A vida pode ser difícil quando você coloca suas expectativas num patamar muito alto. Às vezes a pressão é tão grande que isso acaba afetando pessoas ao nosso redor, ou acaba por nos tornar escravo de nossas próprias ambições. Essas questões estão bem evidentes no novo filme musical da Netflix, tick, tick…BOOM! (2021), uma das apostas da locadora vermelha para Oscar que chega cercado de expectativas e com muito a dizer sobre sonhos e ambições.
Este longa, dirigido por Lin-Manuel Miranda, que anda tendo o ano dos sonhos ao lançar várias produções com seu nome no topo como Em Um Bairro de Nova York (In the Heights, 2021), pela Warner, A Jornada de Vivo (Vivo, 2021) pela Sony e Netflix, além da animação da Disney Encanto (2021), que estreou no thanksgiving nos EUA, servindo como compositor das músicas e produtor desses outros projetos, ele assume aqui pela primeira o papel de diretor, tocando o barco em um projeto no mínimo desafiador.
O filme é baseado no musical da Broadway de mesmo nome criado por Jonathan Larson (Andrew Garfield) que funciona como uma semi biografia onde o próprio dramaturgo analisa sua vida em busca do sucesso e a pressão de terminar seu primeiro musical na busca pelo sucesso antes de completar 30 anos. O roteiro escrito por Steven Levenson divide a narrativa em dois seguimentos, o primeiro focado na peça estrelada por Larson, enquanto que no segundo seguimento somos levados ao passado que conta a história real focando na pressão do jovem roteirista na sua luta de fazer sua peça “Suberbia” funcionar e assim passar pelo concorrido workshop que pode levar sua obra aos palcos da Broadway.
A primeira coisa que você precisa saber sobre tick, tick…Boom! é que por ser musical, o longa adota um tom lúdico onde fatos e fantasia se misturam numa realidade única onde vemos as facetas de Larson como uma pessoa obstinada, intelectual, as vezes egocêntrica preocupada com futuro e obcecada em deixar sua marca na história do teatro americano. A direção de Lin-Manuel Miranda consegue capturar a leveza e os temores da juventude de uma pessoa que sabe o que quer da vida, mas ainda assim enfrenta dificuldades para realizar o próprio sonho.
O primeiro ato da trama estabelece bem a atmosfera que vai ser empregada no decorrer da narrativa, colocando números musicais bem dirigidos, leves, que vão se intercalando entre a peça no presente daquele período com Larson narrando a própria história, enquanto o apelo dramático toma forma à medida que vamos aproximando da apresentação do workshop no passado. Os cortes aqui são bem feitos e a edição consegue dar um ritmo ágil à narrativa que consegue ser dinâmica tendo menos de duas horas de duração.
É claro que as vezes a falta de experiência de Lin-Manuel na direção é sentida, mas isso ocorre mais nitidamente na metade da história quando inclusive a edição fica meio truncada e onde o filme quase ameaça a descambar para o melodrama barato, porém isso não acontece, ao invés disso sentimos uma crescente a medida que vai surgindo os conflitos na vida de Larson, que vão desde seu relacionamento com a bela Susan (Alexandra Shipp), passando pela sua relação de irmandade com o melhor amigo Michael (Robin De Jesus), até chegar nos ensaios da peça, onde vemos um dramaturgo apaixonado por seu trabalho.
A história se passa no começo dos anos 90 durante o período em que a AIDS estourou em casos, principalmente dentro da comunidade LGBT, isso é tratado na narrativa de uma forma bastante sensível e cuidadosa, que acaba fazendo ligação direta com as contradições mentais de Larson em não perder tempo em realizar seus sonhos antes de seu aniversário de 30 anos. O roteiro consegue um bom equilíbrio entre esses tipos de drama, inserindo um humor latente, além de aproveitar os momentos para inserir diversos números musicais inesquecíveis no processo.
O bom de tick tick…Boom! é que o filme sabe como trazer um frescor mesmo que tenha uma estrutura familiar de um musical moderno da Broadway. É impossível não se emocionar com as diversas sequências de música, muitas delas lideradas por Andrew Garfield, Joshua Henry e Vanessa Hudgens sendo os grandes destaques no quesito potência vocal, vale destacar as canções como a contagiante “Boho Days”, além das deliciosas “No More” e “Johnny Can’t Decide”, mas o musical se eleva mesmo com as sequências fenomenais de “Sunday”, que traz não só um momento vibrante, como também cheio emoção com várias participações de atores veteranos da Broadway, além desta, “Come to Your Senses” é simplesmente de tirar o fôlego com um dueto vibrante de Vanessa Hudgens e Alexandra Shipp.
A verdade é que o filme é uma obra incrível, que só fica melhor graças a ótima atuação de Andrew Garfield, entregando um dos melhores papéis de sua carreira. Seu Jonathan Larson é cheio de personalidade, vibrante, às vezes um pouco antipático, aqui vemos uma pessoa com talento nato para criar grandes obras, inclusive fenômenos como o musical “Rent”. Em termos de produção o filme é impecável, a sonoplastia com o som do “tick, tick…” como se o tempo estivesse correndo funciona perfeitamente e dá ainda mais peso ao título do longa e a urgência de Larson em cumprir o prazo de entrega da peça, a trilha sonora é sensacional, a direção de Lin-Manuel é muito consistente, a fotografia sóbria que vai mudando sua realidade a cada nova canção transforma o longa em algo singular, lindo e único.
No geral “tick tick…Boom!” não é só um bom filme, mas um acontecimento, cheio de boas atuações, números musicais incríveis e um trabalho meticuloso para não só fazer jus à trajetória curta, porém marcante de Jonathan Larson, mas também para se tornar algo atemporal ao mostrar a vida desse jovem que tinha pressa para se sentir realizado e chegar até o topo da carreira. Com uma performance elétrica e cheia de vida de Andrew Garfield, este musical é uma das boas surpresas do ano ao misturar música e drama sem pesar a mão, fazendo desse um verdadeiro tributo à juventude, onde os desafios são gigantes, as emoções são intensas e os resultados são extraordinários. Larson que o diga.
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Engenheiro Eletricista de profissão, amante de cinema e séries em tempo integral, escrevendo criticas e resenhas por gosto. Fã de Star Wars, Senhor dos Anéis, Homem Aranha, Pantera Negra e tudo que seja bom envolvendo cultura pop. As vezes positivista demais, isso pode irritar iniciantes os que não o conhecem.