Querido Evan Hansen – Chamem adolescentes para interpretarem adolescentes

A onda de adaptações, remakes, spin offs, de Hollywood continua, e dessa vez viemos falar de uma adaptação de um musical da Broadway, Querido Evan Hansen (Dear Evan Hansen, 2021). Para quem não conhecia a obra antes de sua chegada no cinemas, o musical conta a história de Evan Hansen, um jovem com ansiedade social que sofre bullying e, a pedido de seu terapeuta, escreve uma carta para si mesmo e menciona sua crush Zoe e como ela é a única coisa que lhe trás felicidade. A carta chega no irmão de Zoe, que acredita que Evan o estava provocando e fica com a carta. 

Por dias Evan anseia sobre o que Connor, irmão de Zoe, vai fazer com sua carta, até receber notícias dos pais de Connor, de que, após o suicídio do rapaz, acreditam na possibilidade de os dois terem mantido uma amizade secreta. O gesso de Evan assinado por Connor os convence dos dois terem sido amigos e então os pais de Connor convidam Evan para sua casa. A partir daí, Evan começa a concordar com a mentira para não magoar a família de Connor, família essa pela qual ele começa a se apegar devido à falta de presença de sua mãe. As mentiras só se aprofundam mas aqui não é um espaço para dar spoilers sobre o musical ou do filme em si. 

Uma parte interessante entre o filme e o musical é o fato de Ben Platt ter interpretado o protagonista em ambos, seu pai, Marc Platt, foi o produtor do filme. Duas coisas são importantes pontuar agora sobre a presença de Ben Platt no filme, uma delas é o fato de ele não convencer em momento algum como um adolescente. Afinal, interpretar um jovem é uma coisa nos teatros da Broadway, mas é algo totalmente diferente quando isso vai ser adaptado para audiovisual. Embora haja uma certa compreensão da minha parte sobre trazer o protagonista do musical, alguém deveria ter avisado o quão tosco Ben Platt ficaria interpretando um adolescente.

Não é falando que qualquer outro adolescente desse filme seja passável de fato por um adolescente, mas ainda assim, a escolha de Platt simplesmente por ele ter sido o protagonista do musical. Isso nos leva ao outro ponto negativo da escolha do ator, sua atuação não parece muito adequada para o cinema neste papel. É como se ele estivesse num tom a mais do que todos os outros atores, um tanto mais pantomímico e exagerado. Isso inclusive tira o peso de vários momentos, especialmente de músicas, pois Platt claramente está tentando demais. De todos presentes no filme, é o personagem protagonista o que convence mais, partindo de inúmeros pontos de exagero e estereótipos de pessoas ansiosas. 

Além do mais, que protagonista mais escroto esse, com tudo o que ele faz e como ele faz. No começo é possível entender como ele termina no meio dessa confusão, mas chega num momento onde ele está agindo de um local de total egoísmo e brincando com os sentimentos de pessoas que perderam alguém para o suicídio. O filme perde muito com a narrativa seguindo Evan Hansen, ou ao menos como opta por seguir esta narrativa, com uma perspectiva egoísta do rapaz. É menos sobre saúde mental e mais sobre um cara mentindo pra se dar bem, por suas próprias razões, mas mesmo assim.

Ao redor, temos personagens lidando com seu luto, com seus problemas financeiros e com suas próprias doenças psicológicas. Mas o filme não desperdiça totalmente a possibilidade de abordar o tópico de depressão e suicídio, só poderia ter feito isso de forma mais palpável e aprofundada pelas pessoas atingidas. A forma como o protagonista coloca seus sentimentos por uma menina que mal conhece, Zoe (Kaitlyn Denver), no topo do sentimento de luto de toda a família dela. No meio de todos os personagens com problemas complexos apresentados no filme, reitero o quão este peca seguindo o ponto de vista de Evan Hansen.

Um dos pontos altos do filme é ao abordar bem como a depressão atinge as pessoas, o sentimento de invisibilidade e como se ninguém fosse capaz de ajudar. O problema do filme é ir e voltar muito entre uma temática tão pesada e um roteiro às vezes muito fraco e pastelão. Me parece que durante o filme as coisas não têm o peso necessário, enquanto em outras o peso é demais. Recomendo inclusive cuidado para pessoas com gatilhos com depressão e suicídio ao irem ver o filme, as coisas podem doer mais do que estamos preparados. 

No meio de uma grande bagunça de dramas mal explorados, a verdadeira protagonista e mocinha do filme termina por ser a personagem Alana (Amandla Stenberg). Uma moça da escola lidando com depressão e ansiedade, com vontade de fazer mais pelos anônimos que lidam com as mesmas doenças que ela, Evan e Connor. Embora como qualquer personagem, ela seja passível de erros, como ela mesma comete, eles não vêm de um local de puro egoísmo. Entendemos sua causa, o que a move, e as suas razões são extremamente palpáveis. 

Julianne Moore e Amy Adams interpretam as mães de Evan e Connor, respectivamente, e ambas fazem um grandioso trabalho com as suas personagens. Ambas conseguem tirar leite de pedra em meio a um enredo conturbado causado por um menino egoísta, as duas são extremamente magoadas – de formas muito diferentes. O personagem de Danny Pino, Larry, padrasto de Connor, é outro dos pontos altos da narrativa do filme e como o mesmo é capaz de mostrar as múltiplas formas de luto.

Querido Evan Hansen chega ao cinema com uma ótima trilha musical e algumas atuações muito boas e outras nem um pouco. Se finaliza como um filme muito preso ao material de origem, que não é nada atual e cuja trama não se traduziu para o cinema com um elenco muito velho para interpretar adolescentes. 


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