Há décadas Hollywood tenta ressuscitar a franquia Os Caça Fantasmas, cujos dois filmes foram marcos criativos e comerciais dos anos 1980 e geraram uma série animada que também cravou suas marcas na memória afetiva de muita gente. Particularmente, apesar de achar os filmes divertidos – principalmente o primeiro – e de ter excelentes lembranças da animação, nunca foi minha série de filmes favorita da década em questão. Assim, o fato de até hoje não ter sido feita uma continuação de fato dos filmes nunca foi uma preocupação que tive. Pelo contrário, sempre achei que a ideia central de Os Caça Fantasmas – sobre esse grupo considerado pela sociedade como perdedores, que teoricamente lutam contra o sobrenatural, até se verem de fato enfrentando algo maior que eles – uma ideia um pouco difícil de atualizar para as plateias de hoje sem apelar para a paródia (coisa que os filmes realmente não são). No entanto, isso é uma opinião minha, e Hollywood nunca deu a mínima para esse tipo de preocupação, já que quem fala mais alto é o deus-dólar, e dinheiro foi algo que os primeiros filmes fizeram bastante.
Desse modo, por anos ocorreram negociações com o elenco que não resultaram em nada, até que, com a onda surgida no início dos 2010 de produtos da cultura pop voltados para os anos 1980, o estúdio viu a oportunidade de resgatar a franquia e, na ausência do elenco antigo, tentar atualizar a ideia com uma equipe formada somente por mulheres. Aí surgiu Caça Fantasmas (Ghostbusters, 2016) que, apesar de ser um divertimento razoável com grandes talentos da comédia – todas bem em seus papéis, que fique claro –, foi um fracasso, muito por conta do retorno negativo de uma parcela machista do público. Isso, no entanto, não desestimulou o estúdio, que continuou sua tentativa de resgatar os personagens originais para o século XXI, o que nos traz a Ghostbusters – Mais Além (Ghostbusters: Afterlife, 2021).
Nesta mistura de continuação com reboot – o que se tornou quase uma nova moda depois do sucesso avassalador de Star Wars: O Despertar da Força (Star Wars: The Force Awakens, 2015) – Carrie Coon interpreta Callie, a filha de Egon Spengler (o falecido Harold Ramis, que surge em ponta a partir de efeitos visuais), abandonada por ele ainda criança. Ao ser informada da morte do pai e que herdou deste uma fazenda perdida no interior de Oklahoma, ela parte com os dois filhos, Pheobe (McKenna Grace) e Trevor (Finn Wolfhard) para receber a herança, sem imaginar que o abandono do pai tem relação com o retorno de um grande perigo enfrentado pelos Caça Fantasmas décadas antes. Com essa trama, Jason Reitman – filho do diretor dos filmes originais, assumindo o trabalho do pai – busca continuar as histórias dos dois primeiros filmes e ao mesmo tempo dar protagonismo a uma nova geração, dessa vez de crianças e adolescentes.
O que poderia soar apenas como oportunismo, ao se aproveitar do sucesso de Stranger Things (2016 -) para misturar jovens, sobrenatural e anos 1980, revela-se uma decisão extremamente acertada, tanto pelo elenco muito bem escolhido, encabeçado pela ótima McKenna Grace, quanto pela direção de Reitman, que equilibra com firmeza o senso de aventura com toques de horror com o lado emocional, das relações familiares entre os personagens. Mesmo com quase 2h, o filme não se torna cansativo, e todo o clima construído remete às melhores aventuras juvenis da década de 1980, já que o roteiro e direção não apelam para a nostalgia pela nostalgia, ou seja, ela não é o objetivo principal do filme, mas sim um sentimento que pode surgir ou não, dependendo da relação do espectador com os filmes originais. Sem dar spoilers, apenas próximo ao final é que o filme ameaça sucumbir ao peso da homenagem, mas a qualidade do que veio antes, no próprio filme, permite que perdoemos esse deslize.
Um dos pontos que mais merecem atenção são as atuações de McKenna Grace e Carrie Coon. A primeira vem se tornando, a cada trabalho, uma espécie de pequena Rainha do Grito, vista a quantidade de obras de terror das quais já participou. Apesar da pouca idade, é perceptível como ela tem talento e carisma, e em Mais Além não é diferente. Caso o filme faça sucesso, acredito que o protagonismo está em boas mãos. Carrie Coon, por outro lado, é absolutamente incrível. Desde que se tornou conhecida por The Leftovers (2014 – 2017) que espero com ansiedade que seu trabalho seja cada vez mais valorizado. É impressionante como ela é uma atriz que domina por completo até os menores papéis, comunicando ao público tudo que ele precisa saber da personagem na cena e ao mesmo tempo nos deixando com o desejo de saber mais. E tudo isso de forma sutil. O restante do elenco cumpre bem os seus papéis, mas elas duas se destacam visivelmente.
Outro ponto que me chamou atenção é como Reitman soube dominar os efeitos visuais do filme, tanto para que não se tornassem mais importantes que história, como ao dar uma cara retrô a eles, visto que muitos possuem um aspecto que mistura o realismo que se espera dos efeitos atuais com uma “textura” que lembra efeitos antigos, lá do início do uso do CGI no cinema. Além disso, é interessante ver como um diretor que nunca havia trabalhado com isso, sendo mais conhecido por suas comédias dramáticas, mostrou ter um senso de ritmo e aventura bastante apurados.
Divertido, com boas piadas, e emocionante na medida certa, Ghostbusters – Mais Além é uma retomada promissora de umas das franquias mais simpáticas e adoradas da cultura pop e sinaliza que ainda há coisas bem interessantes a se explorar nesse universo.
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Cineasta e roteirista, formado em Letras e graduando em Cinema, respira literatura, filmes e séries desde que se entende por gente. É viciado em sci-fi e terror, e ama Stephen King, Spielberg e Wes Craven. Tem mais livros em casa, e séries e filmes no computador de que seria humanamente possível ler e assistir, mas não vai desistir de tentar. Não consegue lembrar o que comeu ontem, mas sabe decorado os vencedores do Oscar de melhor atriz do últimos trinta anos (entre outras informações culturais inúteis).