CODA: Child of Deaf Adults (Filho de Adultos Surdos). O título original do filme, que a princípio pode causar dúvida sobre o seu significado, representa perfeitamente aquilo de que trata o filme: Uma adolescente ouvinte nascida de uma família de pessoas surdas. Ruby Rossi (Emilia Jones) tem 17 anos, está cursando o Ensino Médio e trabalha com a família, em seu barco de pesca. Desde a infância serve de intérprete para seus pais Frank (Troy Kotsur) e Jackie (Marlee Matlin) e seu irmão mais velho, Leo (Daniel Durant), que são surdos. Conformada com a situação, por não ver uma opção de futuro longe da família, Ruby acredita que é seu destino ajudá-los no negócio de pescados após concluir os estudos.
Isso muda quando ela resolve entrar no coral da escola e percebe, com a ajuda do professor Bernardo Villalobos ou “Sr. V” (Eugenio Derbez), seu dom para cantar. Então, motivada por ele, considera tentar a seleção para estudar na Universidade de Berklee. A partir de então o conflito de Ruby é: ir para a faculdade e seguir seu sonho de cantar ou ficar e auxiliar no negócio da família, como sempre fez. A narrativa acompanha Ruby nesse processo de escolha, enquanto ela enfrenta outros dramas comuns à adolescência: a inadequação na escola (bullying), a dificuldade de se entender com os pais e às vezes sentir vergonha deles, a paixão por um colega de turma, etc.
A narrativa também explora como se sentem os pais sobre as decisões de Ruby, deixando claro que não se trata de egoísmo da parte dela com os pais e vice-versa. Mas evidencia ser uma escolha difícil, uma vez que ela se sente na obrigação de estar sempre à disposição dos pais quando eles precisarem e que por vezes, não consegue se dedicar a qualquer outra coisa que não lhes diga respeito. No entanto, apesar dos desentendimentos, seus pais prezam pelo respeito e a união da família.
Apesar de ser bilíngue (comunicar-se através da oralidade e da Língua de Sinais), Ruby sente dificuldade em comunicar-se com a família. Não pelas línguas faladas (ou sinalizadas), mas pela compreensão distinta de mundo que têm. A mãe, Jackie, chega a acreditar que a filha escolheu cantar apenas para irritá-los, insinuando que é diferente deles por ouvir. Ruby tem apenas uma amiga, Gertie (Amy Forsyth), para compartilhar suas frustrações e pouco tempo ou privacidade para isso. Além de viver em um ambiente em que praticamente não precisa falar. Portanto, guarda muito daquilo que sente e acaba sempre colocando as prioridades dos outros à frente das suas. Então, chega um momento em que ela simplesmente não aguenta mais e põe tudo para fora, magoando a família.
O longa é uma adaptação do filme francês A Família Bélier (La Famille Bélier, 2014). As narrativas são muito semelhantes. Uma das diferenças é que Louane Emera (a intérprete da protagonista do original) era cantora e não atriz, sendo a participação no filme sua primeira experiência de atuação e Emilia Jones é atriz e precisou aprender a cantar (o que faz muito bem, destacando-se a cena em que interpreta “Both side now”, de Joni Mitchell), além de aprender a Língua de Sinais Americana (LSA). Também em CODA todos os atores que fazem os papéis da família Rossi, são de fato, surdos. Enquanto que em A Família Bélier, apenas Luca Gelberg, que interpretou o irmão (Quentin), é realmente surdo.
Assim, No Ritmo do Coração consegue trazer atuações dignas de indicações e premiações em Festivais de Cinema, com destaque para Emilia Jones que transmite bem a expressividade necessária (com o rosto e o corpo) para se comunicar por meio da língua de sinais. Além dos atores Kotsur, Matlin e Durat, com atuações que vão da comédia ao drama de maneira tão fluida. O filme foi indicado em 3 categorias no Oscar 2022: Melhor ator coadjuvante (Troy Kotsur), Melhor roteiro adaptado e Melhor filme. Um reconhecimento importante do trabalho da diretora e roteirista Sian Heder e do elenco do filme.
No ritmo do coração é o segundo longa da carreira de Sian Heder (Tallulah, em 2016, foi o primeiro), apesar de ela ter um considerável tempo de carreira. Heder também trabalhou como atriz, produtora e desenvolveu muitos trabalhos com séries para a TV. Como roteirista e diretora (de episódios) seus trabalhos mais recentes foram nas séries Orange Is The New Black (2013 – 2019) e Little America (2020 -). Tem portanto bastante experiência em escrita de roteiro. Não à toa recebeu várias indicações pelo roteiro adaptado de CODA. Muito aplaudido pelos Festivais onde passou e sucesso de crítica, o filme traz para discussão a questão da acessibilidade, é um excelente exemplo de representatividade das pessoas surdas que fazem (e consomem) Cinema e importante por ser mais uma obra a dar visibilidade para a Língua de Sinais.
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Bacharela em Cinema e audiovisual, adora maratonar séries e salvar vários filmes na lista da Netflix. Ama filmes clássicos e estórias com reflexões profundas. Às vezes escreve sobre audiovisual!