As Lavadeiras do Rio Acaraú Transformam a Embarcação em Nave de Condução – Vamos Quarar a roupa e as memórias

Quarar a roupa é uma ação feita historicamente pelas mulheres, quando iam lavar as roupas da casa, do marido, dos filhos e por último as suas nos açudes, rios ou córregos. Nas comunidades ribeirinhas as mulheres vão juntas caminhando até o rio com a pesada bacia de alumínio na cabeça conversando ou cantando. Essas músicas foram aprendidas enquanto as meninas observavam o ofício de suas mães. 

O curta As lavadeiras do Rio Acaraú transformam a embarcação em nave de condução nada mais é que uma ode que se utiliza de diversas formas de representação, encenação, performance e  linguagens para apresentar essa realidade que ainda existente em alguns lugarejos muitas vezes esquecidos pelo homem, pela globalização e pelo frio concreto das cidades urbanas com suas tecnológicas máquinas de lavar e secar. 

A água está presente em todo vídeo, a partir do momento em que se fala de farinha, piaba e feijão cria água na boca do telespectador que se enche de saliva. Aqueles que já tiveram essa mistura em sua boca sabem o sabor e a delícia que é, aqueles que sentem fome e sede também sabem o gosto delicioso que o alimento tem quando toca os cantos da boca e a sensação da água matando a sede que muitas vezes tortura o corpo e alma do individuo.  

O movimento das roupas mostrando as ondulações do leito e das margens do rio, o vai e vem, as misturas das cores frias trazendo a leveza, a tranquilidade e os mistérios das histórias e estórias do rio. As imagens e gravuras em contraste no fundo com a narrativa mostram uma linguagem verdadeira, pura e limpa. Uma linguagem das lavadeiras com seus contrastes, nuances e poética que transportam você para a beira do rio, se você fechar os olhos é capaz de ver as crianças arengando umas com as outras, as mulheres esfregando o sabão nas roupas apoiadas nas pedras. A espuma escorrendo e se unindo às águas do rio numa harmonia em contraste com suas cantorias ao som das batidas na pedra. Pedras tão duras quanto as vidas dessas mulheres que carregam consigo o facão, a coragem, a prole, a roupa e o sabão. 

O ato de esfregar as roupas em sincronia em um único som e movimento da mesma forma que as lavadeiras, posteriormente a cantoria, transformam a performance em uma ato mais que simbólico para aqueles que já vivenciaram essa cena. Aos que nunca viram a interpretação juntamente com as cenas projetadas cria a possibilidade de imaginar como este momento ocorre nas comunidades. Na minha infância viajava para casa dos meus avós na Serra do Ouro em Uruburetama, uma das diversões era ir para o rio brincar com os meus primos e ver minha mãe e tias lavarem roupas no leito do rio. Reviver essas memórias e lembrar estes momentos foi algo que As lavadeiras do Rio Acaraú transformam a embarcação em nave de condução fizeram comigo de uma forma tão sutil e delicada que os 13 minutos e 08 segundos passaram de uma forma incrivelmente rápidos. 

As imagens que são projetadas nos atores trazem as referências das ondulações e os movimentos do rio. As cores frias transmitem a tranquilidade, frescor, clareza e principalmente a leveza da água gelada tocando os corpos. A harmonia das cores remete a coloração da espuma do sabão em barra sob a água, tom sob tom, num infinito azul e branco.

A representação das brincadeiras infantis das crianças que nadam, se fartavam de água e alegria, utilizando a imaginação, os pregadores, as roupas e as bacias. O canto das lavadeiras possuem a mesma  beleza do canto da Iara cantando sobre as pedras, a mesma força das pedras que suportam a surra das pesadas roupas molhadas e principalmente a mesma importância dos gritos e hinos de guerra que fortalecem seus soldados antes da batalha. Batalha essa que estas mulheres travam toda vida que pegam a prole, bacia, sabão e o facão para ir quarar a roupa.

Vamos Quarar a roupa!


Henrique Garrel

Graduado no curso de Letras Português/Francês pela Universidade Estadual do Ceará (UECE), por cinco anos trabalhou como professor temporário de Artes e Língua Portuguesa na rede pública. Atualmente trabalha como professor na rede privada como professor das disciplina de Língua Portuguesa e Artes. Possui experiência na área de Literatura Brasileira, Francesa e Artes atuando no seguinte tema: Amor e suas representações.  Academicamente possui interesse nos estudos voltados para Arte, Semiótica, Literatura e Educação.