Já se vão 22 anos e 266 dias desde o lançamento do filme Matrix (The Matrix, 1999) nos cinemas americanos. Este ano, aproveitando a onda de revivals que toma conta da cultura pop, Lana Wachowski traz de volta os icônicos personagens Neo (Keanu Reeves), Trinity (Carrie-Anne Moss) e Morpheus (originalmente Laurence Fishburne, mas, este ano, vivido por Yahya Abdul-Mateen II) em uma continuação que se passa muitos anos depois dos acontecimentos da primeira trilogia.
Era 31 de março de 1999 quando o mundo faria a pergunta “O que é a Matrix?” – bem, pelo menos os Estados Unidos. Não havia estreia mundial simultânea no final dos anos 1990 (ou não era tão comum como hoje). No Brasil, a estreia de Matrix aconteceu apenas em maio, singela, sem muito alarde. O sucesso mesmo veio após o lançamento em home video. Não tardou e já havia uma trilogia completa. Os filmes seguintes foram lançados em 2003, com orçamentos bem maiores que o primeiro, efeitos especiais inovadores e um desfecho que divide a comunidade nerd até os dias de hoje.
Porém, se havia algo que era consenso, é que a franquia Matrix já estava encerrada, uma vez que a guerra entre humanos e máquinas havia terminado. O casal que havia invadido a cidade das máquinas para negociar a liberdade da humanidade morreu no processo e o vírus que tomava conta do mundo construído pela Matrix terminou por ser expurgado. Parecia que não havia mais o que contar nessa história. Até que, em 2020, Matrix Resurrections (The Matrix Resurrections, 2021) foi anunciado e pôs os neurônios dos fãs para trabalhar nas possíveis teses que explicariam o retorno dos protagonistas.
Estamos no final de 2021 e, se a pandemia que se arrasta, prestes a completar dois anos, parece não ter fim, a vontade de criar franquias inéditas em Hollywood acabou faz tempo. Mas a de trazer de voltar clássicos que já se tornaram “maiores de idade”, essa sim, segue firme e forte. Só em 2021, nós tivemos as sequencias Um Príncipe em Nova York 2 (Coming 2 America, 2021), Ghostbusters: Mais Além (Ghostbusters: Afterlife, 2021), Esqueceram de Mim no Lar Doce Lar (Home Sweet Home Alone, 2021), Mestres do Universo: Salvando Eternia (Masters of the Universe: Revelation, 2021) e Space Jam: Um Novo Legado (Space Jam: A New Legacy – 2021) – isso para citar alguns. Além, obviamente, das refilmagens. Como poucos estiveram à altura de seus predecessores, era impossível não criar expectativas sobre Matrix. Esse é, acredito, o verdadeiro problema desta continuação.
Antes de falar do filme em si, eu gostaria muito de fazer algumas provocações: a) o que você espera quando vai assistir a um filme completamente desconhecido; b) O que você espera quando vai assistir a uma sequência; e c) O que você espera quando vai assistir a uma sequência de um filme que dividiu a história do cinema e alimentou a indústria do audiovisual com tecnologias de gravação e animação inovadoras, transmídias, uma forma completamente diferente de encarar filmes de ação e que, principalmente, trouxe para o grande público o pensamento filosófico e questões existenciais, sem parecer um professor chato de ensino médio?
Pois é: Matrix subiu muito a régua. Saber do seu retorno, mais de 20 anos depois, certamente levaria de volta aos cinemas uma quantidade enorme de pessoas. Mas também, refazer a franquia seria tão audacioso que poderia ser um tiro no próprio pé! E muitas pessoas vão tentar te convencer de que realmente foi.
Mas não: Resurrections não é um filme ruim. O que, certamente, é seu verdadeiro inconveniente, é ele ser um filme que ninguém sabia que queria ver até ele ser anunciado. E ele vai sofrer do mesmo mal que os dois últimos filmes da trilogia anterior sofreram: a comparação com o primogênito.
Na história deste filme, acompanhamos mais uma vez Thomas Anderson, mais velho e sem consciência de seu passado, mas, ainda assim com um ruído que lhe perturba a mente. Orientado pelo seu terapeuta de que tudo não passa de alucinação, Anderson tenta manter sua mente calma tomando uma medicação composta por pílulas azuis. Ao encontrar Tiffany (que na verdade é Trinity) na cafeteria onde faz as pausas do trabalho (ele é programador de jogos) a inquietação se intensifica – e sempre há aquele sentimento de que eles já se conhecem de algum lugar. A aventura aqui consiste em trazer Neo de volta ao início e fazer ele acordar, mais uma vez, de seu transe.
A ação do filme é intensa. Matrix Resurrections tem aquele clima de que há algo prestes a acontecer o tempo inteiro. É quase impossível não o assistir com os antebraços repousados nas coxas e o pescoço estendido para frente. Sem descanso. As cenas de luta são meio problemáticas. Os enquadramentos são muito próximos, o que prejudica um pouco o entendimento (provavelmente proposital, por causa da idade dos atores) – esse toque foi um amigo que me deu.
Os efeitos especiais, claro, são soberbos! Movimentos em câmera lenta, saltos, balas sendo desviadas em tempo real e muita, mas muita pancada. Infelizmente, não há nada de inovador aqui (ou ao menos nada que eu mesmo possa ter percebido). E o fato de o primeiro filme ter sido estupidamente revolucionário ao criar o enquadramento giratório – que marca a introdução da Trinity, na primeira cena do primeiro filme – nos faz sentir um tantinho assim de decepção por não ter descoberto nada de “incrivelmente diferente” dessa vez.
O roteiro não é complicado: é uma história sobre resgate, sobre aquilo que se está disposto a arriscar quando se ama alguém. Muito parecido, dadas as devidas proporções, com o plot dos primeiros. Mas aqui a gente esquece o “descobrimento” do amor e passa a lidar com esse sentimento de forma consolidada. O mais notável, nesse sentido, é a explicação de como a Matrix rearranjou seu funcionamento após o fim da guerra e a liberdade de Zion. O que ela fez para seguir em frente? Como ela mantém os humanos ainda “hipnotizados” em suas câmaras, sonhando com um mundo que não existe e alimentando as máquinas? Quem é o novo arquiteto? E, não improvável, o que aconteceu com o agente Smith? Mais uma vez, tal qual você fez 20 anos atrás, é bom ficar atento nas explicações. Algumas vezes elas poder soar confusas.
Porém, o ponto forte da película é, sem sombra de dúvidas, seus diálogos. Resurrections brinca consigo mesmo e com suas referências exageradas aos seus originais. E ele é, de fato, uma autorreferência. Traz de volta tantas cenas de seus irmãos mais velhos que é quase possível colocar um filme por cima do outro. E veja só: meu coração de fã ficou divido entra a empolgação de estar reconhecendo cada frame já visto antes e a decepção de pensar que esperei de tanto tempo para ver o que se parece muito com uma reprise.
Mas Resurrections não se perde em seu caminho. Ele faz duríssimas críticas ao capitalismo e a como ele transforma todas as causas de luta por igualdade em monetização. Lana conseguiu traduzir a ferocidade da indústria cinematográfica em diálogos pontuais que nos mostram como pode ter sido o processo criativo desse próprio filme, referenciando a si mesmo como um jogo, não na figura dos filmes anteriores, mas desse que estamos vendo.
Numa forma modificada de quebrar a quarta parede, ele “se transforma” em um filme e quase confessa ao público não ser uma realidade (lembra de como os personagens de A História Sem Fim (The NerverEnding Story, 1984) confessam ao Sebastian que eles não passavam de personagens em um livro que o próprio Sebastian estava lendo? – ora pois, não seria essa a missão de toda trilogia Matrix, desde o início? Desmascarar a ilusão de nossas próprias vidas e entender como funciona o sistema em que estamos inseridos enquanto pensamos ter o controle de nossas escolhas?
“Escolhas”
Essa é a palavra que mais ouvimos nas 2 horas e meia em que estamos em frente à tela. Muitas das vezes dentro da pergunta: “E isso parece mesmo uma escolha?”, como se, dessa vez, estivessem não apenas tentando nos explicar, mas despejando na nossa fuça que não temos escolhas mesmo quando pensamos, pois o que fazemos na maior parte do tempo não é o que queremos, mas o que conseguimos. E, nesse quesito, Matrix, mais uma vez, cumpre bem a sua função.
Ele faz um alerta sobre nosso mundo, sobre nossa realidade – em forma de entretenimento recheado de socos, pontapés e perseguições. Não é um filme raso, nunca foi.
É possível que Matrix Resurrections não esteja à altura de suas expectativas. Mas só se você continuar na insistência de compará-lo ao que foi feito em 1999. Que tal se, agora, a gente tentasse parar de viver do passado para aproveitar o que temos hoje como coisas boas, ao invés de encará-las com o espírito de “não é melhor que o primeiro”? Porque, ao que parece, nada que Matrix faça vai conseguir superar o que ele mesmo fez na sua origem. E nós, como público, podemos ter transformado a franquia em uma vítima dela mesma…
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Gay, Nerd, jornalista e podcaster. Chato o suficiente pra achar que pode se resumir em apenas quatro palavras. Fã de X-Men e especialista em Mulher-Maravilha. Oldschool – não usa máquina de escrever, mas bem que poderia. There’s only one queen, and that’s Madonna!