rodando em círculos e não chegando a lugar algum, não construindo nada que nos faça criar alguma empatia e torcer para elas. Além disso, essa falta de comprometimento e profundidade encaminha o filme para o seu maior defeito: O desfecho completamente desrespeitoso e irresponsável com diversas questões que envolvem o COVID-19.

Como bem lembramos, a pandemia do COVID-19 foi um período sócio-político muito conturbado na história por toda a desinformação espalhada e os absurdos ditos em discursos negacionistas. Então de um lado tínhamos pessoas defendendo a ciência e se posicionando arduamente contra esses discursos que negavam os fatos e a seriedade e proporção da tragédia que estava acontecendo e do outro, um bando de irresponsáveis negacionistas, com ideais alimentados por figuras políticas conservadoras, agravando ainda mais os perigos do vírus. O filme tenta trazer essa dualidade, inclusive tendo êxito ao mostrar que o negacionismo não estava apenas em grupos radicalistas, mas também foi favorecido pela postura de muitos jovens que agiam como se não entendessem a gravidade daquela situação, sendo descuidados como se aquilo não pudesse afetá-los e afetar outros em volta. Porém, ao mostrar o outro lado da moeda através de uma família que perdeu uma pessoa para o COVID o roteiro acaba mostrando personagens rasos, completamente desequilibrados e caricatos, tratando essas pessoas quase como piada. Claro que em alguma proporção teria que haver uma falta de equilíbrio e de noção das coisas por parte de quem ia executar aquela vingança, mas não nos dão material o suficiente para sequer ter um pouco de raiva pela protagonista ou pena da família em busca de vingança. Não há nuances e nem há tato perante um assunto tão delicado e ainda tão recente em nossas memórias. 

Com um roteiro tão raso e imprudente que tenta criticar o negacionismo, Sick não se posiciona com firmeza e acaba sendo um grande desserviço. Williamson e Crabb parecem não entender a seriedade da pauta que se propuseram a discutir e perdem a chance de ouro de criar uma obra marcante. No fim das contas, o tão esperado retorno de Kevin ao cinema foi um verdadeiro balde de água fria.


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