O nome James Wan se consolidou como uma marca de qualidade no cinema de terror do século XXI, a partir de trabalhos como Jogos Mortais (Saw, 2004), Sobrenatural (Insidious, 2011) e, principalmente, Invocação do Mal (The Conjuring, 2013), todos servindo de pontapé inicial para franquias de sucesso, sendo que este último se tornou um dos mais populares filmes de terror das últimas décadas. Assim, o diretor conseguiu colocar seu nome na seleta lista de cineastas do gênero reconhecidos pelo grande público, ao lado de nomes como Wes Craven e John Carpenter, entre outros. No entanto, toda a inventividade e talento demonstrados por Wan não ficaram limitados ao terror. Após fazer sua fama no gênero, ele logo encontrou o caminho para filmes de apelo mais universal, como o sétimo Velozes e Furiosos (Furious 7, 2015) e Aquaman (2018).
Depois de alguns anos limitando-se a produzir as continuações e derivados das séries que iniciou, e deixando a direção somente para os citados blockbusters, James Wan anunciou seu retorno ao terror com Maligno (Malignant, 2021), o que, dada a qualidade de suas outras incursões no gênero, obviamente causou imenso interesse, não somente no público, mas também na crítica, que sempre elogiou o talento do diretor.
Eu, como amante do gênero, fui um dos muitos ansiosos por esse retorno, por gostar não só desses trabalhos mais conhecidos de Wan, mas por ser fã de um filme dele que, infelizmente, é pouquíssimo lembrado, Gritos Mortais (Dead Silence, 2007). Apesar do trailer de Maligno não ter me despertado uma boa impressão, a premissa anunciada, que trataria de uma mulher que testemunha os crimes de um assassino no momento em que acontecem, sem nem mesmo estar no local dos assassinatos, sugeria um prato cheio pra criatividade do diretor.
Infelizmente, a cada minuto de projeção que passava eu me perguntava o que havia acontecido com toda a qualidade que Wan demonstrou em seus filmes anteriores. Isso significa que Maligno é o pior filme de terror já feito? Claro que não. Mas é altamente decepcionante, dado o nome envolvido. E aqui, antes de tudo, preciso deixar claro a questão da expectativa: muitas vezes deixamos de ver uma obra pelo que ela é devido a expectativa que temos a seu respeito. No entanto, é impossível deixar de lado esse sentimento gerado quando temos o mínimo de conhecimento a respeito daquilo que vamos ver ou ler. Mas é possível, sim, pensar analiticamente, e tentar entender se a obra falhou ou se nossa expectativa é que estava errada.
Não creio que no caso de Maligno houve expectativa errada. Desde o início da produção, foi amplamente divulgado que seria o retorno do diretor ao gênero que fez sua fama, e o segredo em torno da trama só alimentou ainda mais essa espera. Dado o histórico de Wan, esperava-se um filme de terror com movimentos de câmera diferenciados; uso amplo do espaço cênico, com cenários bastante elaborados, e com o terror vindo não somente dos famigerados jump scares, mas também do uso desses cenários; e a ênfase em maquiagem e trabalho com luz e sombras, em vez de efeitos digitais excessivos. O que se viu, na realidade, foi um diretor tentando conciliar seu estilo com dois subgêneros do terror – o giallo italiano e seu similar, o slasher norte-americano – que ele claramente não soube dominar.
Em poucas linhas e sem entregar spoilers, podemos dizer que Maligno conta a história de Madison (Annabelle Wallis), uma mulher grávida que, após uma tragédia pessoal, passa a sonhar acordada com violentos homicídios, no momento em que estes acontecem, cometidos por uma figura misteriosa, sugerindo-se, assim, um elo sobrenatural entre a personagem e o assassino.
É difícil começar a enumerar os problemas de Maligno, mas aceito a tarefa. Para começar, há a escolha completamente equivocada da protagonista. Annabelle Wallis já havia mostrado sua canastrice e tendência ao overacting no primeiro Annabelle (2014) e aqui tem uma oportunidade ainda maior de exagerar nas caras e bocas, além de não ter carisma suficiente para causar interesse ou empatia pela personagem. O resto do elenco não fica atrás e faz um trabalho inexpressivo e esquecível. Esse é um dos fatores que mais prejudica um filme de terror: sem ao menos um personagem que permita uma identificação com o público e por quem a gente possa temer e se solidarizar, toda a história se torna inócua, até mesmo boba. Para piorar, a trama se leva excessivamente a sério, e a resolução do mistério é tola e absurda, o que não seria um problema se todos os caminhos tomados até o final não fossem tão óbvios.
Para não dizer que não há qualidades, o diretor mostra o costumeiro cuidado visual na criação de cenários e fotografia, mas até isso às vezes é prejudicado por subestimar o espectador ao dar ênfase a certos elementos – como, por exemplo, focar em um objeto em formato de punhal que, claro, irá ser utilizado como arma – da forma mais clichê possível. Além disso, estão presentes também os inventivos movimentos de câmera normalmente utilizados por Wan, apesar destes parecerem, na maioria das vezes, exibicionismo, e não algo a serviço da narrativa.
E, para coroar, o diretor abusa de um CGI pobre, que transforma o assassino em um boneco de videogame dos anos 90, nos tirando qualquer possibilidade de aceitar aquele indivíduo como real e perigoso nos momentos que objetivam maior tensão.
Vindo de um diretor qualquer, Maligno seria somente mais um terror inofensivo e esquecível, que irrita nas suas intermináveis quase 2h, mas que é deixado de lado antes mesmo das luzes serem acesas. No entanto, vindo de James Wan, é um sério tropeço em uma carreira sólida. E espero que seja somente isso mesmo: um tropeço, que logo possa ser superado por outras obras que mostrem o real talento desse diretor.
VEJA TAMBÉM
Uma Noite de Crime: A Fronteira – Um pesadelo perigosamente próximo
A Lenda de Candyman – Say my name
Cineasta e roteirista, formado em Letras e graduando em Cinema, respira literatura, filmes e séries desde que se entende por gente. É viciado em sci-fi e terror, e ama Stephen King, Spielberg e Wes Craven. Tem mais livros em casa, e séries e filmes no computador de que seria humanamente possível ler e assistir, mas não vai desistir de tentar. Não consegue lembrar o que comeu ontem, mas sabe decorado os vencedores do Oscar de melhor atriz do últimos trinta anos (entre outras informações culturais inúteis).