Originada no falecido streaming DC Universe, o seriado Stargirl (2020 -) foi a última produção original a se lançar no mesmo, contando com a exibição simultânea no canal CW lá fora. Agora, em sua segunda temporada, Stargirl foi totalmente lançada pelo canal e simultaneamente no streaming HBO Max, com uma totalidade de 13 episódios lançados semanalmente. Na sua primeira temporada, a série acompanhou a trajetória da adolescente Courtney Whitmore, interpretada por Brec Bassinger, enquanto descobria sobre sua relação com um cajado cósmico, uma vez pertencente ao super herói chamado de Starman. Ela então se torna a Stargirl, com a missão de formar uma nova Sociedade da Justiça da América para combater o grupo de vilões responsáveis pela morte da equipe original.
Com a mudança de canal e da produção, houve uma certa preocupação – particularmente de minha parte – já que a CW não é muito bem aclamada por seus roteiros de seriados de super heróis – estou particularmente olhando para vocês Flash (The Flash, 2014 -) e Supergirl (2015 – 2021). Em sua segunda temporada, a série consegue equilibrar o realismo necessário para uma obra live action e visuais dignos de obras baseadas em quadrinhos. Quando é falado sobre realismo, isso não deve ser confundido sob nenhuma circunstância com realismo de filmes que tentam tornar heróis mais reais para nosso mundo e acabam tirando toda a identidade dos mesmos. A história é uma adaptação de quadrinhos sobre super heróis, quadrinhos com cores vivas e personagens com poderes mágicos, cósmicos ou sobre humanos e isso se traduz de uma forma muito eficaz para a tela.
Recapitulando brevemente aqui – mas você pode ler mais sobre a primeira temporada aqui -, a vida da protagonista Courtney Whitmore muda quando sua mãe e seu padrasto a fazem se mudar para a cidade de Blue Valley. Essa cidade, sem que a garota saiba, é onde a Sociedade da Injustiça faz sua morada, os antagonistas da temporada foram liderados pelo vilão Geada e os mesmos planejavam fazer lavagem cerebral em grande parte da população dos EUA. Courtney descobre que seu padrasto, Patt Dugan (Luke Wilson), era o parceiro do super herói conhecido como Starman e o cajado do falecido herói por alguma razão reage à Courtney. Se tornando a protagonista da série, Courtney decide formar uma nova versão da Sociedade da Justiça e combater os vilões.
Uma vez os antagonistas derrotados, ficamos na promessa de uma nova temporada com a filha de um dos membros da Sociedade da Injustiça, Cindy Burman (Meg DeLacy) encontrando um cristal misterioso. Além disso, temos a chegada de um ex-membro da Sociedade da Injustiça na cidade, o personagem conhecido como Penumbra (Jonathan Cake). Como se esses problemas não fossem o suficiente, é revelado nos minutos finais do episódio que o Starman (Joel McHale). Estas foram as promessas e ganchos para a segunda temporada, mas como as melhores séries, Stargirl não desenvolveu apenas estes arcos ao longo da temporada. Os dois primeiros arcos são sim principais para o seriado, por serem as forças antagônicas por trás dessa nova jornada do enredo, mas a temporada trouxe muito mais.
Primeiramente é importante ressaltar como essa série parece não apenas ser protagonizada por jovens, mas também consegue abordar a juventude de uma forma condizente. O que isso quer dizer? A série não coloca esses adolescentes em enredos adultos, ela consegue fazer uma abordagem saudável e realista com jovens de fato. Diferente – mais uma vez – de outros seriados da CW como Riverdale (2017 -) principalmente. Estes jovens viraram heróis achando que seria fácil, apanharam na primeira temporada e venceram os vilões, mas a certo custo. A temporada trabalha muito sobre como cada um dos jovens é afetado pelas suas ações da temporada anterior. A série traz um amadurecimento de seu enredo nesta temporada, pesando mais pro lado do horror e terror, com arcos mais focados nos personagens. Complementando sua primeira temporada, a segunda mergulha mais nos personagens apresentados e em seus conflitos ao invés de abandonar enredos ou só jogar vários personagens sem se preocupar com seu desenvolvimento. De nada adianta um seriado adaptar todos os personagens de um quadrinho se ele apenas os joga e não deixa a audiência lhes conhecer, ter alguma conexão com os mesmos.
Quais são os limites para se ser um herói? Afinal, a linha pode ser cruzada, mas, uma vez esta linha moral cruzada, significa menor heroísmo? Os protagonistas lidam com não apenas as ações de seu passado e a ferir fatalmente algum inimigo, mas a decisão de cruzar essa linha ou não para um bem maior. É uma das importantes características dessa série, como abordar o heroísmo de uma perspectiva jovem e sonhadora. As coisas podem não ser exatamente preto no branco, mas a ideia de super heróis nunca cruzarem essa linha para permanecerem heróis é uma importante parte da mitologia da série. Nossa protagonista, Courtney, não deixa de ser uma jovem adolescente cuja visão de heroísmo é baseada em fazer o bem e lutar pela justiça e a série segue uma mesma linha para sua narrativa.
O criador da série, Geoff Johns, também é responsável pela criação da personagem nos quadrinhos e talvez essa seja uma das importantes características para a série trazer uma identidade tão única, o que se traduz nessa segunda parte. Como um novo capítulo da história, nessa temporada a série toma o subtítulo ‘Summer School’ e tem uma pegada mais voltada para o gênero do terror. Um dos antagonistas é uma criatura descrita como o puro mal, Eclipso, capaz de fazer seus inimigos viverem seus piores pesadelos e revelarem as partes mais obscuras de si mesmos. É interessante ter um vilão não apenas tão poderosos, mas longe da humanidade, capaz de manipular as partes mais cruéis dos personagens. Além de tudo, as interpretações de Nick Tarabay e Milo Stein se encaixam como uma luva para criar a atmosfera assustadora cercando o personagem. Sair de um grupo de vilões querendo ‘melhorar’ o mundo para uma criatura demoníaca buscando se tornar um deus através das emoções negativas das pessoas é uma das muitas razões do amadurecimento da série ser sentido ao longo da temporada.
É importante ver os personagens saindo do canto, amadurecendo e lidando com os problemas ‘super’ de uma forma palpável. Esses jovens nos foram apresentados na primeira temporada como adolescentes assumindo o legado de heróis antigos, mas agora podemos não apenas os conhecer melhor, mas sentir que os mesmos passar a conhecer a si mesmos melhor também. Ao longo da temporada eles são obrigados a lidar com as facetas mais obscuras de si mesmos, isso vai tanto de desejos profundos quanto ações passadas escondidas. Mesmo com um número de antagonistas e obstáculos externos ao longo da temporada, a jornada mais importante ainda é saber lidar com o possível mal dentro de si e as consequências das suas ações. Nessa temporada mergulhamos não só nestes jovens como heróis, mas podemos ver mais da antiga Sociedade da Justiça da América, com direito a uma participação de Jay Garrick do seriado Flash, interpretado por John Wesley Ship. Uma das melhores coisas da série é como ela é capaz de construir seu próprio mundo e se manter interessante, sem depender de uma construção maior de universo transmidiático ou de crossovers. A aparição de Jay Garrick é mais uma referência ao mundo do Arrowverso do que um crossover, visto que a mesma poderia acontecer com ou sem a existência da série do Flash.
Mesmo com uma possível redução de orçamento e de efeitos visuais, como a ausência quase completa do F.A.I.X.A – robô de Patt – ou os efeitos não tão bons do Solomon Grundy, a série ainda consegue ser extremamente satisfatória de forma visual e narrativa. Stargil parece pra mim uma das únicas séries capazes de fazer os uniformes fiéis ao material original, coloridos e de borracha, funcionarem em tela. Talvez parecer brega, cafona e irreal seja uma parte essencial para a série ser como ela é. A CW não conseguiu estragar a série, a equipe de produção, roteiro e o elenco persistiram e fizeram uma segunda temporada ainda melhor que a primeira.
As duas temporadas de Stargirl estão disponíveis no streaming da HBO Max e a terceira temporada, com o subtítulo ‘Frenemies’ acabou recentemente de ser filmada e deve estrear ainda esse ano.
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Cineasta graduade em Cinema e Audiovisual, produtore do coletivo artístico independente Vesic Pis.
Não-binarie, fã de super heróis, de artistas trans, não-bináries e de ver essas pessoas conquistando cada vez mais o espaço. Pisciano com a meta de fazer alguma diferença no mundo.