Ugyen Dorji (Sherab Dorji) é um jovem habitante de Timbu, capital do Império do Butão, que aspira mudar-se para a Austrália, onde deseja seguir carreira como cantor profissional. Porém, o governo do país exige que cada jovem realize um tempo de serviço público obrigatório, e ainda falta um ano para que Ugyen o complete para poder receber a permissão e sair em busca de seu sonho. Após quatro anos de serviço Ugyen tem convicção de que não quer continuar sendo professor, mas o destino (carma?) o leva a ter que finalizar este último ano em uma das escolas mais remotas do país e talvez do mundo, na pequena vila de Lunana, com menos de 60 habitante e a quase 5000m de altitude. A contragosto o rapaz faz o longo percurso que se divide em um trecho de ônibus, até Gasa, e depois uma longa caminhada subindo a montanha. Ugye se mostra cada vez mais amargo e reticente, sempre com seus fones de ouvidos e sem esconder seu desgosto para seus dois companheiros de trilha, reclamando do lento avanço quando os dois nativos param em um topo de montanha para realizarem um ritual de agradecimento pela segurança da jornada.
Chegando a Lunana o novo professor é recebido com curiosidade e interesse pelos locais, e após observar as difíceis condições com que terá que lidar nesta tarefa, logo pensa em desistir, já anunciando ao líder da vila, Asha (Kunzang Wangdi), que não irá permanecer no local por muito tempo. Entretanto, ao ser acordado no dia seguinte por Pem Zam (Pem Zam), a líder de classe entre seus alunos, o olhar de Ugye já começa a serenar, e é impossível não compreender a mudança súbita do personagem ao ver o olhar das crianças que o esperam na desgastada sala de aula, que não conta sequer com um quadro negro, e onde até mesmo papel é algo raro. Mas é no momento em que ouve um dos alunos afirmar que deseja ser professor pois “o professor toca o futuro”, que Ugye percebe que não pode fugir à sua missão.
Em seu primeiro trabalho como diretor, o cineasta Pawo Choyning Dorji faz uma singela homenagem a uma das profissões mais importantes da humanidade, não só por levar ensinamentos, mas por, antes de tudo, preparar-nos para a vida. E pessoalmente foi inevitável minha identificação com o protagonista do filme, tanto por muitas vezes renegar esta profissão onde acabei vindo parar, mas também por outras vezes perceber a marca revolucionária que posso deixar na vida de tantas pessoas. Uma responsabilidade enorme, e que tantas vezes é desprestigiada ou subestimada pela sociedade. E é bonito ver como, através da música, uma forma de arte que é tão cara à educação desde as primeiras civilizações humanas, que Ugye não só decide levar seus ensinamentos para as crianças da vila, mas também aprende com os habitantes locais, percebendo a força que as tradicionais letras e melodias têm para aquele povo.
A Felicidade das Pequenas Coisas (Lunana: A Yak in the Classroom, 2019) é um filme extremamente delicado, quase como um abraço aos educadores, uma mensagem de que ainda há quem consiga ver o valor desta profissão/missão, e mesmo que beire o demasiado romântico, acaba surtindo efeito por sua quase inocência, como com o sacrifício do professor ao arrancar os papéis das janelas de seu dormitório, colocados ali para proteger do frio intenso, para utiliza-los com os alunos, que estavam sem o material. É um filme esperançoso para tempos em que nomes como Jean Piaget e Paulo Freire são tão pouco lembrados.
VEJA TAMBÉM
Flee – Um verdadeiro choque de realidade
Lamb – Implexo e pálido como lã
Cineasta e Historiador. Membro da ACECCINE (Associação Cearense de Críticos de Cinema). É viciado em listas, roer as unhas e em assistir mais filmes e séries do que parece ser possível. Tem mais projetos do que tem tempo para concretizá-los. Não curte filmes de dança, mas ama Dirty Dancing. Apaixonado por faroestes, filmes de gângster e distopias.